

Sou voluntário paroquial da JMJ em Linda-a-Velha, no concelho de Oeiras. Apesar dos preparativos para a Jornada Mundial da Juventude já terem começado há uns dois anos (ainda que num ritmo ligeiro), à medida que a semana de 1 a 6 de agosto se aproxima, tudo tem vindo a acelerar mais. E agora não há tempo para vacilar. Faltam três dias. E tudo está a acontecer à velocidade da luz! Mais do que reuniões – que acontecem e com diferentes entidades envolvidas, religiosas e civis – há muita ação.
A azáfama é intensa. As equipas de voluntários mobilizam-se para fazer as marcações no chão de salas de aula e ginásios de escolas para receber os jovens. Sim, os peregrinos irão dormir no chão, uns ao lado dos outros, como sardinha em lata, cada um dentro do seu saco cama. Uns terão uma esteira, outros estenderão o saco-cama diretamente no chão. E o chão, nem sempre é madeira. Há chão que é de azulejo. Mas é o que é possível. Felizmente, não é inverno. Os preparativos colocam toda a gente a 100 à hora.
Além de posts nas redes sociais, a equipa de comunicação paroquial prepara tudo o que são letreiros, tabuletas, informações, indicações para tudo o que é sítio: check, in, pavilhões, escolas, casas de banho, zonas de banho, zonas de fumadores, letreiros de Stop… a lista poderia continuar.

