São 10 da manhã de um domingo de Novembro no Aeroporto de Burbank, na Califórnia, nos EUA, e Jack Conte, uma figura bonacheirona e a metade barbuda do duo musical Pomplamoose, formado por marido e mulher, tenta descansar recostado num cadeirão e com o capuz sobre a cabeça.
Com 33 anos, Jack passou grande parte do fim-de-semana em Los Angeles, a tocar com a sua banda de funk – Scary Pockets -, e está agora de regresso a São Francisco para uma actuação diferente: o seu trabalho diurno à frente da Patreon, um site e uma aplicação móvel onde os fãs pagam assinaturas mensais para apoiarem os seus criadores favoritos, seja qual for a sua arte.
“Muitos criadores dependem de nós, do facto de sermos uma equipa de alto desempenho,” diz Jack Conte, no escritório da empresa, em São Francisco.
Esta imagem remete para aquilo que Jack afirma corresponder à sua “crise de identidade”: ser presidente-executivo de uma start-up de 100 pessoas, sem abandonar completamente a sua paixão pela música. “Muitos criadores dependem de nós, do facto de sermos uma equipa de alto desempenho,” diz, no escritório da empresa, em São Francisco.
“Isto é muito importante para mim e deixa-me pouco tempo para a música.” A dedicação de Jack vem da convicção de que a Patreon pode salvar os criadores de conteúdos de terem de viver da publicidade digital, uma tarefa quase impossível para a maioria, e que os leva a recorrerem a campanhas pontuais em sites como a Kickstarter e Indiegogo, plataformas de crowdfunding para pequenos projectos.
Um contra-senso de sucesso
A empresa foi formada com base numa aposta contra-intuitiva de que os fãs estão dispostos, e até ávidos, a pagar por conteúdos que podem obter de forma gratuita, desde que isso ajude os seus artistas favoritos. E há motivos suficientes que nos levam a acreditar que têm razão.
Actualmente, a Patreon tem mais de 1 milhão de utilizadores que ajudam cerca de 50 mil artistas a terem um vencimento mensal certo. “Na Kickstarter e na Indiegogo, os criadores têm que repetir tudo de novo,” afirma Danny Rimer, sócio da Index Ventures e membro do conselho de administração da Patreon. “É o mesmo princípio que levou as empresas de software a passarem de software licenciado para software por assinatura: receitas certas e um melhor serviço para os clientes”, diz.
Desde que Jack criou a Patreon há quase cinco anos com o seu colega de quarto na Universidade de Stanford, Sam Yam, o actual director técnico da empresa, a Patreon distribuiu mais de 203 milhões de euros pelos seus artistas.
O motor da Patreon é alimentado por um sistema de pagamentos simples e um canal directo entre artistas e fãs, ou “patronos”, que ganham regalias quase pessoais com os seus ídolos em troca de doações. O apresentador Rui Unas é um dos muitos artistas que tem apostado na Patreon.
“A nossa missão é enviar o máximo de dinheiro possível para os criadores,” afirma Conte.
Actualmente conta com mais de 1800 patronos do seu projecto Maluco Beleza. Ou seja, Jack não inventou o altruísmo ou mudou a natureza humana, apenas agilizou um processo de troca entre fãs e artistas. Hoje, a Patreon já não está sozinha – a Kickstarter lançou o Drip em Novembro -, mas é a maior e está a crescer mais do que nunca.
O número de patronos e de criadores e montante oferecido duplica a cada ano que passa e a empresa prevê usar parte do capital angariado para acelerar o crescimento.
De certo modo, o sucesso do Patreon contraria a lógica. Um utilizador normal “paga” 10 euros por mês, mais do que o custo de uma assinatura normal do Spotify ou do Netflix, que oferecem acesso a catálogos imensos de vídeo e de música. Mas a verdade é que há artistas a conseguir dezenas de milhares de euros por mês.
