Lembras-te da primeira vez que ouviste falar das ondas da Nazaré?
Foi em 2012, tinha 17 anos. Ouvi que foi uma expedição em que eles viram um maremoto, viram um mar muito grande que nunca tinham visto antes, porém eram ondas cheias, ondas gigantes cheias. É engraçado porque cada um diz uma coisa, hoje em dia eu vejo que essas pessoas que disseram que eram ondas gigantes cheias é porque não estavam habituados a ver ondas tão grandes assim. Mas com certeza é uma das maiores ondas que já vi na minha vida.
O que te levou a pensar em surfar aquela onda?
Acho que foi a paixão pelo surf de ondas grandes que me trouxe à Nazaré, junto com o meu mestre Carlos Burle, que foi a pessoa que me convidou. É um lugar em que tens de ter uma estrutura e uma equipa para conseguir trabalhar bem, surfar bem, entregar bem. Com certeza ter vindo para cá com o Carlos Burle fez toda a diferença porque eu tive o apoio da Nazaré Water Fun, da Red Bull, que fazem parte da nossa segurança, que nos deixam tranquilos para poder entregar sempre o melhor trabalho dentro de água. Graças a eles tudo foi possível, consegui conhecer a Nazaré em 2016, consegui vir para este lugar tão recetivo que se tornou a minha segunda casa, o lugar onde eu construí a minha carreira, que mudei a minha visão da vida e que me senti a fazer uma coisa que realmente era o destino da minha vida.
Porque é que a Nazaré é um sítio especial?
A Nazaré torna-se especial por muitos fatores. O maior deles, para mim, por ser tão abençoada pela Nossa Senhora da Nazaré. Sinto-me muito abençoado aqui. Mas também por ser a maior onda do mundo e ser tão próxima das pessoas. Qualquer pessoa que não entenda o surf, mas que queira viver esse momento, que vá ver o tamanho das ondas, a força delas, a pressão, vai entender um pouco do que nós vivemos. Com certeza a pessoa que quiser viver isso, consegue sentir isso aqui na Nazaré. A Nazaré tem essa coisa que parece ser o coliseu das ondas grandes, as pessoas conseguem viver aquele espetáculo intensamente de perto. Todas as outras ondas gigantes do mundo são de difícil acesso, na maioria das vezes só surgem em tempestades. Isso tudo atrai muito o turismo para o surf de ondas grandes e para a Nazaré, que cresceu muito desde então.
Como é a tua rotina?
Rotina é uma palavra muito forte. Eu tenho uma rotina de treinos, um surfista de ondas grandes tem de se manter pronto os 365 dias do ano para aquele momento que nós nunca sabemos quando vai ser. Eu digo que a mãe natureza é que nos chama, então temos de estar sempre prontos, sempre bem treinados, ativos, prontos para mudar a chave. Quando ligas esse modo, tens de estar pronto para mudar tudo na tua vida e pular de cabeça para apanhar as maiores ondas do mundo, as ondas mais perfeitas do mundo. Nunca sabemos como vai ser, porém sabemos que é sempre uma coisa mística, é sempre aquele sentimento de desvendar o desconhecido.
Como é o processo de preparação?
É manter uma rotina de treinos durante o ano. É difícil falar sobre uma rotina, mas manter os treinos independentemente de onde esteja. Sempre que estou no Brasil estou a treinar todos os dias possíveis. Hoje eu sou pai, pai de dois, então passo muito tempo com os meus filhos e com a minha esposa também, mas sempre que posso estou dentro de água, no ginásio, a fazer apneia, a treinar o físico, ou estou a fazer algum desporto, como kitesurf ou foil. Qualquer coisa, só para ter adrenalina já vale a pena. Manter esse ritmo no desporto é um dos meus segredos de treino.
E a nível mental?
