Nelson Évora, atleta campeão olímpico no triplo salto, foi um dos convidados da primeira edição da Healthcare Summit da Forbes Portugal. Entre os temas que marcaram a conferência, como a longevidade, medicina personalizada e saúde mental, Nelson focou o seu pitch na importância do setor privado para os atletas, os estigmas da saúde mental e a necessidade de desligar.
Convidado a falar logo após o painel sobre o desafio da medicina personalizada, o atleta deu seguimento a um dos pontos abordados ao mencionar que “o setor privado é, na realidade, a salvação dos atletas”.
“Gostaria muito que a minha Federação viesse a este tipo de debates, porque assim poderia dar um melhor serviço aos atletas. Eu, como atleta, sempre tive acesso ao setor privado, porque numa manhã a fazer algo muito normal posso ter uma pequena rutura muscular e não sabemos o que foi afetado. E precisamos de respostas rápidas”, afirmou, realçando que sempre quis que a sua equipa estivesse disponível de segunda a sábado, os mesmos dias em que treina.
Em nome da saúde mental
Ao longo do seu percurso, foram várias as situações que o colocaram, a nível psicológico, à prova. Desde a morte do seu pai, o cancelamento mediático ou as lesões graves. “A que mais me afetou não foi a lesão grave que tive, quando quase tive de amputar uma perna, não foi a mais problemática. Foi o cancelamento mediático. Porque tudo o que nós fazemos é em função de uma representação: clube, marcas país”, contou.
Na altura em que Simone Biles abdicou de competir nos Jogos Olímpicos, em Tóquio, em nome da sua saúde mental, não entendeu. Para Nélson, quando um atleta chega aos Jogos, todo o processo já está feito. A sua primeira reação foi questionar-se: Como é que alguém chega aqui e, depois de tanto esforço, decide não competir?
Mas depressa entendeu. O palco onde tudo aconteceu foi essencial para que a mensagem de Simone Biles tivesse o impacto que acabou por ter. E a mensagem foi bastante importante.
Competir ao nível a que estes atletas competem traz consigo uma enorme pressão. O colete de 50kg, como descreve Nelson, que os próprios colocam em cima de si: “Já fui [aos Jogos Olímpicos] como outsider, ninguém contava com a minha medalha e a pressão é somente minha. Vocês olham para mim e não me veem, mas eu estou lá”, disse. Ou o colete um pouco mais pesado quando já se está numa defesa de título e as expetativas são também exteriores.
“Nos Jogos Olímpicos quem realmente ganha não é o atleta mais forte, ganha o atleta que está melhor mentalmente. Eu ganhei uma competição por 4 centímetros nos Jogos e acreditem em mim que o segundo, terceiro e quarto eram melhores que eu”, defendeu, destacando o facto de ser um dos mais baixos do lote de atletas.
É por isso que a saúde mental no desporto – assim como em qualquer outra área – não pode ser um assunto tabu. “A maior parte das ausências dos grandes atletas não é por lesões físicas, é por lesões do cariz mental”, garantiu Nelson, realçando que da mesma forma que se leva a sério um atleta que se lesionou num pé, na anca ou qualquer outra lesão física, também tem de se compreender que a lesão pode ser a nível psicológico.
Até porque enquanto isso não acontece, há muitos atletas que usam outras “desculpas” para mascarar aquilo que pode não ser compreendido por todos. “A maior parte dos atletas quando tem este burnout acaba por arranjar desculpas porque ainda existe este estigma da saúde mental. Eu nunca o fiz, infelizmente tive muitas lesões. O que acabou por me dar esta lufada de ar fresco no meu percurso foram as lesões, quando eu desligava a ficha e voltava a querer reconstruir tudo do zero, a nível físico e mental”, contou.
Quando está a treinar, a ficha está ligada. Mas quando não está, Nelson faz questão de desligar. Porque estar ao telemóvel, por exemplo, continua a significar manter a ficha ligada. E o descanso é de extrema importância para um atleta.