Esta sexta-feira, a empresa Softinsa, subsidiária da IBM, apresentou no Salão Nobre dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Coimbra, um projeto que permitirá que a autarquia conimbricense melhore a qualidade do serviço de atendimento aos munícipes, ao nível do fluxo de e-mails, sua receção e distribuição, através da utilização da plataforma de Inteligência Artificial (IA) Watsonx, desenvolvida pela IBM. Este projeto simples é apenas uma prova de conceito entre várias já implementadas pela IBM que espelha o muito que municípios e empresas em Portugal, das mais variadas dimensões e orçamentos, podem lucrar com a incorporação nos seus procedimentos de IA. À Forbes, Ricardo Martinho, Presidente da IBM Portugal, sublinha a oportunidade histórica que pode ter Portugal, onde a IBM já tem seis centros de inovação, se investir nesta tecnologia de ponta. E explica que há outra área que poderá permitir ao país dar um salto, se assim for assumido esse desígnio: a computação quântica.
A IBM destacou várias tendências para este ano. A Inteligência Artificial é uma delas.
As cinco tendências que verificámos têm todas muito a ver com a nossa grande aposta na Inteligência Artificial. A meio do ano passado lançámos uma ferramenta chamado watsonx, que achamos que vai revolucionar completamente aquilo que é a utilização de Inteligência Artificial nas empresas. É específica para a utilização das empresas, colmatando algumas lacunas dos outros sistemas. Consideramos que as organizações vão trabalhar em 2024 a componente da materialização, isto é, não apenas o uso rápido de Inteligência artificial, mas começar a pensar na Inteligência Artificial em primeiro lugar. É aquilo a que nós chamamos AI First. Para tirar o máximo partido dessa mesma tecnologia, há que repensar parte dos seus processos e dos seus sistemas para que a Inteligência artificial seja a base e, a partir daí, as coisas sejam feitas e não como até agora, que era muito utilizada a Inteligência artificial em cima de alguma coisa. Ou seja, até aqui o usual era colocar-se a IA em cima de um processo e dizermos que esse processo era inteligente. É verdade que tinha alguma inteligência, mas achamos que, em 2024, este processo de pensar, primeiro, na AI, é uma dessas tendências. Também, outra questão muito relacionada com Inteligência artificial, é a vantagem competitiva das pessoas que têm conhecimentos sobre a Inteligência artificial face aquelas que não têm. Vai existir uma tendência de substituição de quem sabe, porque quem não sabe; quem conhece vai ganhar essa vantagem. Então, é fundamental também a questão do conhecimento da utilização, mas também do conhecimento destas tecnologias e, estarmos todos muito cientes de que não é a substituição das pessoas pela Inteligência artificial, é a substituição do conhecimento das pessoas que têm sobre a Inteligência artificial comparativamente aos outros.
“Vai haver uma vantagem competitiva das pessoas que têm conhecimentos sobre a Inteligência Artificial face aquelas que não têm”
Depois, temos os dados, que, tipicamente, era uma área que estava restrita aos departamentos de Tecnologia de Informação. Hoje em dia é um assunto do Board, ou seja, é um assunto dos C-suites. São assuntos que são discutidos ao mais alto nível, até porque as empresas, finalmente, vão conseguir tirar proveito de todos os dados que têm. Falamos de big data há muito tempo, mas todos sabíamos que 90% desses dados não estavam a ser utilizados para serem transformados em conhecimento. Acho que agora temos as ferramentas capazes para transformar esses dados em inteligência. E, portanto, essa vai ser outra tendência. Depois a questão dos modelos operacionais que têm que se adaptar para não se quebrarem: temos de ter a noção de quais são os modelos operacionais dentro de uma empresa e como é que a Inteligência artificial vai ajudar a otimizar essas operações. Logo modernizá-los com essas capacidades, porque se não, vão quebrar, pois é uma operação que não vai ser tão eficaz. Por último, a questão do ecossistema: nós achamos que o ecossistema não é uma parte estratégica daquilo que nós iremos fazer em 2024, mas sim que é a própria estratégia. A estratégia passa muito pelo ecossistema. O ecossistema tem que estar na base das estratégias das empresas para tirar o máximo de proveito destas interações e dos próprios modelos. Quanto mais informação tiver, quanto mais modelos tiver, quanto mais utilização desses modelos tiver, mais valor eu vou conseguir para as empresas. O ecossistema tem que estar muito presente em todas as estratégias das empresas e não podemos estar orgulhosamente sós, como se calhar estávamos no passado. Hoje em dia temos que estar muito ligados e quando falo de ecossistemas falo no sentido lato, desde parceiros, a distribuidores, clientes, sejam eles B2B ou B2C. Então, estas estratégias rodam muito à volta da Inteligência artificial e daquilo que é o poder da IA na sua utilização. Estamos a dizer que 2024 vai ser o ano da concretização.