O físico é 50% e o mental é 50%. Quando estás com uma preparação física em dia e te estás a sentir bem, já estás um passo à frente. O mental é um dos fatores muito importantes no surf de ondas grandes. Quando estás debaixo de água, tens de estar muito bem contigo mesmo, muito bem com o mental para conseguires segurar aquele wipeout, para conseguires passar por aquele momento. Eu sinto que tudo o que vivemos, tudo o que treinamos, aquele é o momento em que colocamos em prática e em que temos de relaxar, diminuir a pressão. Acho que é a palavra que fica mais na minha cabeça: relaxa. Quando treinamos, nós treinamos para conseguir chegar a esse momento e relaxar.
Vocês lidam com que emoções num dia de competição?
É um dia de muito nervosismo, muita ansiedade. Eu sou muito ansioso, com certeza a ansiedade é um dos fatores que mais reina na minha vida. Mas no dia da competição o nervosismo também está sempre no jogo, uma pressão grande, ainda mais para mim que venho de quatro títulos mundiais. Todos os campeonatos para mim são uma defesa de título, é a hora em que quero mostrar o que treinei durante o ano e o quanto evolui. Quando saímos do dia com aquela vitória, aquele título, é muito gratificante.
O que leva uma pessoa que já lida com a ansiedade a escolher um desporto que o vai deixar mais ansioso?
Este meu desporto não foi a melhor escolha para uma pessoa ansiosa. Mas é uma ótima escola para a minha vida porque como eu lido muito com a ansiedade, com aquele místico do swell, quando vai chegar, onde vai ser, como vai ser, o quanto vai ter, qual o tamanho… Com tudo isso, lidar com essa ansiedade no meu desporto, acho que aprendo a lidar com ela. Hoje em dia sinto-me muito grato por poder viver isso intensamente, poder treinar isso intensamente, e com certeza sinto-me muito feliz de me poder sentir mais controlado na questão da minha ansiedade. Tenho vivido intensamente, mas sinto-me com um auto controlo muito maior.
O que se sente ao surfar uma onda grande?
É um momento muito único, acho que é uma das palavras que melhor pode definir esse momento. É um momento único em que estás com a tua vida nas mãos, a sentir a maior adrenalina e com certeza só queres sair vivo dali. Sabes que se saíres vivo dali, vais ter uma onda muito especial para ti. Quando eu solto a corda e desço a onda, é um dos momentos em que me sinto mais vivo. Eu vivo para isso, passo o ano inteiro à espera desse momento de novo. Cada temporada, é muito gratificante poder viver aquilo, poder escolher todos os dias viver aquilo, eu treino todos os dias com um sorriso no rosto. Então poder trabalhar com a coisa que eu mais amo com certeza é muito bom. Sou muito apaixonado pelo meu desporto. Aquele momento de descer uma onda é um momento único e eu sou muito grato por poder vivê-lo várias vezes.
Vencer na Nazaré faz de ti o melhor surfista de ondas grandes do mundo?
Vencer na Nazaré não faz de mim o melhor surfista de ondas grandes do mundo, vencer no Nazaré pode fazer de mim o melhor surfista da Nazaré. Porém, a Nazaré prepara-me muito para surfar as outras ondas ao redor do mundo. Eu não quero ser o melhor do mundo, eu quero ser o melhor surfista. Acho que cada vez que eu me conseguir superar mais, eu vou estar melhor, na melhor performance, e eu quero elevar o nível do desporto o mais alto possível. Se me considerarem o melhor do mundo, para mim é um sonho realizado, eu sempre sonhei com isso com certeza, mas não é a minha grande ambição. Eu não quero ser o melhor surfista do mundo para os outros, eu quero ser o melhor surfista do mundo para mim. Esse é o meu objetivo de vida, mas é muito difícil porque ao mesmo tempo é uma pressão muito grande. Toda a gente comenta, há muitas perguntas como essa, porém eu sempre sonhei com esse momento, então é muito gratificante poder ouvir isso a toda a hora.
Ouvires isso e a expetativa das pessoas causa mais pressão ou responsabilidade?
