[este é o diário referente aos dias 28 e 29 de julho apenas]
[para ler a reportagem final de todos os outros dias, ver este outro link]
Depois de uma noite de trabalho alongada, com um último e-mail enviado às 02:40h pela coordenadora e pelo pivot da logística do COP para as famílias de acolhimento, solicitando uma validação final do número de peregrinos que cada lar se dispõe a receber, o despertador tocou tirano para garantir que às 10:00h estivéssemos na “base de operações” para um dia de voluntariado.
E enquanto me ia preparando, no espaço de uma hora, entre as 9:00h e as 10:00h caem cerca de meia centena de mensagens num dos grupos de WhatsApp, o do COP que me sacodem da sonolência e que deixam nervoso: alguns géneros alimentícios para os pequenos-almoços tinham sido entregues e era necessário ver se as quantidades de cada produto eram as certas; uma família de acolhimento que só podia receber quatro jovens, mas aparecia na base de dados com 10 peregrinos; os Rise-Up’s continuavam longe de estar fechados; e, mais crítico de tudo, uma mensagem de WhatsApp enviada para o telefone do COP de um grupo dos Camarões que estava a contar ser hospedado em Linda-a-Velha, comunicando que iria chegar à noite a Lisboa, após uma escala em Madrid. Problema: estavam a vir mais cedo do que era suposto. “Estão a par?”, pergunta um elemento da organização. A pergunta é quase retórica, já que, não, ninguém estava a contar com esta surpresa.
Após procurarmos esclarecer o assunto, ficamos a saber que era um grupo de três camaroneses de língua espanhola que arranjaram transporte para mais cedo, chegando às 22h ao Oriente. “Usted nos puede mandar la dirección?”, perguntam, por mensagem, os camaroneses deste grupo. Tratamos de responder como podem chegar da zona oriental de Lisboa até Linda-a-Velha e vamos pensando em como “descalçar a bota”.
Entretanto, nem este assunto estava encerrado e outro “caía”: um elemento de um grupo, também de língua espanhola, avisa que irão trazer mais elementos do que o previsto: “Lllevamos a 11 peregrinos además de los 335, que no hemos encontrado alojamento pero que hemos pagado por su acreditácion, comida, etc. Habria possibilidade de que nos ayudarais??”. Mais um puzzle para resolver!
Há voluntários a pedir para serem realocados para outras escolas por maior conveniência e surge a informação que estariam a chegar mais pulseiras, sendo que a Junta de Freguesia já nos tinha dado cerca de três mil pulseiras de identificação. Afinal, são pulseiras para afastar mosquitos quando os jovens se deslocarem e pernoitaram no Parque Tejo.
Nisto, toda a máquina dos voluntários, muitos a envergar já a t-shirt amarela oficial dos voluntários (demasiado quente para o verão!), mantinha-se focada em diversas tarefas, desde lavar maçãs, comprar medicamentos e colar mais cartazes.
Uma equipa, equipada de amarelo, saiu para a rua para começar a afixar sinalética que indicasse o caminho até ao check-in, desde o local onde os autocarros irão estacionar (e, ao que parece, serão mesmo em grande número). De manhã, essa equipa ainda apanhou uns chuviscos e à tarde levou com um sol bastante quente.
Há muita energia e sorrisos nos rostos dos voluntários. E somos agradavelmente surpreendidos por várias inscrições de voluntários de última hora, o que é um ânimo.
A chamada “equipa engenhocas” que foi destacada para intervenções “SOS”, composta por elementos com jeito para trabalhos manuais e bricolage, fez a montagem de chuveiros e estuda a colocação de lonas para podermos oferecer zonas de sombra aos peregrinos de Linda-a-Velha, no adro da igreja.
Pelo meio, os elementos do COP vão resolvendo pontas penduradas, sempre atentos à chegada de e-mails (enviados por peregrinos, voluntários, equipas de animação dos Rise-Up’s e COV).
A cadência de chegada de informação é volumosa e o esforço é grande para que nada escape. Mesmo assim, há coisas que ficam para trás.
Minions em Linda-a-Velha!
As t-shirts dos voluntários fazem com que o número de “criaturas amarelas” em redor da zona da igreja pareça que Kevin, Stuart e Bob dos “Minions” (os Mínimos do Grou) tenham chegado a Linda-a-Velha. Para já, ainda sem desgraças!