“As empresas, finalmente, vão conseguir tirar proveito de todos os dados que têm”
E quais serão os primeiros setores que identificam como sendo aqueles que vão primeiro concretizar a Inteligência Artificial?
Nós trabalhamos em todos os setores e em todos os setores se verifica apetência para a utilização da IA. Eu acho que a divisão de quem vai usar mais – ou mais depressa – a IA não está tão assente em setores, mas sim na capacidade que as empresas têm de descobrir os casos de uso que mais sentido fazem nas suas organizações. Eu diria que empresas que têm sistemas e processos que são muito repetitivos e de fácil transformação e de alto valor de retorno, serão, obviamente, aquelas que têm os casos de uso mais simplificados. As empresas mais sofisticadas que querem começar a usar modelos fundacionais e generativos com a sua própria informação, que é isso que permite a nossa ferramenta, para criar e tirar o tal valor de todos os dados que têm dentro da empresa, vão começar também, mas vão ter um trajeto com o retorno mais a médio prazo, porque são situações mais complexas. Eu diria que aquelas que primeiro vão utilizar são aquelas que têm a tendência da repetição e a necessidade de modernizar, por exemplo, os seus call centers e a sua forma de interagir com os clientes, aquelas que têm processos que podem ser automatizados e depois as tais empresas que estão a fazer a passagem para o AI First e colocar os processos já de raiz com IA.
Já têm sido contactados por empresas interessadas nas vossas plataformas de AI? Como é que vai ser a abordagem comercial para demonstrarem a utilidade das vossas ferramentas, junto de algumas empresas?
Nós já temos sido, obviamente, abordados por empresas que acompanham mais este setor e esta tecnologia e estamos a fazer já algumas provas de conceito à volta de alguns dos casos de uso que essas empresas nos apresentam. Essa é uma estratégia que eu diria que é quase a estratégia diária. Mas a nossa intenção, e até porque é uma ferramenta muito recente, é seguirmos uma abordagem top down. Ou seja, nós temos determinados clientes que entendemos, pelo conhecimento que temos da sua operação, que são clientes típicos de tirarem um grande valor da utilização deste tipo de tecnologias, e falamos ao mais alto nível na organização para que seja o Board, até mesmo o CEO, a transmitir as suas ‘queixas’ em termos de dificuldades, porque isso não pode ser uma discussão tecnológica. Há ferramentas que fazem e ferramentas que não fazem. Apresentamos e demonstramos cada uma das ferramentas, mas é fundamental que seja com um caso de uso relevante para a empresa. E, por isso, a nossa abordagem é independentemente do setor e independentemente do tamanho da empresa. E isto é muito importante. Há uma tendência muito grande a associar a IBM a coisas muito caras. Contudo, temos na realidade uma solução que é baseada na cloud e está totalmente disponível para qualquer cliente na dimensão que ele considerar que é correta para si. Se há uma empresa com 5 empregados e pretende que esses seus 5 empregados façam determinadas tarefas, ligadas a modelos de dados, nós na IBM temos uma solução para 5 empregados, como também temos para 500 empregados, 5 mil e para 50 mil empregados.
