Mafalda Garcês
Country Leader & Senior People Director na Dashlane
“A tecnologia pode ser uma grande aliada no empreendedorismo feminino, permitindo que as mulheres iniciem negócios em áreas como comércio eletrónico, social media e marketing digital”
Qual a razão ou as razões que encontra para muitas mulheres ainda não considerarem com seriedade a carreira tecnológica como uma possibilidade para si próprias?
Mafalda Garcês (MG): Na minha opinião, existem várias razões pelas quais as mulheres podem não considerar uma carreira na tecnologia na mesma proporção que os homens. Para começar, existem ainda imensos estereótipos e preconceitos. A sociedade muitas vezes perpetua o estereótipo de que a tecnologia é uma área intrinsecamente masculina, o que pode fazer com que as mulheres sintam que não pertencem ou não têm habilidade para ter sucesso. Além disso, pode haver preconceitos inconscientes entre os hiring managers e recrutadores que os levem a favorecer candidatos do sexo masculino em detrimento de candidatos igualmente qualificados do sexo feminino. Temos ainda bastante falta de representação. Sabemos que quando as pessoas não veem outras com que se identifiquem em papéis desta natureza, pode ser difícil para elas projetarem-se a ser bem-sucedidas nesses papéis. Essa falta de representação pode tornar mais difícil para as mulheres verem a tecnologia como uma opção de carreira viável. Aliado a este aspeto, as mulheres podem não ter acesso a mentores da área que possam oferecer orientação e apoio enquanto navegam este campo. Por fim, ainda existe em muitas empresas de tecnologia uma cultura a que coloquialmente chamamos de frat house. A cultura e o ambiente de trabalho nas empresas de tecnologia podem por vezes ser pouco acolhedores ou hostis às mulheres, o que pode tornar difícil para elas prosperarem nesses ambientes. O mesmo se pode dizer de outras pessoas – nomeadamente mais velhas, ou pais – que não querem, por uma razão ou outra, estar na empresa 24h ou não achem piada à cultura da cerveja e dos jogos de matraquilhos. Trabalhar em tecnologia não é nem precisa de ser isso.
Houve algum obstáculo que considere que tenha tido de ultrapassar pelo facto de ser mulher para chegar à posição que atualmente ocupa?
MG: Sim, o caminho não foi (nem é!) de todo linear ou fácil. Mas espero inspirar outras pessoas a trilhar este caminho pois é bastante gratificante.
Há algumas iniciativas que a sua empresa apoie ou tenha implementado para apoiar outras mulheres em tecnologia? Se sim, quais? Se não, porquê?
MG: Sim, é uma área a que prestamos atenção. Antes de mais, garantindo equidade salarial e igualdade no acesso a promoções. Temos políticas e processos que nos ajudam a promover esta igualdade. Por outro lado, tendo mulheres em lugares de liderança e destaque técnico, para que possam não só desenvolver as suas competências, mas também inspirar outras mulheres dentro e fora da Dashlane. Por fim, apoiando iniciativas externas como as da APPDI e das PWIT.
Como pode a tecnologia promover a igualdade de género?
MG: A tecnologia pode ser uma grande aliada na promoção da igualdade de género, oferecendo às mulheres ferramentas para alcançar o sucesso. Através do acesso à educação, seja por meio de cursos online ou outras ferramentas, as mulheres podem adquirir o conhecimento e as competências necessárias para desenvolverem as suas carreiras. Além disso, a tecnologia pode ser uma grande aliada no empreendedorismo feminino, permitindo que as mulheres iniciem negócios em áreas como comércio eletrónico, social media e marketing digital. A promoção da representatividade feminina nos media e a identificação e mitigação de enviesamentos também são possíveis com o auxílio da tecnologia. A tecnologia fornece plataformas para que as mulheres se conectem, comuniquem e colaborem umas com as outras, criando redes e comunidades de apoio em campos dominados por homens e fornecendo oportunidades para mentoria e desenvolvimento de carreira. Acredito que as mulheres podem alcançar a igualdade de género com o auxílio da tecnologia. Contudo, é uma “pescadinha de rabo na boca”: precisamos de representatividade para que os avanços tecnológicos reflitam as necessidades deste grupo.
O que é que o Dia da Mulher significa para si?
MG: De forma muito transparente, um mal necessário. Infelizmente ainda precisamos de uma data para assinalar a importância e o direito à igualdade de 50% da população que se distingue apenas pelo seu género. Infelizmente ainda há muito trabalho a fazer para que as mulheres sejam percebidas com o mesmo valor que os homens. Gostava muito de ver esse dia chegar, e não fosse necessário celebrar-se o Dia da Mulher porque se celebram as mulheres (e acima de tudo, a igualdade) todos os dias.
