Todos nós já ouvimos pelo menos uma história acerca de uma experiência laboratorial que, por diversas razões, ou correu mal ou sofreu uma ingerência e saiu do controle dos seus cientistas.
Seja na ficção ou na vida real, a perspetiva deste cenário causa stress, deixa-nos ansiosos e sob uma tensão enorme, mesmo que seja momentaneamente em frente a um ecrã, enquanto assistimos um filme.
A causa principal para esses sentimentos angustiantes é o medo do desconhecido, é o sentimento de impotência que se fixa na nossa ignorância.
Em recente conversa com uma amiga que atua na mesma área que eu (Recursos Humanos), falávamos do assunto do momento, que ambas dominamos nos níveis mais básicos na “ótica da sua utilização”, mas que já sabemos (ou pelo menos começamos a ter uma ideia) do impacto que este fenómeno trouxe e continuará a trazer para as nossas vidas – de todos.
A AI (Artificial Intelligence) não é um vírus que se escapou de um laboratório, mas é seguramente um software já disponibilizado, cuja utilização e consequências, na sua maioria, ainda não foram mapeadas. Muito pelo contrário.
A bula da AI ainda nem começou a ser escrita.
Pensemos num paracetamol – usado para determinada sintomatologia, que deve ser administrado de acordo com a idade/peso/altura, contraindicado em determinadas situações, e cuja sobredosagem e/ou combinação com outras substâncias tem consequências já conhecidas, e ainda temos as reações adversas mais e menos comuns devidamente identificadas.
No caso da AI, embora não seja um medicamento, chegou-nos como uma ferramenta de soluções, cujo livro de instruções ainda está na introdução.
Se devemos ter medo? Sim. É-nos legítimo temer o desconhecido e principalmente recear infinidade de possibilidades, nomeadamente o mau uso e as suas consequências. Mas será que ao mesmo tempo não deveríamos ajudar a escrever a “posologia deste remédio”?
A Inteligência Artificial, nos moldes em nos e apresentado hoje, tem causado muita controvérsia em diversos meios profissionais e da sociedade civil no mundo inteiro, que legitimamente receiam o (ab)uso indevido, a possibilidade de substituições sumárias e consequentemente assistirmos a uma extinção maciça de profissões.
A história já nos mostrou o que aconteceu com a disponibilização geral da Internet e a adesão universal aos serviços de email – alguns serviços tiveram que se reinventar para não sucumbir. Ou ainda o inevitável fado das casas de fotografia, que em sequência do aparecimento das fotografias digitais, perderam as suas principais fontes de renda e levaram ‘monstros empresariais’ à falência.
Ou então, o surgimento dos motores de busca, que hoje são responsáveis pelo facto de muitos jovens adultos não saberem exatamente o que fazer nem como agir estando dentro de uma biblioteca.
Estes são só alguns exemplos. Contudo, se olharmos com atenção, e com o devido distanciamento temporal, até conseguimos circunscrever os impactos do surgimento destas ‘grandes invenções’.
A Inteligência Artificial é bem diferente, pois na sua génese propõe-se à substituição humana na produção e consequente propriedade intelectual, na sua criatividade, na opinião e análise crítica, só para mencionar alguns pontos.
Vai ainda mais além, e aliada à robótica, já é possível materializar-se á nossa frente.
Temos que temer? Temos. Pelo simples facto de termos a consciência que ainda estamos longe de elencar as possíveis consequências e impacto nas nossas vidas e existência. Não sabemos o que está a ser posto em causa ainda.
E agora que existe, que é real e acessível, temos que acolher? Sim temos. Nem que seja pelo facto de já ser uma realidade, mas acima de tudo porque nos cabe a nós, enquanto humanidade contribuir para o apuramento do que nos espera.
O medo que ainda temos do desconhecido e da possibilidade de virmos a ser ‘substituídos’, deve dar lugar a exploração exaustiva da nossa parte, a uma forte regulamentação em contexto laboral, empresarial, académico, jurídico, cultural e político e assim permitirmos e abraçarmos a coexistência.
Cláudia Xafredo dos Reis,
Enabler-in-Chief at Claudia Xafredo HR Consulting | Senior Corporate HR Specialist | Humanity Summit Contributor