Nunca, como agora, se falou em saúde mental. E, contudo, a saúde mental continua a ter um estigma na sociedade e a atrair para a sua órbita muitas ideias infundadas que só contribuem para reforçar esses preconceitos.
Gustavo Jesus, médico psiquiatra e Diretor Clínico do PIN – Partners in Neuroscience, que interveio no painel dedicado à saúde mental no 1º Forbes Health Care Summit, realizado no DoubleTree by Hilton Lisbon, em Lisboa, na passada terça-feira, saudou, por isso, a iniciativa da Forbes Portugal em trazer para o debate o assunto e contribuir para o colocar no centro das preocupações do mundo dos negócios e da economia ou não fosse a Forbes uma marca muito virada para as empresas, o empreendedorismo, as startups e a inovação e em cujo estatuto editorial está a intenção de “surpreender, inspirar, dar ideias aos leitores” que os levem no dia-a-dia “a derrubar barreiras e a vencer”.
Este especialista clínico, que falou num painel onde esteve também Ema Paulino, Presidente da Associação Nacional das Farmácias (ver artigo aqui), procurou, assim, na sua intervenção derrubar também barreiras e desfazer vários mitos que muitas mentes têm a respeito da mente.
“Como há muito estigma [sobre a doença mental], as pessoas não gostam de fazer medicação psiquiátrica”
Doutorado em Neurociências, Gustavo Jesus salientou, desde logo, que não é apenas a saúde mental a ser estigmatizada: “Há igualmente muito estigma em relação às terapias. E como há muito estigma, as pessoas não gostam de fazer medicação psiquiátrica”, o que é um erro, sublinha este especialista para quem a “adesão terapêutica [do paciente] depende das características da perceção da doença que está a ser tratada”.
Gustavo Jesus, que é também autor do livro “300 mil anos de ansiedade” publicado pela Lua de Papel, deixou claro que os medicamentos utilizados no campo da psiquiatria são eficazes e representam uma faceta indispensável no tratamento das doenças mentais, até porque o cérebro é um órgão como outro qualquer, necessitando, quando há transtornos, défices ou demências, das substâncias químicas prescritas pelos médicos para a regulação dos níveis dos diferentes tipos de neurotransmissores. “A doença mental não se trata só com conversa”, aponta sem rodeios. “Uma conversa nunca basta”.
“A doença mental não se trata só com conversa. Os medicamentos são eficazes, tal como a psicoterapia”.
Gustavo Jesus desfez, de seguida, outra ideia frequente e igualmente mergulhada em equívocos de que as sessões de psicoterapia (ou consultas de psicologia) não produzem resultados: “A psicoterapia [que é desenvolvida pelos psicólogos em diálogo com os pacientes] é eficaz no tratamento”, diz o clínico, explicando que o trabalho do psicólogo é importante, complementando o tratamento do médico psiquiatra, ao apoiar o paciente a perceber como funciona o pensamento humano e os gatilhos mentais que provocam os seus distúrbios, a encontrar estratégias comprovadas que lhe tragam maior bem-estar e a alterar rotinas e comportamentos que lhe deem maior equilíbrio mental e emocional. Curiosamente, nas várias pós-formações deste médico está também uma Pós-graduação em Intervenção Cognitivo-Comportamental pelo Associação Central de Psicologia.
“Muitas pessoas desvalorizam a psicoterapia, dizendo que ‘se eu posso falar com os amigos, para que é que vou a um psicólogo? Vou gastar dinheiro a falar com outra pessoa quando posso falar com os meus amigos?’. Não é a mesma coisa. Mas quando falamos de doença mental, a especialização é fundamental. São áreas técnicas que precisam de ter especialistas. E as medicinas preventinas não substituem as corretivas”, clarifica.
Prisão ou liberdade?
Relativamente aos tratamentos e baseado na sua experiência, outra contradição habitual que Gustavo Jesus encontra na prática clínica – e que partilhou com a plateia do Forbes Health Care Summit – é o modo como o comum dos cidadãos olha para a medicação psiquiatra: “Se a pessoa tiver de tomar regularmente um medicamento para a pressão arterial ou outra situação é visto com relativa normalidade. Na área da saúde mental, isso é visto como uma prisão, o que não acontece noutras disciplinas médicas”, lembrando o clínico que até já há antipsicóticos injetáveis de ação prolongada para o tratamento de certas patologias, o que dá uma grande liberdade ao paciente, por tornar a administração desses medicamentos mais espaçada no tempo (a cada três meses, nalguns casos).
Susete Estrela, Health Coach e colunista da Forbes Portugal, que moderou o painel dedicado à saúde mental, questionou, então, Gustavo Jesus sobre quando saber que a pessoa está doente em termos mentais, com uma depressão, por exemplo, e não apenas momentaneamente triste.
“A doença mental é altamente mensurável ao contrário do que se pensa”.
E se minutos antes, os presentes na conferência ouviram o atleta olímpico Nélson Évora afirmar ter sentido já a desconfiança das pessoas quando um desportista alega não estar bem psicologicamente para competir, como se se tratasse de uma desculpa para não treinar, dúvidas essas que não existem se o atleta tiver uma lesão num pé, por exemplo, o médico psiquiatra Gustavo Jesus deu uma resposta baseada na ciência que poderá ter surpreendido alguns: “A doença mental é altamente mensurável ao contrário do que se pensa”. O clínico deu, de seguida, o exemplo de quando alguém se encontra num “estado de ansiedade prolongada no tempo, em que a ansiedade é maior, essa situação está a provocar alterações nas sinapses, inflamação cerebral – são modificações que são mensuráveis”.
“A hipertensão é uma convenção numérica. Na doença mental também é assim”.
Criticando muito do que se escreve e ouve nas redes sociais sobre saúde mental (“as pessoas não sabem o que dizem” e há muita “idiotia pegada”), Gustavo Jesus declara que as doenças mentais são “construtos estatísticos” que podem ser medidos pela observação de outros indicadores que estão associados a si: “A hipertensão é uma convenção numérica. Na doença mental também é assim. São feitos milhares de estudos em que se percebe a existência de sintomas e a sua duração para a sua remissão ou não. Se estiver triste sistematicamente durante um período superior a duas semanas e se isso se associar a outros sintomas existe um estado depressivo. Se não fizer nada terapêutico, a pessoa não vai melhorar”.
Este especialista salientou que “há que fazer muito na área da prevenção” das doenças mentais, exemplificando que “o burnout é um estado de stress mantido no tempo que aumenta o risco de depressão. O stress mantido e o teletrabalho são fatores condicionantes que aumentam o risco de burnout. Em termos de prevenção, temos de fazer mudanças organizacionais”.
Sendo a Forbes uma publicação de economia onde os números são importantes, Gustavo Jesus lembrou que estes quadros clínicos mentais são incapacitantes, deles resultando quer “presentismo, quer absentismo e isso custa dinheiro. Quem não está a trabalhar custa dinheiro, mas trabalhar mal custa dinheiro também”.