“Há uma tendência a associar a IBM a coisas muito caras. Temos uma solução que é baseada na cloud e está totalmente disponível para qualquer cliente na dimensão que ele considerar que é correta para si”
A inteligência artificial ou a sua utilização não está a restrita a grandes empresas com grandes orçamentos; é adaptável à realidade de cada empresa e até das PMEs, é isso?
Exatamente. Uma das minhas intenções é justamente criar um ponto de acesso único à inteligência artificial para a maior parte das PME em Portugal. Estou a pensar na CIP, por exemplo, e de, através dela. podermos disponibilizar este tipo de tecnologia para as PME. A CIP tem 150 mil associados, das mais diversas escalas, desde microempresas até empresas de maior dimensão. Seria uma forma de conseguirmos que as empresas contactassem com este tipo de ferramentas e de tecnologia, que é diferente.
A tecnologia que estamos habituados a ver e a recorrer como utilizadores, que achamos fantástica – e é realmente fantástica – mudou muito; desde o aparecimento dos “foundation models” lançados pela Universidade de Stanford e depois da AI generativa as coisas mudaram radicalmente. Trabalhamos a IA há mais de 40 anos. A nossa máquina Deep Blue [no ano 1996] usava IA para ganhar no xadrez ao então campeão do mundo, Garry Kasparov, mas era algo mais custoso e moroso [de programar]. A partir da construção destes recentes modelos, os próprios modelos são criados por si e isto traz uma rapidez à utilização muito superior. Mas há que ter muita atenção com aquilo que é a utilização da IA em empresas e para a importância do modelo que se está a usar. Se dentro de uma empresa, se estiver a usar um modelo para tomar uma decisão e essa decisão ‘empurrar’ a organização para uma decisão totalmente errada, eu posso ter consequências muito graves. As alucinações dos próprios modelos, a falta de ética, a falta de critério e a falta de qualidade dos dados é gritante e nós vemos isso em muitos modelos. As nossas ferramentas previnem justamente tudo isso, com toda a fonte de dados que é legítima e que é legitimada pela IBM. Por exemplo, na questão da propriedade intelectual. Se houver algum prejuízo para as empresas na utilização dos modelos da IBM, a IBM assume essa responsabilidade, porque nós sabemos que a parte da propriedade intelectual está salvaguardada em todos os modelos que disponibilizamos e que ajudamos os nossos clientes a criar.
“As alucinações dos modelos, as faltas de ética, de critério e de qualidade dos dados são gritantes e vemos isso em muitos modelos. As nossas ferramentas previnem tudo isso”
Outro ponto muito importante é a utilização da informação de cada empresa. A informação é de quem a criar. A informação de uma empresa é sua e partilho-a com quem quiser. Não pode ser obrigada a partilhar com todos. Por isso, para ter vantagem competitiva, uma determinada organização vai querer utilizar a sua própria informação enquanto empresa, aliada a outros modelos fundacionais e, por aí, tirar o máximo de proveito, mas quer ser e continuar proprietária dessa informação. Porque se todas as empresas forem usar os mesmos modelos e fizerem as mesmas perguntas, tipicamente, vão ter as mesmas respostas e, portanto, não há como que uma diferenciação.
Esta nossa ferramenta, watsonx, traz essa diferença e é única no mercado neste momento com essa diferenciação. E com um modelo de governança, com um modelo de filtro de tratamento de dados e de criação dos próprios modelos, conseguimos dar às empresas todas as ferramentas necessárias para criar um modelo bem construído.