Fazem-se também limpezas de espaços, com voluntários, alguns deles já reformados, mas cheios de vida e grande motivação. Há mesmo “pressa no ar” para ultimar tudo. Para já com boa disposição! Tiram-se fotos sorridentes com vassouras e material de limpeza e fazem-se filmagens de danças, nos momentos de pausa para descansar, que se partilham nos grupos.
Os voluntários estão divididos em equipas: acolhimento, pequenos-almoços e refeições, limpeza, transporte e reparações. Tudo isto ao nível “micro”, de uma paróquia.
Foi criada uma equipa de senhoras com dom para a cozinha para providenciarem almoço e jantar durante toda a semana para o staff e os voluntários que mais tempo irão passar fora de casa. É a equipa “Paparoca”! Será, por certo, das mais acarinhadas por aqueles trabalhadores da JMJ que mal terão tempo para respirar.
As equipas de voluntários têm um pivot geral, tendo sido divididas por grupos, cada um dos quais com um chefe de equipa, com tarefas específicas de apoio a escolas, espaços comuns, pequenos-almoços.
Há também elementos que estão encarregues de fazer de Uber, já que será necessário, durante três dos dias da semana da JMJ, organizar as chamadas Rise-Ups. São catequeses que serão dadas por bispos. E o motorista alocado irá tratar de apanhar e levar de volta o bispo. No nosso caso, são três os locais dos Rise-Up’s, dois deles ao ar livre, em jardins. E cada dia, haverá um bispo por local. Logo, ao fim desses três dias, serão 9 os bispos a participar nos Rise-Up’s, vindos do Paraguai, Espanha e Chile.
COL, COD, COV e COP: a complexa organização da JMJ. A estrutura tem paralelismo com a divisão administrativa civil: governo central, distritos, concelhos e freguesias.
Toda a organização da JMJ é complexa. O evento é liderado pelo COL (Comité Organizador Local), onde as decisões estratégicas, os investimentos, os acordos com as grandes empresas para o fornecimento de todo o género de equipamentos são celebrados. O COL (Américo Aguiar é o Presidente da Fundação JMJ) transmite as coordenadas para os COD envolvidos (dioceses de Lisboa, Setúbal e Santarém) que, por sua vez, se encontram em comunicação direta com os COV (Comité Organizador Vicarial). Os COV (que correspondem aos concelhos) enviam as informações aos vários COP (Comité Organizador Paroquial). Se quiséssemos fazer a analogia para a divisão administrativa do território, a JMJ Lisboa 2023 está organizada numa pirâmide, em que de cima para baixo, vamos de uma espécie de “governo central” (COL), para os distritos (COD), prosseguimos para os municípios (COV) e culminando nas freguesias (COP). Eu, além de voluntário, pertenço ao COP de Linda-a-Velha. Para além de ajudar onde for preciso, sou o pivot da Pastoral.
Muitos colaboradores e voluntários, incansáveis e anónimos, fazem horários alongados e alguns nem sequer estão a ir dormir a casa há vários dias. E não são pagos. É “amor à camisola”.
Mesmo ao nível “micro”, o da paróquia, a três dias dos motores arrancarem oficialmente, tudo está em movimento. E vai parecendo estar afinado, ainda que nem tudo esteja ainda terminado, claro. Mas as coisas já estiveram mais longe de estarem finalizadas, como é de esperar. Só ao nível paroquial há na ordem da centena de envolvidos e, organizados pela equipa do COP, cada um sabe o que tem de fazer. Quando alguém termina uma tarefa, pergunta onde pode “dar uma mão”. Formam-se grupos de WhatsApp e trocam-se contactos para a comunicação e os avisos que importa transmitir fluirem o melhor possível. Há empresas seguramente menos organizadas.
Algo interessante que se percebe: há jovens que não são católicos praticantes, mas vieram oferecer-se para ajudar na montagem da máquina JMJ. É claro que estão de férias, mas podiam fazer outra coisa. E outras pessoas que, numa fase inicial, pareciam relutantes em arregaçar as mangas, vêm perguntar que ajuda podem dar. É incrível como o número de voluntários em Linda-a-Velha tem, assim, crescido: há uns meses não passavam de duas dezenas (apesar da insistência dos pedidos) e agora estamos perto dos 70.
Dos 16 aos 82 anos (quase 83 anos)
A equipa que vai acolher os peregrinos em Linda-a-Velha tem idades variadas, indo dos 16 anos aos 82 anos (quase 83 anos). Houve encontros de “team bulding” que se revelaram proveitosos, já que, apesar das diferenças de feitio, para já, vão combinando, num ambiente de grande entusiasmo e vontade de que os peregrinos, que se começam a ver já mais por Lisboa, comecem a chegar mesmo a Linda-a-Velha.
Receber peregrinos não é apenas arranjar um teto para dormirem. Há inúmeras atividades, muitas artísticas, culturais, debates, conferências, teatros musicais que irão acontecer durante a semana da JMJ. Mas sendo um acontecimento religioso, a vertente espiritual não podia deixar de ser forte, com vários momentos em que os peregrinos são convidados a participar, como missas e catequeses.
E para a organização de algumas dessas liturgias, a paróquias têm de assumir a sua organização. E a lista de material que cada COP tem de providenciar para as missas e catequeses é também vasta, indo das alfaias religiosas ao sistema de som. É necessário ter pequenos estrados (para fazer de palco), colunas e microfones, pontos de eletricidade (inclusive em jardins).
Para se conseguir ter algumas destas coisas, é inevitável pedir emprestado. No caso de Linda-a-Velha, foi pedida ajuda à Câmara Municipal de Oeiras, à Junta de Freguesia e à Fundação do Marquês de Pombal. Todos colaboraram, colocando meios e pessoal, à nossa disposição.

Do que me vai chegando, a Câmara de Lisboa também está a todo o gás, não se poupando na montagem de todo o acontecimento, sendo visíveis já vários ecrãs gigantes nalguns pontos de capital.
Estes dias de pré-jornada dão-me a convicção de que o profissionalismo e o traquejo das autarquias na organização deste tipo de eventos está a assegurar de forma consistente uma organização assente em 30 mil voluntários. Isso foi visível na empolgante Procissão dos Símbolos da JMJ que aconteceu no passado fim-se-semana, e que empenhou fortemente o poder local.
Nessa celebração de cor e música, a Cruz peregrina (com 3,8 metros de altura) e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani (com 1,20 metros de altura e 80 centímetros de largura, a mostrar Maria com o Menino nos braços) estiveram sempre rodeadas de um mar de gente.
Na vila de Cascais há vários e impactantes outdoors alusivos ao Papa, tendo os símbolos da JMJ chegado de noite, de barco, num efeito visual singular.

