A Escola Superior de Dança (ESD) continua à espera de um novo edifício, para funcionar em pleno. Um edifício adaptado às necessidades específicas dos cursos de dança que ministra. Samuel Rego, diretor desta instituição desde 2021, revela, em entrevista à Forbes Portugal, que este é um dos maiores desafios que enfrenta na liderança da instituição, alertando que é urgente vender o anterior edifício e iniciar a construção da nova escola.
Situada em Lisboa, a ESD funcionou até 2018 num edifício emblemático do Bairro Alto, o Palácio Pombal, onde nasceu o famoso Marquês de Pombal, ocupando uma parte deste edifício. Por não cumprir os necessários requisitos de segurança, a escola mudou-se para as instalações do Instituto Superior de Engenharia, do Politécnico de Lisboa, em Marvila, onde está até hoje. Mas espera, pacientemente, que o edifício próprio, desenhado de raiz, seja construído brevemente. E esta mudança começa a ser urgente. Está previsto que a nova escola surja no campus do Politécnico de Lisboa, em Benfica. “A ideia é construir uma escola moderna, com auditório de utilização pública que também sirva a comunidade de Benfica e de Lisboa”, refere Samuel Rego.
Palácio Pombal, que está devoluto, já foi colocado à venda duas vezes, por 10 milhões de euros, mas por falta de propostas não foi vendido. A sua venda é urgente para financiar novo edifício que deverá custar entre 12 e 14 milhões de euros.
Mas, para que isso aconteça é necessário avançar com a venda do Palácio Pombal, propriedade do Estado, com cerca de 8 mil metros quadrados, processo que já está na mão do Politécnico de Lisboa. Já foi colocado à venda duas vezes, por concurso público, em 2023, tendo como ponto de partida um valor de 10 milhões de euros, mas não surgiram ofertas. Será este valor que financiará, em 80%, a construção da nova escola, que se estima que terá um custo que rondará entre os 12 e os 14 milhões de euros. Espera-se que o próximo concurso público, que deverá acontecer brevemente, possa trazer os desejados frutos.
O percurso do profissional a liderar a ESD
Samuel Rego, nascido em Lisboa em 1977, tem larga experiência no campo artístico. Licenciado em História na variante de Património Cultural, realizou vários cursos e formações e ocupou cargos de relevo na área cultural. Foi diretor do Centro Cultural Português em Vigo e diretor do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua na Galiza, tendo vivido seis anos em Espanha. Em julho de 2011, assumiu o cargo de diretor-geral da Direção-Geral das Artes, seguindo-se o de subdiretor-geral na Direção-Geral do Património Cultural. Em 2016 entrou na OPART, entidade que gere a Companhia Nacional de Bailado e o Teatro Nacional de São Carlos, como membro executivo do Conselho de Administração, e tendo assumido depois, em 2021, a liderança da ESD.
Recorda que tinha um grande fascínio por tudo o que são as transformações coletivas, pela História e pela representação. Enfrentou dilemas entre seguir teatro ou História, e acaba por trabalhar na área do património cultural. Depois de várias experiências que considera bastante enriquecedoras, surgiu o convite para a Escola Superior de Dança.
A sua experiência na arte da dança advém muito da época em que esteve ligado à Companhia Nacional de Bailado, e admite que, quando aceitou o desafio da ESD, o mais importante foi entrar naquilo que é o ADN da escola. “Comigo apenas trazia o conhecimento do mindset dos profissionais da dança através da Companhia Nacional de Bailado e isso foi fundamental para uma adaptação feliz, saudável e gradual. No entanto, acho que o mais importante é entrar no ADN de uma escola com 40 anos, uma escola recente, mas que tem uma dinâmica com o exterior muito própria, muito consolidada”, explica.
Refere que depois foi preciso aprender sobre os métodos e os instrumentos de formação e do ensino da dança. Este profissional refere que mergulhou igualmente no mundo das escolas do ensino básico e do secundário, “porque estas são, no fundo, os viveiros de onde vêm os nossos estudantes, e isso também é outra parte fascinante de relação entre o ensino superior e o ensino básico e o secundário”.
Portugal fez um caminho muito positivo na dança
Samuel Rego afirma que “Portugal assistiu a uma evolução muito positiva na dança. O panorama dos estudantes de 18 ou 19 anos é totalmente diferente do que era há 20 ou 30 anos, pois houve uma revolução. Hoje, são muito mais e melhores. Atualmente há cerca de 30 escolas espalhadas por todo o país que formam intérpretes com imensa de qualidade, muitos deles que seguem para escolas no estrangeiro, outros que escolhem a nossa escola”, refere.
Para este líder, “este foi um processo evolutivo bastante auspicioso para o que pode acontecer nos próximos anos, pois o mais difícil já existe: um sistema de ensino que forma intérpretes com grande qualidade”.
Quando questionado sobre a empregabilidade dos profissionais que a ESD forma, refere que “este é um tópico altamente delicado e sensível, no entanto, o mais difícil que é ter as pessoas qualificadas prontas para entrar no mercado”. Admite que a grande lacuna deste setor é a duração do vínculo laboral. “Os vínculos laborais na área da dança são tipicamente bastante curtos e esse é o principal desafio, o de encontrar estruturas que estabeleçam vínculos laborais”, afirma. Neste momento o único sistema que, de facto, continua a empregar com bastante dinamismo é o sistema de ensino, pois continuam a surgir escolas de dança que absorvem muitas das pessoas que fazem licenciatura e mestrado em dança.