O watsonx tem três grandes componentes. O watsonx.AI que é, basicamente, um estúdio onde podemos criar os nossos próprios modelos, com a nossa informação e fazer “fine and tune” de outros modelos para adaptar mais à realidade e ao caso do uso que eu tenho dentro da minha empresa; tenho o watsonx.data que é onde eu trabalho os dados e de onde eu retiro dentro dos meus modelos dados repetidos, onde eu consigo fazer filtros para retirar mensagens de ódio, xenófobas, etc. para que a ética esteja sempre presente. Nós temos um modelo com filtros éticos muito potentes e com a própria propriedade intelectual; e depois temos um modelo que foi o último modelo que saiu, que é o watsonx.governance, que tem realmente uma particularidade única, que é um sistema de governance global. Ou seja, ao contrário de todas as outras ferramentas, eu consigo por as empresas a saber, de onde é que vêm os dados, de que fonte é que eles vêm, para que estão a ser utilizados, que modelos é que foram feitos e qual é a sua finalidade, para que amanhã, por hipótese, quando uma autoridade me pedir uma certificação daquilo que estou a fazer, eu tenho, enquanto empresa, o track record daquilo que estou a fazer, e não estar a ser manipulado, ou manipular com a utilização de dados. Para vermos a importância das ferramentas e da qualidade que têm que ter para evitar estas alucinações, dou aqui um exemplo. No fim do ano passado, foi lançado um modelo fundacional chamado Galactica para a comunidade científica para ajudar os cientistas a avançarem nas mais variadíssimas áreas e nalguns projetos em que estavam a trabalhar. O Galáctica só teve online três dias. Porque houve alguém que fez uma pergunta muito simples: “Galactica, quais são as vantagens que eu, como ser humano, tenho de comer vidro esmigalhado?” E ele explicou! Houve, nitidamente, aqui, uma alteração do sistema que acontece, mas que tem que ser controlada. Ora, esta ferramenta, o watsonx, uma das características que tem na sua utilização, na sua capacidade de filtragem e de controle de governance, é impedir, precisamente, que este tipo de situações aconteça, e garantir que a credibilidade seja diferente.
“Temos um modelo com filtros éticos e de propriedade intelectual muito potentes. Se houver algum prejuízo para as empresas na utilização dos nossos modelos, a IBM assume essa responsabilidade, porque nós sabemos que a parte da propriedade intelectual está salvaguardada”
Em termos de centros tecnológicos que a IBM tem em Portugal, Coimbra foi o mais recente. Já está operacional?
Não, ainda não está totalmente operacional. Anunciamos no fim do ano passado a abertura do centro, no Coimbra Invest Summit. O centro já foi lançado numa primeira fase. Temos um pequeno espaço neste momento e estamos na fase da captação e formação de pessoas, e ao mesmo tempo, estamos à procura do melhor local para instalar o centro. Portanto, ainda estamos nesta fase, vai ser algo que vai ser lançado em 2024.
Já tem ideia de quando?
Depende dos candidatos, e depende um pouco da quantidade de pessoas que nós conseguirmos, porque o espaço, obviamente, vai ter muito a ver com essa capacidade.
E o que está previsto aí ser feito, em Coimbra?
Em Coimbra temos uma filial da IBM em Portugal, que é Softinsa. Esta parceria quer focar-se principalmente nas áreas de IA. É um centro que vai estar muito vocacionado para a área de IA, também para a área de computação quântica. Nós já estamos a fazer algumas iniciativas com a Universidade de Coimbra, na criação da awereness e de conhecimento à volta do que é que é isto da computação quântica. Nós estamos a definir currículos nestas duas áreas para que possam ser lecionados num futuro muito próximo, e consigam ser encaixados dentro dos currículos programáticos da própria Universidade de Coimbra. Portanto, estas são duas das grandes áreas de aposta. A área das cidades inteligentes é outra das apostas e que está muito ligada a estas outras duas tecnologias. A aplicação daquilo que o mundo municipal vai fazer para que a cidade seja muito mais inteligente, por exemplo, ao nível das luminárias ou dos parqueamentos, etc., está muito interligada [à IA e à computação quântica] e vai ter sempre uma componente de suporte a grandes projetos quer dentro, quer fora de Portugal. Porque isto é uma forma também de nós conseguirmos exportar o nosso talento. Fala-se muitas vezes que o talento em Portugal se vai embora à procura de novas oportunidades. Nós quando abrimos o primeiro centro em Tomar, há dez anos, fizemo-lo com a ideia de que queríamos descentralizar, ir para o interior e ir buscar os talentos que estão espalhados pelo país, e não os talentos que estão só nas grandes cidades, porque há talentos em todo o lado. E daí tirar o máximo de valor para que esses talentos se sintam realizados a fazer projetos, de sua casa para todo o mundo, estando envolvidos com as mais altas tecnologias e projetos sem ter que sair do seu local e da sua comunidade.