Em Oeiras, a cruz e o ícone passaram engalanados, com fitas vermelhas e verdes, e foram percorrendo todas as freguesias de Oeiras em cima de um “jipe” dos bombeiros, escoltado pela PSP e Polícia Municipal, e perante a presença de autarcas.

Entre as várias paragens que este cortejo foi fazendo, ênfase para as diferentes instituições sociais visitadas, como o Hospital-prisão de Caxias, “procurando cada um o outro que sempre espera”, como refere a Oração oficial da JMJ, e de levar os símbolos não apenas aos locais do dia-a-dia, mas também às periferias, dada a preocupação do Papa.
Ainda nesse dia 22 de julho, a passagem dos símbolos foi feita, já noite avançada, no elétrico 15 da Carris Metropolitana, de Algés (fronteira a sul de Oeiras com Lisboa) ao Cais do Sodré (em Lisboa).
Em Lisboa, onde a cruz e o ícone chegaram depois de terem percorrido o país inteiro nos últimos dois anos, foram “engolidos” por uma pequena multidão que, a pé e a cantar, avançou do Cais do Sodré à Rua do Alecrim até chegar ao Largo do Camões, onde, no final, até foi distribuída ginjinha.

Seguramente, a JMJ não teria o mesmo impacto visual sem o apoio dos municípios mais diretamente impactados pelo encontro mundial.
Em Oeiras, as equipas da autarquia têm andado em limpezas constantes há várias semanas e o município tem vindo a encher as ruas do concelho de pósteres fixos a postes de eletricidade, a colar outdoors gigantes com a fotografia do Papa saudando a vinda de Francisco a Oeiras Valley. Se se atravessar uma qualquer artéria no concelho de Oeiras é impossível não saber que o Papa vem aí.
A promoção da imagem de Oeiras num evento que traz o planeta à Grande Lisboa não está a ser desperdiçada por uma autarquia que tem a ambição de ser o maior viveiro de inovação, criatividade e tecnologia em Portugal. À paróquia (à nossa, mas também às outras) chegam caixotes com t-shirts mandadas estampar pela câmara para distribuir pelos peregrinos, bem como chapéus de palha e bonés. A zona do Passeio marítimo de Algés já mudou de roupagem, deixando os cenários do NOS Alive ou do concerto do Harry Styles para trás, dando lugar a lonas azuis e brancas feitas para saudar o Santo Padre.
O pórtico por onde, há cerca de uma semana, milhares de jovens passaram para ver o concerto da tourné “Love On Tour”, de Harry Styles (ex-One Direction) foi já decorado pela autarquia para dar as boas-vindas ao Papa. É que ali vai acontecer, na tarde de domingo, dia 6 de agosto, um encontro de Francisco com todos os voluntários: 30 mil. Eu serei apenas um deles!

