Qual o ponto de situação que faz do tema da sustentabilidade em Portugal face aos outros países europeus? Que evolução foi feita nos últimos anos?
O tema da sustentabilidade em Portugal tem avançado significativamente nos últimos anos, mas o país ainda enfrenta desafios em comparação com outros países europeus.
Recentemente lançado, o Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2024, divulgado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) das Nações Unidas, que faz o balanço da aplicação dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) definidos pelas Nações Unidas na Agenda 2030, concluiu que nenhum dos 17 ODS está no caminho de ser alcançado até 2030 e que apenas 16% das metas estão a progredir.
Finlândia, Suécia e Dinamarca são os que registam maior cumprimento das metas, seguidos da Alemanha e da França. Quanto a Portugal, passou de 18.º lugar no ano passado para16.º este ano.
Portugal tem-se destacado claramente na produção de energia renovável. Em 2020, cerca de 60% da eletricidade do país veio de fontes renováveis, como energia hídrica, eólica e solar. O país está à frente de muitos outros países europeus neste aspeto, embora ainda precise aumentar a capacidade de armazenamento e a eficiência energética para manter a estabilidade da rede elétrica.
E em que áreas estamos a evoluir menos?
Uma área menos positiva tem sido a economia circular. O Tribunal de Contas Europeu fez um relatório sobre a economia circular na União Europeia (face a 2021) e os resultados não são animadores. A média da taxa de circularidade é de 11,7% no conjunto dos 27 países dada UE e Portugal aparece entre os quatro piores com uma taxa de circularidade de 2,5%, apenas à frente da Roménia (1,4%), da Irlanda e da Finlândia (2%).
Finlândia, Suécia e Dinamarca são os países que registam maior cumprimento das metas, seguidos da Alemanha e da França. Quanto a Portugal, passou de 18.º lugar no ano passado para16.º este ano.
No que diz respeito ao contexto empresarial, as empresas dos países nórdicos já há muito que pontuam de forma positiva nos rankings de sustentabilidade e responsabilidade social (CSR), incluindo o Dow Jones Sustainability Index (DJSI) e o Global 100 Index. Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia são frequentemente citados como líderes globais em sustentabilidade corporativa. A empresas nesses países tendem a ter uma abordagem holística e inovadora, integrando práticas sustentáveis em todos os aspetos de seus negócios. A colaboração entre governo, setor privado e sociedade civil é mais forte e apoiam iniciativas de sustentabilidade de forma robusta.
Alemanha e França também estão à frente, com políticas robustas de sustentabilidade empresarial e maior pressão regulatória.
Como estão as empresas portuguesas abordar o tema da sustentabilidade?
As empresas portuguesas ainda apresentam uma reduzida maturidade em sustentabilidade. A maioria das empresas encontra-se nas etapas iniciais da jornada de sustentabilidade associadas à definição das prioridades estratégicas de sustentabilidade e respetivos planos de ação. Adicionalmente, algumas empresas ainda estão a despertar para a necessidade e as oportunidades da sustentabilidade como estratégia corporativa, apesar de muitas compreenderem a importância e relevância da sustentabilidade.
Particularmente as pequenas e médias empresas (PME) enfrentam mais dificuldades para implementar práticas sustentáveis devido a recursos limitados e falta de conhecimento técnico.
Que tipo de investimentos já estão a ser feitos nesta área? Há valores globais?
O estudo “Embracing a brighter future”, da Capgemini, que avaliou as tendências de investimento das empresas para 2024 concluiu que na União Europeia, e devido a incentivos económicos, as empresas terão despesas de 578 mil milhões de euros, com o intuito de mitigar as alterações climáticas, sendo as tecnologias limpas uma componente importante deste investimento.
Muitas empresas portuguesas, especialmente as grandes, têm adotado práticas como a redução do consumo de energia, a gestão eficiente de resíduos e a utilização de matérias-primas sustentáveis. Esse avanço é visível em setores como o da energia, do têxtil e da alimentação. Por exemplo, em 2023, a indústria portuguesa do calçado anunciou fazer um investimento de 600 milhões de euros até ao final da década em inovação, sustentabilidade, qualificação das empresas e dos trabalhadores.
As empresas terão despesas de 578 mil milhões de euros, com o intuito de mitigar as alterações climáticas, sendo as tecnologias limpas uma componente importante deste investimento.
Assistimos a um crescente investimento em inovação sustentável, com várias startups e empresas de tecnologia focadas em soluções verdes. Os programas de incentivo governamental e europeu têm apoiado este desenvolvimento. As grandes empresas, especialmente do setor energético, têm investindo em tecnologias de energias renováveis e de eficiência energética.
E como estão estas empresas a enfrentar os principais desafios e quais os temas que mais as preocupam?
Os temas mais trabalhados correspondem a tópicos que são comummente endereçados pelas empresas no início da sua jornada de sustentabilidade (exemplo: prevenção, saúde e segurança, conduta ética, resíduos). Por outro lado, os temas menos abordados correspondem a questões complexas e que as empresas ainda têm dificuldade em endereçar (exemplo: cadeia de fornecimento, gestão de risco, direitos humanos, biodiversidade). Observamos que, ao integrar a sustentabilidade nos seus modelos de negócio, as empresas começam por responder a temas ambientais ou sociais, e só mais tarde começam a tratar temas de governança.