Por cada pagamento feito pelos fãs, a Patreon cobra uma comissão de 5%, o mesmo que o Kickstarter e a Indiegogo, mas muito menos do que os programas de partilha de receitas no Youtube e na Apple iTunes, que ficam com 45% e 30%, respectivamente. “A nossa missão é enviar o máximo de dinheiro possível para os criadores,” afirma Conte.
Só em 2017, as comissões geraram cerca de 6,5 milhões de euros de receitas. Os subscritores subscrevem por “escalões” que vão dos 0,8 aos 8 euros, mas podem dar mais. E a verdade é que está a funcionar. Cynthia Lin, uma tocadora de Ukulele, que oferece lições ao vivo para os fãs, obtém cerca de metade do seu rendimento da Patreon, e Fran Meneses, uma ilustradora chilena que faz tutoriais e chats vídeo a ensinar a sua arte, encaixa mais de 3300 euros por mês, complementando assim os rendimentos que obtém da loja Etsy e da sua presença no Instagram.
Enfoque nos artistas
Além de não exigir exclusividade, o site ensina os artistas a usá-lo de forma a ganharem mais dinheiro e disponibiliza várias ferramentas. Uma delas permite analisar e gerir o correio electrónico e ajudar os criadores a implementarem campanhas de fidelização semelhantes às das estações de rádio públicas norte-americanas.
Para já, a Patreon foi concebida para criadores com uma base de seguidores e que ainda não são nomes familiares, ainda que no longo prazo Jack tenha como objectivo ajudar a financiar grandes nomes e provar que a tecnologia pode ajudar a repor benefícios financeiros para os criadores de conteúdos que a Internet tem mitigado.
No entanto, apesar de funcional, o sistema ainda tem e vai continuar a ter falhas, sobretudo porque está no universo digital, sempre em mutação. “Os criadores têm de diversificar os seus rendimentos o mais possível de modo a que não lhes puxem o tapete,” defende Laura Chernikoff, directora-executiva do Internet Creators Guild.
Criado e crescido no condado boémio chique de Marin County, a norte de São Francisco, nos EUA, Jack ficou desde cedo viciado em música, quando o seu pai lhe ensinou os acordes de blues. Quando em Stanford começou a fazer vídeos para o YouTube com a sua namorada de então, Nataly Knutsen, em 2007 (casaram em 2016).
Jack Conte pretende transformar o Patreon num fornecedor de serviços para pequenas empresas, incluindo a venda de bilhetes e merchandising.
Em 2013, gastou todo o dinheiro que tinha nas suas poupanças, esgotou o plafond dos seus cartões de crédito e passou três meses a fazer um vídeo de música electrónica, com robôs e uma réplica do cockpit do Millennium Falcon.
Os seus fãs adoraram o vídeo que teve mais de 1 milhão de visualizações no primeiro ano, mas Jack recebeu apenas 44 euros com esse vídeo no primeiro mês e pouco mais de 800 euros até à data. Muito pouco para um vídeo que custou 8 mil euros a fazer, sem contar com o tempo gasto. “Foi aí que, como criador, caí em mim,” diz Jack.
Ele sabia que criara algo de valor, mas que nunca seria pago devidamente pelo mesmo. “Essa discrepância conduziria directamente à criação da Patreon,” acrescenta. Jack discutiu a ideia com Yam, que programou o site em poucos meses, e poucos minutos depois de estar a funcionar, em Maio de 2013, mais de 100 fãs estavam a pagar mais de 570 euros por mês para apoiarem o trabalho de Jack. Com o modelo provado, foi fácil arranjar investidores.
Jack está agora atento a uma série de oportunidades de crescimento. Em primeiro lugar está a expansão internacional: o site está em inglês e só aceita dólares, mas 40% dos patronos estão fora dos EUA. Com o tempo, Conte pensa introduzir características mais imersivas, tais como concertos em realidade virtual.
E, mais para a frente, pretende transformar o Patreon num fornecedor de serviços para pequenas empresas, incluindo a venda de bilhetes e merchandising. Tudo ajuda os artistas a transformarem a sua paixão numa profissão. “Os artistas vão deixar de passar fome,” afirma Conte.