“Quando abrimos o primeiro centro em Tomar, em 2013, fizemo-lo com a ideia de descentralizarmos e de irmos para o interior”
Fala-se sempre da dificuldade de recrutar talentos. Também enfrentam essa dificuldade?
Sim, temos alguma dificuldade de recrutar talentos e acho que a culpa é de todos: das instituições de ensino, que têm que se preocupar mais com a colocação dos seus recursos nas empresas (e, portanto, têm que conhecer empresas, saber o que fazem, quais são as áreas) e também, da parte das empresas que também têm que fazer chegar às instituições de ensino, a todas elas, aquilo que procuram e aquilo que realmente precisam. Eu considero que este binómio está a funcionar melhor do que funcionava antigamente, mas ainda tem alguns aspetos a melhorar. Eu entendo que este é um dos grandes pontos da falha de talento, porque não há este encaixe entre as instituições de ensino e as entidades empregadoras. E depois, claro, temos sempre este fenómeno de vermos os nossos recursos a irem para fora, e por isso é que nós queremos trazer estas tecnologias para o nosso país, porque são tecnologias suficientemente desafiantes para que os melhores recursos consigam sentir uma atração na sua utilização, mas acima de tudo criarmos diferença. E ao criarmos diferença, nós vamos criar melhores postos de trabalho e mais bem-pagos. Provavelmente, vamos exportar algumas dessas ideias; e nós somos bons. Somos na realidade um dos países que mais talentos produz. Isto é a realidade: nós produzimos tantos talentos que temos de tirar vantagem dele, mas para isso temos que começar a usar tecnologia que nos permita utilizar esse conhecimento e que esses use cases não sejam apenas só de Portugal. Que sejam de Portugal, mas sejam também para exportar.
“Produzimos tantos talentos que temos de tirar vantagem deles”
Os centros que a IBM tem em Portugal são seis. O que é que a IBM já tem beneficiado deste talento em Portugal?
Temos 700 pessoas a trabalhar nestes centros, ou seja, há 700 novos recursos e talentos a produzir algo para Portugal. Há a questão da exportação: nós temos conseguido exportar muitos serviços a partir destes centros para muitos clientes internacionais e é dinheiro que fica em Portugal e que se calhar de outra forma, tinha-se perdido até porque as pessoas ou tinham emigrado ou estavam a trabalhar em projetos fora de Portugal. Ganhamos igualmente um know how muito grande e especializado em determinadas áreas, como IA, mas também Cloud e SAP que são áreas que nós damos suporte e em relação às quais temos apostado muito dentro destes centros e que, na realidade, nos temos diferenciado muitas vezes em concursos internacionais: os nossos centros ganham, face a outros centros, quer da IBM, quer da concorrência. Isto tem sido um ganho muito importante, quer para IBM, obviamente, mas também para o país. E temos conseguido fazer uma coisa que eu acho que também é muito importante e que não é mensurável pelos nossos resultados, que é o termos criado comunidades em áreas que estavam desertificadas.
“Em concursos internacionais, os nossos centros ganham, face a outros centros, quer da IBM, quer da concorrência”.