Na missa de envio, uma espécie de bênção de famílias de acolhimento, voluntários e peregrinos da própria paróquia (os jovens do Say Yes), sentiu-se um forte espírito de comunidade no ar, com a JMJ a ter, desde já, um efeito agregador: pessoas que, numa situação mais comum, não trocariam conversas, mesmo estando na mesma paróquia, confraternizam entre si, devido ao que as une e à vontade de ajudar. Nota-se que as pessoas estão contentes por participar ativamente. E sentem-se úteis por estarem a servir, independentemente da tarefa que estão a realizar ou do cargo que ocupam.
O jantar partilhado que se seguiu, com a presença dos jovens do grupo de jovens do Say Yes, reforçou esta união. Para divertimento geral, quem também chegou ao início da noite a Linda-a-Velha foi Maria, após apressadamente sair de sua casa, para visitar a sua prima Isabel. Em cima de um burro improvisado e com um guarda-roupa que uma produção cinematográfica invejaria, Maria e Isabel (de nome verdadeiro a interpretar as figuras bíblicas homónimas) causaram furor, sendo procuradas para fotos para Instagram.
Com a noite a avançar e já com o cansaço a colar-se ao corpo, batem à porta os três peregrinos dos Camarões! Referiram que a viagem foi fantástica e saudaram o acolhimento muito caloroso que aqui tiveram, tendo o alojamento ficado garantido. E a felicidade de estarmos a acolher os primeiros peregrinos fez esquecer o “problema” que foi o facto de terem chegado mais cedo. É o mote para o que virá amanhã, com a primeira vaga grande de peregrinos: cerca de 800. Cá estaremos para os acolher!
A 3 dias de tudo começar a acontecer, ninguém pára
Sou voluntário paroquial em Linda-a-Velha, no concelho de Oeiras. Apesar dos preparativos para a Jornada Mundial da Juventude já terem começado há uns dois anos (ainda que num ritmo ligeiro), à medida que a semana de 1 a 6 de agosto se aproxima, tudo tem vindo a acelerar mais. E agora não há tempo para vacilar. Faltam três dias. E tudo está a acontecer à velocidade da luz! Mais do que reuniões – que acontecem e com diferentes entidades envolvidas, religiosas e civis – há muita ação.
A azáfama é intensa. As equipas de voluntários mobilizam-se para fazer as marcações no chão de salas de aula e ginásios de escolas para receber os jovens. Sim, os peregrinos irão dormir no chão, uns ao lado dos outros, como sardinha em lata, cada um dentro do seu saco cama. Uns terão uma esteira, outros estenderão o saco-cama diretamente no chão. E o chão, nem sempre é madeira. Há chão que é de azulejo. Mas é o que é possível. Felizmente, não é inverno. Os preparativos colocam toda a gente a 100 à hora.
Além de posts nas redes sociais, a equipa de comunicação paroquial prepara tudo o que são letreiros, tabuletas, informações, indicações para tudo o que é sítio: check, in, pavilhões, escolas, casa de banho, zonas de banho, zonas de fumadores, letreiros de Stop… a lista poderia continuar.
Fazem-se também limpezas de espaços, com voluntários, alguns deles já reformados, mas cheios de vida e grande motivação. Há mesmo “pressa no ar” para ultimar tudo. Para já com boa disposição! Tiram-se fotos sorridentes com vassouras e material de limpeza e fazem-se filmagens de danças, nos momentos de pausa para descansar, que se partilham nos grupos.
Os voluntários estão divididos em equipas: acolhimento, pequenos-almoços e refeições, limpeza, transporte e reparações. Tudo isto ao nível “micro”, de uma paróquia.
Foi criada uma equipa de senhoras com dom para a cozinha para providenciarem almoço e jantar durante toda a semana para o staff e os voluntários que mais tempo irão passar fora de casa. É a equipa “Paparoca”! Será, por certo, das mais acarinhadas por aqueles trabalhadores da JMJ que mal terão tempo para respirar.
As equipas de voluntários têm um pivot geral, tendo sido divididas por grupos, cada um dos quais com um chefe de equipa, com tarefas específicas de apoio a escolas, espaços comuns, pequenos-almoços.