Inês Odila
Country Manager na Coverflex
“A tecnologia pode ajudar a eliminar a discriminação em processos de recrutamento e seleção, através da implementação de IA e no encorajamento económico, ao capacitar as mulheres a criar negócios online”
Qual a razão ou as razões que encontra para muitas mulheres ainda não considerarem com seriedade a carreira tecnológica como uma possibilidade para si próprias?
Inês Odila (IO): A falta de representatividade feminina e o contexto social em que vivemos são as principais razões pelas quais muitas mulheres ainda não consideram esta área como uma possibilidade de carreira. Desde a infância, as meninas são socialmente condicionadas a brincar com brinquedos “femininos”, como cozinhas e bonecas, enquanto os meninos são incentivados a explorar brinquedos “masculinos”, muitas vezes relacionados com tecnologia, como carros telecomandados ou consolas. Essa divisão de género é reforçada pela falta de representatividade feminina na área de tecnologia, que impede as mulheres de encontrarem role models a seguir. Além disso, a falta de informação sobre a área e a construção de narrativas limitativas podem desencorajar as mulheres a considerarem esta possibilidade. No entanto, há uma mudança gradual em curso e cada vez mais mulheres estão a entrar e a considerar a área tecnológica, o que é um sinal positivo de que as barreiras culturais estão a ser ultrapassadas. Quando entrei na faculdade de Engenharia, existiam apenas 7% de mulheres no curso de Informática. Hoje este número é já mais expressivo.
Houve algum obstáculo que considere que tenha tido de ultrapassar pelo facto de ser mulher para chegar à posição que atualmente ocupa?
IO: Sim, certamente houve obstáculos que tive de ultrapassar pelo facto de ser mulher, para chegar à posição que ocupo atualmente. Infelizmente, ainda existem estereótipos de género que persistem nas organizações e na sociedade em geral, o que dificulta a progressão das mulheres em cargos de liderança. Não é por acaso que as mulheres em cargos de liderança têm traços de personalidade tipicamente associados ao género masculino. São mulheres que dizemos ter garra, muito vocais, assertivas e que silenciam o lado emocional, muitas vezes numa tentativa inconsciente de encaixar na posição. Um caso interessante é olharmos para líderes mundiais que trabalham no mesmo setor: mulheres com algum traço/perfil associado ao género masculino parecem ganhar o respeito da audiência de forma mais rápida. Exemplos disso mesmo são a Angela Merkel ou a Christine Lagarde. Por outro lado, vemos os exemplos de Jacinda Ardern e Sanna Marin, com traços de personalidade tipicamente associados ao género feminino. Jacinda foi mãe durante o seu mandato, falou sobre empatia e compaixão, sobre liderança colaborativa. Foram anos de difamação e ataques pessoais. As mulheres são muitas vezes confrontadas com expectativas diferentes e maiores escrutínios do que os homens, tanto na esfera profissional como pessoal. Para ultrapassar esses obstáculos, é preciso lutar contra esses estereótipos e sermos fiéis a nós mesmas, sem nos deixarmos influenciar por essas expectativas.
Há algumas iniciativas que a sua empresa apoie ou tenha implementado para apoiar outras mulheres em tecnologia? Se sim, quais? Se não, porquê?
IO: Sim, a Coverflex é ativa no recrutamento de mulheres em tecnologia. Temos canais e plataformas dedicadas onde procuramos mulheres em tecnologia e onde podemos colocar as vagas em aberto. Estamos empenhados e empenhadas em criar um ambiente de trabalho inclusivo e diverso, onde todas as pessoas são valorizadas. Participamos em fóruns de recrutamento inclusivo e em fóruns de women in tech, liderança feminina e sobre o papel da mulher no mercado de trabalho. Temos também uma política de licença de maternidade/paternidade flexível, que vai para além do que é legalmente exigido, e formações internas sobre diversidade de género e feminismo. Mas reconhecemos que ainda há muito a ser feito nesta matéria, na área tecnológica, e estamos comprometidos em fazer a nossa parte para promover uma cultura mais igualitária e justa.
Como pode a tecnologia promover a igualdade de género?
IO: Genericamente, a tecnologia, e nomeadamente o acesso à internet pode ser hoje uma ferramenta poderosa de partilha de informação, o que permitirá envolver todos os públicos nos temas de igualdade de género. Especificamente, por exemplo no acesso ao emprego, a tecnologia pode ser utilizada para ajudar a eliminar a discriminação, por exemplo em processos de recrutamento e seleção, através da implementação de inteligência artificial e algoritmos. Outros exemplos são no encorajamento económico, ao capacitar as mulheres a criar negócios online, ou no acesso à saúde, para melhorar o acesso à informação sobre saúde feminina. A inovação tecnológica pode também ser usada para criar ferramentas e plataformas de networking que conectem mulheres em tecnologia, permitindo-lhes partilhar conhecimentos, experiências e oportunidades de negócio.