Se olharmos para a localização dos seis centros eles não estão em grandes centros urbanos…
Porque a questão social para nós é muito importante também. O lema da IBM é ser essencial: é ser essencial para os seus clientes, para a sociedade e para o mundo. É isto que nós pretendemos e nós fazemos isto com a nossa tecnologia, com o nosso conhecimento. Daí esta decisão de abrirmos os centros de forma descentralizada é também pela questão da atração social e da atração de talentos, de novas famílias, de nova população para áreas que, tipicamente, têm a tendência da desertificação. [Para nos instalarmos] precisamos sempre de um centro de conhecimento nessa área, uma universidade ou um politécnico. Para além desse centro de conhecimento, precisamos de ter obviamente um município que esteja interessado em trabalhar connosco e que veja valor neste tipo de iniciativas. E nesta combinação, decidimos abrir centros para fazer face ao que são as necessidades que nós achamos também que estão alinhadas connosco. Temos trazido para estas cidades novas famílias. Na sessão do 10º aniversário do nosso centro em Tomar, que foi o primeiro a ser aberto, de repente oiço o choro de um bebé e me dizem ‘este já é o resultado do centro de Tomar’, porque colegas que vieram de outros sítios do país para ali trabalhar, formaram ali família, têm filhos que estão nos infantários e nas escolas da região e da cidade. E, portanto, esta é uma cidade que está a crescer a olhos vistos, não só por causa da tecnologia da IBM, mas também por causa das pessoas. E isso é também um dos objetivos; a descentralização e a criação de polos sociais, tecnológicos e económicos.
“Temos trazido para estas cidades novas famílias com os nossos centros”
De uma forma muito sintética, o que é que cada um dos centros faz: Tomar, Viseu, Fundão, Portalegre e Vila Real?
Começando por Tomar, o nosso primeiro centro [em 2003]. Tomar está muito dedicado à exportação: 20% dos nossos serviços é para exportar. Trabalhamos em projetos estrangeiros e há um foco muito grande naquilo que é a nossa solução de multicloud. Nós temos uma aposta grande nesta área da cloud híbrida, desenvolvemos muitos desses projetos nestas áreas. Então, estas são duas das grandes áreas de Tomar. O centro de Viseu veio a seguir e ficou quase especificamente para a exportação: 70% são projetos de exportação e dedicou-se, nas restantes áreas, à parte da cloud híbrida e agora também à inteligência artificial. Portalegre é o nosso centro mais pequeno. Ali, temos uma equipa a funcionar nas áreas de sustentabilidade, que é outra das nossas preocupações. Dada a sua localização e a interação que temos com outras empresas localizadas na região estamos a desenvolver alguns projetos nessa área, bem como na de desenvolvimento operacional (DevOps) e IA. No Fundão estamos a desenvolver soluções mais orientadas para aquilo que é a gestão energética, encontrando-nos numa grande fase de exportação, com cerca de 80% dos nossos projetos nestas áreas a estarem a ser exportados.
No Fundão, o centro é espetacular, localizando-se numa casa lindíssima [o Solar Vaz de Carvalho, Antigo Colégio de Santo António], que foi transformada [mantendo-se intacta a traça exterior do edifício] – e aqui está também o nosso interesse e a vertente pela sociedade.
Para além de ser um espaço aberto para todos os nossos colaboradores, há uma sala específica da Câmara Municipal, que se dedica à inovação, estando ali junto dos nossos técnicos, caso seja preciso. Mas ao mesmo tempo é um museu. Nós levamos grande parte do nosso espólio de máquinas, o primeiro portátil, que pesava 24 quilos, por exemplo, e criamos um museu vivo, e digo, vivo porque as pessoas continuam ali a trabalhar e há visitas de estudo de escolas; tem sido interessante, porque esta passagem também de conhecimento e de atração pela tecnologia é importante. Temos Vila Real, que foi o último que abriu, que é um pouco como o de Portalegre, está a apostar em projetos em torno da IA, sustentabilidade e desenvolvimento operacional.
Preveem vir a ter mais centros em Portugal, a acrescentar aos seis que têm?