Cidades como o Porto, Vila Nova de Gaia, Braga, Coimbra, Caldas da Rainha, e até nos Açores, registam imensa iniciativa privada. Depois há empresas que apoiam estas iniciativas ligadas à música, como a Renova, a EDP e o Millennium BCP, ou o grupo DST, de Braga.
No entanto, a boa qualificação dos alunos é fundamental e resulta de uma boa relação que foi mantida nos últimos anos entre o ensino dos adolescentes nas escolas secundárias, o Ensino Artístico Especializado, e o Ensino Superior. “Esta não foi uma revolução jurídica ou legal, mas foi uma transformação que decorreu muito da sociedade civil, ou seja, muitas destas escolas são associações ou empresas, que estabelecem acordos de cooperação com ensino oficial. Portanto, no fundo, a sociedade civil teve um papel importantíssimo nesta transformação do mapa de escolas em Portugal”, defende.
E como houve essa boa articulação, acaba por existir uma grande concentração de talento na escola de dança que lidera, havendo também mais estudantes aptos a entrar no mercado profissional. “Penso que a dança está agora a fazer o caminho que foi feito pela música nos anos 80 e 90, período em que houve uma transformação muito grande no país, e começaram a surgir imensas escolas privadas. Agora no início das primeiras duas décadas do século XXI a dança teve essa evolução”, explica.
De facto, nunca se ouvi tanto falar em profissionais da dança portugueses a seguirem carreiras internacionais. “Obviamente que as pessoas formadas em Portugal não estão limitadas às fronteiras, antes pelo contrário, participamos ativamente numa globalização irreversível”, diz.
Pensar os projetos do futuro
Acredita ainda que na dança, “a maior parte dos projetos de êxito no futuro ainda não existem. Ou seja, o tipo de organização que os nossos estudantes vão ter protagonizar no futuro talvez não exista”. Explica que há 20 anos estávamos a assistir ao fim do Ballet Gulbenkian, e que isso foi um marco na história da dança em Portugal. “Nunca mais surgiu uma grande companhia de repertório e acho que, para os próximos 20 anos, esperamos que surjam projetos igualmente arrojados, e que os nossos estudantes possam ser os protagonistas e, para isso, não se devem prender aos formatos existentes.
“A sociedade civil resolveu e tratou de muitas lacunas que se tinham nomeadamente no ensino, e espero que a sociedade civil, em conjunto com o Estado, possam mudar o mapa criando estruturas mais duradouras”, refere Samuel Rego.
“Portanto, acho que este é o maior desafio para recém-licenciados e recém mestrados: fixem-se naquilo que querem protagonizar e não tanto naquilo que poderiam repetir e que outros já fazem”, aconselha. Ou seja, mais criatividade e menos replicação de projetos.
“Não sou nada defensor de multiplicidade dos projetos em pequena escala e acho que é fundamental existirem estruturas com recursos financeiros e materiais potentes, e obviamente que isso não depende destes profissionais individualmente, mas que estejam também disponíveis para se fazer parte e construir organizações que vão ao encontro desses recursos”, refere.
O mercado já percebeu que o caminho será um pouco como o da música. “O sucesso dos festivais de música é que são muito variados, com música eletrónica, funk, e o sucesso da música centrou-se em grande parte na sua diversidade. Na dança tem que acontecer o mesmo processo: a dança urbana faz bem à dança clássica, a dança clássica é boa para a dança contemporânea porque os espaços públicos, no sentido de acessíveis e de dinamização da criação e da interpretação em dança, estão diretamente ligados a essa capacidade de diversidade na utilização dos espaços”, explica.
Logo é necessária maior consolidação e cooperação neste setor, pois ninguém sobrevive de costas voltadas.
Setor privado tem tido um papel fundamental
Insiste que o setor privado de cultura tem um papel fundamental “porque a sociedade civil resolveu e tratou de muitas lacunas que se tinham nomeadamente no ensino, e espero que a sociedade civil, em conjunto com o Estado, possam mudar o mapa criando estruturas mais duradouras. Por exemplo, no caso da dança, existe a Companhia Nacional de Bailado que é a única estrutura estatal de apoio à dança e faz um trabalho ímpar porque não tem equivalente em mais nenhuma zona do país.
No caso de música existem já projetos emblemático como a Casa da Música, como outras estruturas do Estado central. “Por isso defendo que o Estado também pode ter um papel de alavanca também na dança a nível regional que ainda não tem. Portanto, a existência de uma ou outras entidades estatais dedicadas à dança fora de Lisboa seria um sinal claro e de inteligência das políticas públicas”, remata. Afirma, a propósito, que é essencial existir um investimento público, com escala, para que os profissionais da dança sintam apoio e valorização.
Felizmente já há entidades privadas a apostarem nesta arte. Cidades como o Porto, Vila Nova de Gaia, Braga, Coimbra, Caldas da Rainha, e até nos Açores, registam imensa iniciativa privada. Depois há empresas que apoiam iniciativas ligadas à arte e à dança, como a Renova, a EDP e o Millennium BCP, ou o grupo DST, de Braga.
“Ao apostar neste sistema estamos a qualificar um país e não só a qualificar uma profissão”, remata o especialista.