Dentro do pilar ambiental, os temas geralmente mais trabalhados são o clima e os resíduos. Dentro do social, são, geralmente, a prevenção, saúde e segurança e as comunidades locais. Dentro do pilar de governança, os temas (geralmente) mais trabalhados são a conduta ética e a conformidade legal.
Como estão a aplicar os critérios ESG nos seus negócios? São apenas as grandes empresas a ter este tipo de preocupações, ou os negócios mais pequenos já estão mais comprometidos com a sustentabilidade?
Tendencialmente, as microempresas e PME encontram-se em fases de menor maturidade no que diz respeito à sustentabilidade. No entanto, estão cada vez mais a ser influenciadas a implementar práticas de sustentabilidade, devido ao contexto atual do ecossistema empresarial e por obrigação das grandes de recolher informação sobre os seus fornecedores. Por outro lado, algumas grandes empresas têm exigências de reporte diferentes, o que implica, junto com uma maior disponibilidade de recursos para alocar ao tema, que tenham um maior desenvolvimento das suas práticas de sustentabilidade.
Dentro do pilar ambiental, os temas geralmente mais trabalhados são o clima e os resíduos. Dentro do social, são, geralmente, a prevenção, saúde e segurança e as comunidades locais.
Segundo o estudo de 2023 do BCSD Portugal, as microempresas posicionam-se entre a etapa prévia à jornada da sustentabilidade – Despertar – e a primeira etapa – Conhecer. As PME estão principalmente concentradas entre estas duas e as duas seguintes – Construir e Comunicar. As grandes empresas têm uma distribuição que cobre as etapas todas, tendo um peso relativo maior nas duas etapas de maior maturidade – Consolidar e Coliderar.
Qual tem sido a contribuição da BCSD na disseminação do tema e na educação das empresas relativamente à sustentabilidade?
O BCSD Portugal nasceu em 2001 pela mão de um grupo de empresários portugueses, convictos de que a sustentabilidade iria ser um tema chave para a competitividade das empresas no século XXI. O BCSD Portugal é uma associação sem fins lucrativos que integra o WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), a maior organização internacional empresarial a trabalhar a área do desenvolvimento sustentável, com sede em Genebra e presença em todo o mundo.
Há mais de 23 anos a assumir um papel ativo na sustentabilidade, o BCSD Portugal construiu uma rede de mais de 190 empresas-membro, que no seu conjunto representam 10% do PIB português, com uma ampla representação setorial e empresas de diferentes dimensões, desde as que integram o índice bolsista PSI20 a outras de menor dimensão. A nossa missão é incentivar e apoiar os nossos membros na sua jornada rumo à sustentabilidade, inspirando-os e ajudando-os a construir organizações e modelos de negócio que sejam competitivos, inovadores e sustentáveis a nível Ambiental e, mais recentemente, introduzindo a componente Social e de Governance/ Económico. Implementamos a missão através da produção e disseminação rápida de conhecimento, de forma colaborativa entre variados stakeholders e com inovação.
O BCSD Portugal nasceu em 2001 pela mão de um grupo de empresários portugueses, convictos de que a sustentabilidade iria ser um tema chave para a competitividade das empresas no século XXI.
Em termos temáticos, trabalhamos cinco áreas com as empresas, que são: Biodiversidade, Economia circular e cadeia de valor, Clima e Energia, Reporte e finanças sustentáveis e Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Com o enquadramento regulamentar que surgiu na Europa, evoluímos do pilar Ambiental para abarcar também os outros dois pilares social e governança, de forma muito cirúrgica e com impacto, de modo a podermos dar mais valor aos nossos associados.
A consolidação da Academia BCSD Portugal como instituição certificada e de referência para as empresas poderem formar os seus colaboradores foi, e continuará a ser, de extrema importância para apoiarmos os nossos membros.
Sente que do lado do consumidor há também uma maior consciência pela procura das empresas/produtos mais sustentáveis? Há números que sustentem esta procura?
Sim, os consumidores estão cada vez mais conscientes e procuram empresas e produtos mais sustentáveis. Essa tendência é impulsionada por diversos fatores, incluindo a crescente preocupação com as mudanças climáticas, a degradação ambiental e pela noção do impacto que as atividades económicas têm no planeta e na sociedade.
O aumento da disponibilidade de informações através das plataformas online e das redes sociais proporcionaram aos consumidores mais informação sobre questões ambientais e sociais, o que os leva a tomar decisões de compra mais conscientes e responsáveis.
Mais recentemente, a pressão social e os movimentos de ativistas ambientais têm aumentado a pressão sobre governos e empresas para adotarem práticas mais sustentáveis, o que influencia diretamente as escolhas dos consumidores.
Os consumidores estão cada vez mais conscientes e procuram empresas e produtos mais sustentáveis.
A Nielson, empresa líder na análise de informações sobre os consumidores, tem comprovado esta tendência há alguns anos. O estudo de 2018 “Sustainable Shoppers Buy the Change They Wish to See in the World” referia que 73% dos consumidores globais afirmaram que mudariam os seus hábitos de consumo para reduzir o seu impacto ambiental.
Em 2019, o relatório “The Evolution of the Sustainability Mindset” também reforçou que a preocupação com o meio ambiente é um dos principais fatores que influenciam as decisões de compra dos consumidores. Cerca de 49% dos consumidores entrevistados disseram que preferem comprar produtos de marcas que são socialmente responsáveis.
Esta tendência é especialmente forte entre os consumidores mais jovens, que são mais propensos a apoiar e pagar mais por produtos e serviços de empresas que adotam práticas sustentáveis.