Há também elementos que estão encarregues de fazer de Uber, já que será necessário, durante três dos dias da semana da JMJ, organizar as chamadas Rise-Ups. São catequeses que serão dadas por bispos. E o motorista alocado irá tratar de apanhar e levar de volta o bispo. No nosso caso, são três os locais dos Rise-Up’s, dois deles ao ar livre, em jardins. E cada dia, haverá um bispo por local. Logo, ao fim desses três dias, serão 9 os bispos a participar nos Rise-Up’s, vindos do Paraguai, Espanha e Chile.
COL, COD, COV e COP: a complexa organização da JMJ. A estrutura tem paralelismo com a divisão administrativa civil: governo central, distritos, concelhos e freguesias.
Toda a organização da JMJ é complexa. O evento é liderado pelo COL (Comité Organizador Local), onde as decisões estratégicas, os investimentos, os acordos com as grandes empresas para o fornecimento de todo o género de equipamentos são celebrados. O COL (Américo Aguiar é o Presidente da Fundação JMJ) transmite as coordenadas para os COD envolvidos (dioceses de Lisboa, Setúbal e Santarém) que, por sua vez, se encontram em comunicação direta com os COV (Comité Organizador Vicarial). Os COV (que correspondem aos concelhos) enviam as informações aos vários COP (Comité Organizador Paroquial). Se quiséssemos fazer a analogia para a divisão administrativa do território, a JMJ Lisboa 2023 está organizado numa pirâmide, em que de cima para baixo, vamos de uma espécie de “governo central” (COL), para os distritos (COD), prosseguimos para os municípios (COV) e culminando nas freguesias (COP). Eu, além de voluntário, pertenço ao COP de Linda-a-Velha. Para além de ajudar onde for preciso, sou o pivot da Pastoral.
Muitos colaboradores e voluntários, incansáveis e anónimos, fazem horários alongados e alguns nem sequer estão a ir dormir a casa há vários dias. E não são pagos. É “amor à camisola”.
Mesmo ao nível “micro”, o da paróquia, a três dias dos motores arrancarem oficialmente, tudo está em movimento. E vai parecendo estar afinado, ainda que nem tudo esteja ainda terminado, claro. Mas as coisas já estiveram mais longe de estarem finalizadas, como é de esperar. Só ao nível paroquial há na ordem da centena de envolvidos e, organizados pela equipa do COP, cada um sabe o que tem de fazer. Quando alguém termina uma tarefa, pergunta onde pode “dar uma mão”. Formam-se grupos de WhatsApp e trocam-se contactos para a comunicação e os avisos que importa transmitir fluirem o melhor possível. Há empresas seguramente menos organizadas.
Algo interessante que se percebe: há jovens que não são católicos praticantes, mas vieram oferecer-se para ajudar na montagem da máquina. É claro que estão de férias, mas podiam fazer outra coisa. E outras pessoas que, numa fase inicial, pareciam relutantes em arregaçar as mangas, vêm perguntar que ajuda podem dar. É incrível como o número de voluntários em Linda-a-Velha tem, assim, crescido: há uns meses não passavam de duas dezenas (apesar da insistência dos pedidos) e agora estamos perto dos 70.
Dos 16 aos 82 anos (quase 83 anos)
A equipa que vai acolher os peregrinos em Linda-a-Velha tem idades variadas, indo dos 16 anos aos 82 anos (quase 83 anos). Houve encontros de “team bulding” que se revelaram proveitosos, já que, apesar das diferenças de feitio, para já, vão combinando, num ambiente de grande entusiasmo e vontade de que os peregrinos, que se começam a ver já mais por Lisboa, comecem a chegar mesmo a Linda-a-Velha.
Receber peregrinos não é apenas arranjar um teto para dormirem. Há inúmeras atividades, muitas artísticas, culturais, debates, conferências, teatros musicais que irão acontecer durante a semana da JMJ. Mas sendo um acontecimento religioso, a vertente espiritual não podia deixar de ser forte, com vários momentos em que os peregrinos são convidados a participar, como missas e catequeses.
E para a organização de algumas dessas liturgias, a paróquias têm de assumir a sua organização. E a lista de material que acada COP tem de providenciar para as missas e catequeses é também vasta, indo das alfaias religiosas ao sistema de som. É necessário ter pequenos estrados (para fazer de palco), colunas e microfones, pontos de eletricidade (inclusive em jardins).