O que é que o Dia da Mulher significa para si?
IO: O Dia da Mulher é, para mim, uma oportunidade de visibilidade e consciencialização. É um dia para compreender os factos e os números e lutar por eles. Na minha opinião, é apenas mais um dos muitos palcos, que pode dar voz ao tema da igualdade de género. Eu, privilegiada, demorei a perceber que hoje vivo num mundo com muitos preconceitos e crenças enraizadas, em que muitas vezes associamos a mulher a frágil, volátil e menor. É um dia para celebrar a força e a resiliência das mulheres, e para lembrar que a luta pela igualdade deve ser contínua e persistente.
Sara Almeida
Fundadora e CEO da COM.PASSO
“Ainda não temos um número elevado de mulheres tecnológicas que possam usar a sua experiência e servir como exemplo motivacional para as camadas mais jovens. Mas acredito que lá chegaremos”.
Qual a razão ou as razões que encontra para muitas mulheres ainda não considerarem com seriedade a carreira tecnológica como uma possibilidade para si próprias?
Sara Almeida (SA): Penso que as escolas têm um papel fundamental neste tema. Acredito que ainda não se motiva o suficiente as jovens a seguirem uma carreira tecnológica, porque ainda há aquela ideia de que as mulheres seguem carreiras mais relacionais e não tão técnicas. A partir do momento que as escolas tiverem uma participação ativa no desenvolvimento de competências técnicas, principalmente motivando as raparigas mais jovens a seguirem tecnologia, vamos começar a ver uma redução nesse gap. No entanto, estas coisas levam tempo. Ainda não temos um número elevado de mulheres tecnológicas que possam usar a sua experiência e servir como exemplo motivacional para as camadas mais jovens. Mas acredito que lá chegaremos.
Houve algum obstáculo que considere que tenha tido de ultrapassar pelo facto de ser mulher para chegar à posição que atualmente ocupa?
SA: O principal obstáculo foi a perceção das restantes pessoas (colegas e chefia) em relação à minha disponibilidade. Depois de ter a minha segunda filha, a perceção geral era de que a minha disponibilidade tinha restrições e eu já não tinha capacidade para comparecer a eventos da empresa, ou a outro tipo de reuniões. Este tipo de perceção em relação à mãe trabalhadora é um dos mitos que deve ser quebrado. A minha capacidade de trabalho não se viu afetada por passar a ter mais filhos.
Há algumas iniciativas que a sua empresa apoie ou tenha implementado para apoiar outras mulheres em tecnologia? Se sim, quais? Se não, porquê?
SA: A mentoria e o coaching são as principais iniciativas que estou a apoiar neste momento. Como CEO da minha empresa quero dedicar o meu tempo disponível a ouvir as gerações mais jovens e apoiar em qualquer dúvida que tenham no momento. Programas de mentoria de carreira como os da Nova SBE e da Portuguese Women in Tech são um bom exemplo. Outra das áreas que apoio é a de consultoria social, com a Nova Social Consulting. No Website da minha empresa está a ser criada uma área de blog que terá artigos partilhados por mim sobre vários temas relacionados com a igualdade de género.
Como pode a tecnologia promover a igualdade de género?
SA: O desenvolvimento tecnológico promove o crescimento económico, o que por sua vez cria mais oportunidades para todos. Acredito que mais oportunidades de carreira e mais participação das escolas na educação tecnológica vão promover a igualdade de género.
Por outro lado, a tecnologia é uma disciplina transversal a múltiplos setores. A meu ver, devemos deixar de ver a tecnologia como um setor em si mesmo e mais como algo transversal que potencia o desenvolvimento económico. A integração e inclusão deve começar logo no início. A minha filha mais velha tem educação tecnológica na escola, tem 10 anos; na minha opinião devia ter começado mais cedo.
O que é que o Dia da Mulher significa para si?
SA: Para mim é uma oportunidade de ir a eventos para ouvir e absorver o máximo que conseguir de outras experiências. Esta partilha de experiências é chave para motivar mais mulheres em carreiras tecnológicas; ou qualquer outra área na verdade! A minha mãe ainda trabalha e cresci a vê-la trabalhar e dedicar-se a uma carreira de sucesso, sem eu ser posta de lado. E eu aprendi com isso! Quero ensinar o mesmo às minhas filhas.