Para já não, pois estamos a concretizar a nossa última decisão, em Coimbra. Mas eu acho que faz sentido sempre e quando exista este binómio: por um lado, conhecimento/universidade e, por outro lado, procura de projetos. Ou seja, sempre que existir este binómio, nós vamos continuar a fazer [estes centros]. Uma ideia que poderia ser interessante, que é outra das coisas que gostávamos de testar, talvez mais em Coimbra, era construir um centro com uma vertente do litoral ao interior. A partir de Coimbra podermos alargar para o litoral. Há projetos que se podem desenvolver de uma forma extraordinária relacionados com o nosso mar; e há também projetos possíveis de criar direcionados para o interior, a serra, tanto na luta contra o flagelo dos fogos, como na parte de sustentabilidade, de sequestração de carbono, etc. Aí, uma das intenções é fazermos essa linha litoral-interior. É, provavelmente, um próximo passo.
“Algo que gostávamos de testar, talvez em Coimbra, era construir um centro com uma vertente do litoral ao interior”
Para este ano, que objetivos é que traçam?
Uma implantação cada vez maior do whatsonx. É daqueles momentos que se diz dentro da IBM que temos a felicidade de estar presentes na nossa vida profissional na criação de uma ferramenta que vai realmente transformar a maneira como as empresas trabalham e todas as pessoas vão ter que usar este tipo de ferramenta. Não se vive estes momentos todos os dias. Já cá estou há 25 anos, já vi criarmos muita coisa, já vi comprarmos muitas empresas, mas nunca vi o entusiasmo à volta da criação de uma solução como esta. Um dos grandes objetivos é continuar a apostar, quase de uma forma maníaca, à volta da IA naquilo que faz sentido para as organizações para demonstrar o valor que realmente este tipo de tecnologia nos pode trazer enquanto dinamizador e diferenciador das empresas no mercado europeu e até mundial. Esta é uma das grandes apostas. Queremos também continuar a crescer em linha com aquilo que tem sido o desígnio da corporação. Tivemos um resultado a nível corporativo extraordinário, com uma das maiores subidas das nossas ações. Portanto, isto quer dizer que a aposta está certa. Esta aposta na Cloud híbrida e de IA e o lançamento do watsonx veio mudar aquilo que é a visão [da IBM]. Nós seremos sempre uma empresa mais orientada ao B2B, às empresas, somos uma empresa para empresas, pois deixámos a nossa área de computadores pessoais, mas continuamos a ser os inventores do PC – é um trademark IBM!
Portanto, estas são as grandes apostas: continuar a ganhar mercado, continuarmos a ganhar market share como temos feito nos últimos anos, depois da separação entre Kyndryl e IBM, a aposta na IA, no watsonx de uma forma abrangente e total.
“Estou cá 25 anos, já vi criarmos muita coisa, já vi comprarmos muitas empresas, mas nunca vi o entusiasmo à volta da criação de uma solução como esta, do watsonx”.
O que podemos esperar da computação quântica e quando?
A computação quântica é uma realidade e não é ficção científica. É urgente que todos começamos a perceber o que é que consiste. Ela vai trazer grandes vantagens, vai conseguir resolver problemas que até hoje era impossível com a computação tradicional, se assim se puder chamar, mas também vai trazer algumas ameaças, nomeadamente na questão da segurança e da encriptação (as chaves de encriptação, RSA) como nós a conhecemos hoje em dia. As encriptações atuais podem ser facilmente quebradas com este tipo de computação. Por isso, a IBM lançou logo de início uma estratégia de “quantum safe”: todos os nossos equipamentos já são “quantum safe”. Portanto, esta questão do roubo de dados para que eu possa descodificá-los, isso nos sistemas IBM não é possível pela utilização da computação quântica.
