Em Portugal, os combustíveis aumentaram esta segunda-feira cerca de 14 cêntimos na gasolina e 12 cêntimos no gasóleo, situando-se a níveis nunca vistos: €2,31/litro na gasolina e €2,06/litro no gasóleo. Nem na altura da “troika” em Portugal, os preços praticados atingiram os níveis atuais.
Mais de três meses depois do início da guerra na Ucrânia, a crise energética é gritante e não é exclusiva da Europa. O que se está a passar nos EUA permite também compreender o problema de uma forma mais global, com analistas a sugerir que os elevados valores das cotações vieram para ficar e tardarão em regressar a níveis pré-conflito.
No seu último relatório FundamentalEdge divulgado na semana passada, a Enverus Intelligence Research confirma que mais de três meses após a guerra na Ucrânia, os mercados de petróleo permanecem “apertados”, apesar da grande redução contínua do governo Biden da Reserva Estratégica de Petróleo dos EUA.
“Vemos um risco tangível de que os mercados de petróleo se tornem voláteis novamente no final deste ano e em 2023, quando as reservas de petróleo”, alerta Bill Farren-Price, diretor da Enverus Intelligence Research.
O retorno da volatilidade antecipado pela Enverus poderá, contudo, ter chegado um pouco mais cedo. Nos EUA, com o começo da temporada de verão no fim de semana, os preços do petróleo dispararam novamente nas negociações do Memorial Day, com o Brent a chegar a US $ 123 por barril (e mantendo-se na casa dos $ 120) e o West Texas Intermediate a ser negociado acima de US $ 115. São dos níveis mais altos desde março, quando o Brent, que serve de referência para Portugal, superou brevemente US$ 129 antes de fechar em US$ 127,98.
O esforço da admninstração Biden para moderar os preços do petróleo está a revelar-se uma frustação.
Esse aumento de preço levou o presidente Joe Biden a anunciar uma nova grande redução da Reserva Estratégica de Petróleo dos EUA algumas semanas depois, em 31 de março, num esforço para moderar os preços do petróleo, que estão a elevar o preço da gasolina nos EUA.
Com a redução de 1 milhão de barris por dia por 180 dias a partir do dia 1 de abril, Biden disse esperar que os preços do petróleo caiam “e continuem a cair” em consequência. A secretária de Energia, Jennifer Granholm, elogiou o presidente por usar o que ela chamou de “a maior ferramenta que temos no nosso arsenal, que é a Reserva Estratégica de Petróleo”.
No entanto, refere o especialista em energia e colaborador da Forbes, David Blackmon, o que aconteceu desde 1 de abril é que, após uma breve queda, os preços do petróleo bruto voltaram a subir inexoravelmente, pois o mercado permanece numa situação de falta de oferta por várias razões.
Uma das principais razões tem a ver com o contínuo fracasso/incapacidade das nações da OPEP+ em cumprir as suas cotas de exportação.
Josh Young, diretor de investimentos da Bison Interests, um fundo de investimento em energia, publicou o gráfico que aqui reproduzimos, que mostra que o déficit da OPEP + atingiu 2,59 milhões de barris de petróleo em abril, de longe o maior nível mensal. Desde janeiro do ano passado, o défice médio de entrega da OPEP+ foi de 0,94 milhões de barris por dia.
Obviamente, salienta David Blackmon, uma grande parte do atual défice de entrega da OPEP + se deveu à redução contínua nas exportações da Rússia, devido em grande parte ao aumento das sanções impostas pelos EUA e outros países. Assim, 27 países-membros tenham dado “luz verde” para um embargo de até 90% às importações de petróleo russo, a concretizar até final deste ano. No caso europeu, há o plano para acabar com as importações russas até 2027.
Sem capacidade de aumentar as exportações do dia para a noite
A dura realidade para a OPEP+, enquanto grupo, é que a maioria dos países membros simplesmente não tem capacidade de aumentar as exportações do dia para a noite, devido ao declínio das reservas e aos anos de subinvestimento em esforços de exploração, nota David Blackmon. Entre as nações não russas, apenas a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos parecem ainda possuir um excesso de capacidade de oferta significativo.
Com o governo Biden já tendo implantado o que Jennifer Granholm diz ser sua maior arma para influenciar os preços do petróleo, isso deixaria a indústria de xisto betuminoso dos EUA como o outro produtor nominal com a capacidade de aumentar significativa e rapidamente a oferta.
Nos EUA, a produção doméstica de petróleo aumentou em cerca de um milhão de barris…, mas é insuficiente.
Mas, a indústria dos EUA está a caminho de aumentar a produção doméstica de petróleo em cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia em 2022, um aumento significativo, mas longe dos 2 milhões de barris por dia de nova oferta que conseguiu adicionar em 2018/ 2019, insiste David Blackmon.
Isso tudo deixa os consumidores dos EUA, já a debater-se com os preços recordes de gasolina e Diesel, sem realmente nenhum alívio de preço à vista. O mercado está cronicamente subabastecido e há poucas perspetivas de que a situação seja resolvida em breve, na ausência de uma recessão económica global significativa que mataria a procura. Essa é uma “solução” que é pior do que o problema.
Reabastecer a reserva vai elevar preços
De facto, nos EUA, os preços podem aumentar ainda mais rapidamente quando o plano de Biden relativamente à Reserva Estratégica de Petróleo dos EUA terminar no final de setembro e o governo americano terá que começar a recomprar volumes de petróleo para reabastecer a reserva altamente esgotada. Alguns analistas já esperam que o preço do Brent chegue a US$ 150 até ao final do verão, o que equivaleria a um preço médio nacional da gasolina comum de cerca de US$ 6,00 por galão. Neste momento, nos EUA, está na média nacional em $ 4.86.
Ou seja, tudo isso faz disparar os alarmes sobre o que acontecerá quando o governo dos EUA iniciar o seu inevitável programa de recompra, removendo, por conseguinte, mais barris do mercado.
A resposta a essa pergunta parece simples, diz David Blackmon: os preços continuarão a subir…
Na Europa, fruto da guerra na Ucrânia e das sanções impostas à Rússia, o diretor-executivo da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, em entrevista à revista alemã Der Spiegel, avisou que um cenário a não descartar passa pela Europa enfrentar uma temporada de verão com problemas de abastecimento para todos os tipos de combustíveis.
O diretor-executivo da AIE considera que se avizinha uma crise “muito maior” que a crise do petróleo de 1973, ocorrida após a decisão da OPEP de embargar as exportações de petróleo para vários países em consequência da guerra do Yom Kippur.