Para se conseguir ter algumas destas coisas, é inevitável pedir emprestado. No caso de Linda-a-Velha, foi pedida ajuda à Câmara Municipal de Oeiras, à Junta de Freguesia e à Fundação do Marquês de Pombal. Todos colaboraram, colocando meios e pessoal, à nossa disposição.
Do que me vai chegando, a Câmara de Lisboa também está a todo o gás, não se poupando na montagem de todo o acontecimento, sendo visíveis já vários ecrãs gigantes nalguns pontos de capital.
Estes dias de pré-jornada dão-me a convicção de que o profissionalismo e o traquejo das autarquias na organização deste tipo de eventos está a assegurar de forma consistente uma organização assente em 30 mil voluntários. Isso foi visível na empolgante Procissão dos Símbolos da JMJ que aconteceu no passado fim-se-semana, e que empenhou fortemente o poder local.
Nessa celebração de cor e música, a Cruz peregrina (com 3,8 metros de altura) e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani (com 1,20 metros de altura e 80 centímetros de largura, a mostrar Maria com o Menino nos braços) estiveram sempre rodeadas de um mar de gente.
Na vila de Cascais há vários e impactantes outdoors alusivos ao Papa, tendo os símbolos chegado de noite, de barco, num efeito visual singular.
Em Oeiras, a cruz e o ícone passaram engalanados, com fitas vermelhas e verdes, e foram percorrendo todas as freguesias de Oeiras em cima de um “jipe” dos bombeiros, escoltado pela PSP e Polícia Municipal, e perante a presença de autarcas.
Entre as várias paragens que este cortejo foi fazendo, ênfase para as diferentes instituições sociais visitadas, como o Hospital-prisão de Caxias, “procurando cada um o outro que sempre espera”, como refere a Oração oficial da JMJ, e de levar os símbolos não apenas aos locais do dia-a-dia, mas também às periferias, dada a preocupação do Papa.
Ainda nesse dia 22 de julho, a passagem dos símbolos foi feita, já noite avançada, no elétrico 15 da Carris Metropolitana, de Algés (fronteira a sul de Oeiras com Lisboa) ao Cais do Sodré (em Lisboa).
Em Lisboa, onde a cruz e o ícone chegaram depois de terem percorrido o país inteiro nos últimos dois anos, foram “engolidos” por uma pequena multidão que, a pé e a cantar, avançou do Cais do Sodré à Rua do Alecrim até chegar ao Largo do Camões, onde, no final, até foi distribuída ginjinha.
Seguramente, a JMJ não teria o mesmo impacto visual sem o apoio dos municípios mais diretamente impactados pelo encontro mundial.
Em Oeiras, as equipas da autarquia têm andado em limpezas constantes há várias semanas e o município tem vindo a encher as ruas do concelho de pósteres fixos a postes de eletricidade, a colar outdoors gigantes com a fotografia do Papa saudando a vinda de Francisco a Oeiras Valley. Se se atravessar uma qualquer artéria no concelho de Oeiras é impossível não saber que o Papa vem aí.
A promoção da imagem de Oeiras num evento que traz o planeta à Grande Lisboa não está a ser desperdiçada por uma autarquia que tem a ambição de ser o maior viveiro de inovação, criatividade e tecnologia em Portugal. À paróquia (à nossa, mas também às outras) chegam caixotes com t-shirts mandadas estampar pela câmara para distribuir pelos peregrinos, bem como chapéus de palha e bonés. A zona do Passeio marítimo de Algés já mudou de roupagem, deixando os cenários do NOS Alive ou do concerto do Harry Styles para trás, dando lugar a lonas azuis e brancas feitas para saudar o Santo Padre.
O pórtico por onde, há cerca de uma semana, milhares de jovens passaram para ver o concerto da tourné “Love On Tour”, de Harry Styles (ex-One Direction) foi já decorado pela autarquia para dar as boas-vindas ao Papa. É que ali vai acontecer, na tarde de domingo, dia 6 de agosto, um encontro de Francisco com todos os voluntários: 30 mil. Eu serei apenas um deles!
Paulo Marmé