“Os nossos equipamentos já são ‘quantum safe’ para evitar o roubo de dados pela sua descodificação, através da computação quântica”
Mas a computação quântica, para mim é um sonho, é um sonho para Portugal que eu tenho. Tenho falado com várias pessoas, acho que temos que criar um ecossistema que perceba as vantagens que este tipo de computação pode trazer para um país como Portugal na criação de talento. É com a computação quântica que nós podemos fazer realmente a diferença e conseguirmos transformar Portugal, outra vez numa potência, se calhar como era na altura dos Descobrimentos, porque estamos a descobrir agora esta nova computação. Existem 20 computadores quânticos no nosso centro de Poughkeepsie [Estado de nova-Iorque], e que podem ser usados através da IBM Quantum Network; já temos cerca de 400 mil utilizadores. Há poucos computadores quânticos instalados fora desse centro, e está na altura de Portugal, enquanto país, com todos os seus stakeholders, pense nesse sentido. É fundamental que o governo, seja ele qual for, se junte com as instituições académicas, com as instituições de investigação, com a indústria e as empresas de distintos setores e distintas dimensões, para que se crie um ecossistema de utilização e comecemos a desenvolver use cases que façam a diferença, não só para as nossas empresas serem mais competitivas, mas para que possam ser reutilizados por outras empresas, pelo facto de ganharmos essa vantagem competitiva, se os criamos primeiro. Aqui, a rapidez é importante – julgo que Portugal, se não agarrar a oportunidade vai ser um seguidor.
“É com a computação quântica que podemos fazer a diferença e conseguirmos transformar Portugal outra vez numa potência, se calhar como era na altura dos Descobrimentos”
Se as condições se proporcionarem, o Ricardo iria bater-se por um centro quântico em Portugal?
Eu iria bater-me por isso, usando todos os meios e todas as forças vivas para justificar essa presença. Nada existe neste momento, mas acho que faria todo sentido. Mas claro, como eu digo, é preciso uma base que seja global, porque a questão não é só financeira; isto não funciona assim até porque a IBM não pensa assim relativamente à computação quântica. A computação quântica tem que fazer sentido no crescimento do país, económico e não só, tem que fazer sentido no crescimento das capacidades intelectuais e académicas onde se insere e é para isso que serve esta computação.
“Aqui, a rapidez é importante – julgo que Portugal, se não agarrar a oportunidade da computação quântica] vai ser um seguidor”
Nós tivemos o nosso CEO a anunciar no G7 que fez uma parceria com a Universidade de Chicago e com a Universidade de Tóquio para a criação de um supercomputador quântico com 100 mil qubits até 2033. Ou seja, já não é assim tão longe. Tivemos [em 2022] o lançamento do processador de 433 qubit (“Osprey) e nós hoje temos mil qubits com o nosso processador Condor e já é algo espetacular. Cem mil qubits não sabemos o que pode trazer. Estamos próximos do que chamamos supremacia quântica, quando tivermos um computador capaz de ter mais potência do que todos os outros tradicionais juntos.
As portas que se abrem são tantas! Eu falo com isto com tanto entusiasmo, porque os casos de uso são imensos. Por exemplo, na manipulação molecular: a computação quântica vai-me permitir manipular moléculas e criar novos medicamentos. Se nós criamos vacinas num ano para a COVID-19, provavelmente, com computação quântica, poderíamos criar várias por mês. Alguns dos use cases que estamos a fazer são nas áreas das baterias de automóveis. Imagine-se que conseguíamos, com a ajuda da computação quântica, chegar em Portugal a uma bateria para veículos elétricos que, por hipótese, desse para 6.000 km de autonomia e que carregasse em 6 minutos? Todo o mercado internacional iria comprar essa bateria. É este tipo de coisas que esta computação nos pode trazer e ainda mais empolgante é pensar que vai resolver problemas que nós ainda desconhecemos.
“Se aproveitarmos enquanto país a computação quântica, temos toda a vantagem para fazer de Portugal um país melhor”
Podemos comparar esta era da computação com os Descobrimentos, quando o computador quântico a ser a nova nau. Vamos naquela nau a ver onde é que vamos parar. E vamos descobrir “especiarias”, vamos descobrir o “ouro”, vamos descobrir novas “terras” e novos “povos”. Será um salto para o desconhecido. Estamos agora a conhecer e aprender, mas vai-nos trazer um retorno, se nós aproveitarmos, podendo, como na altura dos Descobrimentos, sermos dos primeiros. Se nós aproveitarmos enquanto país, país pequeno, mas com grande capacidade e com grande conhecimento, temos toda a vantagem na aposta deste tipo de tecnologias para fazer deste país um país melhor.
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