Eu acho que aumenta muito a responsabilidade e a pressão, sabendo que eu ganhei todos os eventos da Nazaré de tow-in, só o primeiro evento é que o Kai ganhou a preformance, mas eu ganhei na equipa com ele. Querendo manter esse título sempre comigo, eu acho que aumenta bastante a pressão, mas eu tento transformar essa pressão sempre em combustível para mim. Eu quero ir para a água, quero entregar o meu melhor, mostrar o meu show de surf, quero poder mostrar tudo o que treinei durante o ano e sair com essa vitória. Essa pressão eu tenho conseguido transformar em combustível, para mim tem dado certo. Vou manter.
Fala-me um pouco sobre o Big Wave Challenge deste ano.
Este ano tivemos o Clement [Roseyro], que foi um dos grandes surfistas do evento. Surfou muito, teve um surf muito bonito e colocou-me uma pressão que me obrigou a fazer um surf um pouco diferente, um pouco mais agressivo. Acho que isso vai ajudar o desporto a crescer mais. Este ano também senti falta do Kai Lenny, mas fiz uma parceria 100% brasileira com o Pedro Scooby, então foi muito bom levar esse título 100% para o Brasil e poder levantar a nossa bandeira do Brasil no topo do pódio. Mais um ano de muita aprendizagem, de título e vamos para o próximo.
Tu falas sobre o Clement e no final ele falou sobre ti, sobre seres um ídolo para ele. Como é lidar com o facto de seres uma referência na modalidade?
Eu sinto-me muito honrado por poder ouvir isso. Muitas vezes ouço as pessoas dizerem que eu sou um ídolo e eu vejo-me a idolatrar essas pessoas também. É uma troca muito sincera, uma troca muito justa. No surf de ondas grandes nós crescemos juntos. Não fazemos nada sozinhos, tudo se faz em equipa, então porque é que a evolução do desporto não vai ser em equipa? É muito gratificante, é uma honra para mim ouvir isso de uma pessoa como o Clement, ele é um grande surfista, é uma pessoa que me vai dar trabalho durante alguns anos, mas com certeza o que eu mais procuro é a evolução do desporto, a evolução do meu surf e continuar a dar bastante trabalho para eles me ganharem.
Como é que foi para ti antes do evento, porque ias participar com o Kai, houve uma troca de dupla, como é que foi lidar com esse stress adicional?
Há sempre um stress adicional com essas trocas de última hora. Mas eu tenho treinado muito para manter o nível do meu surf sempre no máximo possível, então garanto-me muito ao escolher um parceiro e conseguir fazê-lo performar melhor. Pode ser com o Kai Lenny, o Pedro Scooby, o parceiro que estiver do meu lado eu vou arrancar o melhor dele, o máximo, vou colocá-lo nas melhores ondas possíveis para ele conseguir entregar uma boa performance comigo. Infelizmente este ano o Kai não conseguiu vir por causa da lesão, mas eu estava em contacto com ele, já sabia que se fosse em fevereiro ele não ia poder, então já me estava mais ou menos a preparar. O Scooby tinha-me dito que o Nic tinha desistido da dupla, então já estava mais ou menos a pensar em fazer a dupla com o Scooby se o Kai não pudesse vir.
Seria mais fácil manter as duplas ao longo dos anos?
É muito mais fácil quando mantemos uma dupla ao longo dos anos. Conseguimos entender a nossa dupla e saber os defeitos e os erros, concertá-los ao longo dos anos. Mas temos de estar prontos para tudo porque a vida é uma caixinha de surpresas.
Há vários brasileiros na Praia do Norte, como é que o surf de ondas grandes se tornou popular no Brasil?
O surf de ondas grandes no Brasil tem-se tornado mais popular a cada ano que passa. O Brasil é um lugar que recebe muito swell, porém não tem muitas ondas gigantes. Mas conseguimos divertir-nos bastante, surfar bastante tow-in, remar bastante com a prancha grande. Eu acho que o brasileiro é apaixonado pelo desafio, gosta de se desafiar, de desbravar. Então o surf de ondas grandes, como é uma coisa que não há no Brasil e temos que ir ao redor do mundo para desafiar e desbravar isso, é sempre um boost maior para o brasileiro. Sempre muito abençoado por ser brasileiro e poder representar muito bem essa bandeira.
(Artigo completo na edição de abril/maio da FORBES, já nas bancas)
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