Depois de uma noite de trabalho alongada, com um último e-mail enviado às 02:40h pela coordenadora e pelo pivot da logística do COP para as famílias de acolhimento, solicitando uma validação final do número de peregrinos que cada lar se dispõe a receber, o despertador tocou tirano para garantir que às 10:00h estivéssemos na “base de operações” para um dia de voluntariado.
E enquanto me ia preparando, no espaço de uma hora, entre as 9:00h e as 10:00h caem cerca de meia centena de mensagens num dos grupos de WhatsApp, o do COP, que me sacodem da sonolência e me deixam nervoso: alguns géneros alimentícios para os pequenos-almoços tinham sido entregues e era necessário ver se as quantidades de cada produto eram as certas; uma família de acolhimento que só podia receber quatro jovens, mas aparecia na base de dados com 10 peregrinos; os Rise-Up’s continuavam longe de estar fechados; e, mais crítico de tudo, uma mensagem de WhatsApp enviada para o telefone do COP de um grupo dos Camarões que estava a contar ser hospedado em Linda-a-Velha, comunicando que iria chegar à noite a Lisboa, após uma escala em Madrid. Problema: estavam a vir mais cedo do que era suposto. “Estão a par?”, pergunta um elemento da organização. A pergunta é quase retórica, já que, não, ninguém estava a contar com esta surpresa.
Após procurarmos esclarecer o assunto, ficamos a saber que era um grupo de três camaroneses de língua espanhola que arranjaram transporte para mais cedo, chegando às 22h ao Oriente. “Usted nos puede mandar la dirección?”, perguntam, por mensagem, os camaroneses deste grupo. Tratamos de responder como podem chegar da zona oriental de Lisboa até Linda-a-Velha e vamos pensando em como “descalçar a bota”.
Entretanto, nem este assunto estava encerrado e outro “caía”: um elemento de um grupo, também de língua espanhola, avisa que irão trazer mais elementos do que o previsto: “Lllevamos a 11 peregrinos además de los 335, que no hemos encontrado alojamento pero que hemos pagado por su acreditácion, comida, etc. Habria possibilidade de que nos ayudarais??”. Mais um puzzle para resolver!
Voluntários pedem para serem realocados
Há voluntários a pedir para serem realocados para outras escolas por maior conveniência e surge a informação que estariam a chegar mais pulseiras, sendo que a Junta de Freguesia já nos tinha dado cerca de três mil pulseiras de identificação. Afinal, são pulseiras para afastar mosquitos quando os jovens se deslocarem e pernoitaram no Parque Tejo.
Nisto, toda a máquina dos voluntários, muitos a envergar já a t-shirt amarela oficial dos voluntários (demasiado quente para o verão!), mantinha-se focada em diversas tarefas, desde lavar maçãs e colar mais cartazes.
Uma equipa, equipada de amarelo, saiu para a rua para começar a afixar sinalética que indicasse o caminho até ao check-in, desde o local onde os autocarros irão estacionar (e, ao que parece, serão mesmo em grande número). De manhã, essa equipa ainda apanhou uns chuviscos e à tarde levou com um sol bastante quente.
Há muita energia e sorrisos nos rostos dos voluntários da JMJ. E somos agradavelmente surpreendidos por várias inscrições de voluntários de última hora, o que é um ânimo.
A chamada “equipa engenhocas” que foi destacada para intervenções “SOS”, composta por elementos com jeito para trabalhos manuais e bricolage, fez a montagem de chuveiros e estuda a colocação de lonas para podermos oferecer zonas de sombra aos peregrinos de Linda-a-Velha, no adro da igreja.
Pelo meio, os elementos do COP vão resolvendo pontas penduradas, sempre atentos à chegada de e-mails (enviados por peregrinos, voluntários, equipas de animação dos Rise-Up’s e COV).
A cadência de chegada de informação é volumosa e o esforço é grande para que nada escape. Mesmo assim, há coisas que ficam para trás.
“Minions” em Linda-a-Velha!
As t-shirts dos voluntários fazem com que o número de “criaturas amarelas” em redor da zona da igreja pareça que Kevin, Stuart e Bob dos “Minions” (os Mínimos do Grou) tenham chegado a Linda-a-Velha. Para já, ainda sem desgraças!

Na missa de envio, uma espécie de bênção de famílias de acolhimento, voluntários e peregrinos da própria paróquia (os jovens do Say Yes), sentiu-se um forte espírito de comunidade no ar, com a JMJ a ter, desde já, um efeito agregador: pessoas que, numa situação mais comum, não trocariam conversas, mesmo estando na mesma paróquia, confraternizam entre si, devido ao que as une e à vontade de ajudar. Nota-se que as pessoas estão contentes por participar ativamente. E sentem-se úteis por estarem a servir, independentemente da tarefa que estão a realizar ou do cargo que ocupam.

O jantar partilhado que se seguiu, com a presença dos jovens do grupo de jovens do Say Yes, reforçou esta união. Para divertimento geral, quem também chegou ao início da noite a Linda-a-Velha foi Maria, após apressadamente sair de sua casa, para visitar a sua prima Isabel. Em cima de um burro improvisado e com um guarda-roupa que uma produção cinematográfica invejaria, Maria e Isabel (de nome verdadeiro a interpretar as figuras bíblicas homónimas) causaram furor, sendo procuradas para fotos para Instagram.

Com a noite a avançar e já com o cansaço a colar-se ao corpo, batem à porta os três peregrinos dos Camarões! Referiram que a viagem foi fantástica e saudaram o acolhimento muito caloroso que aqui tiveram, tendo o alojamento ficado garantido. E a felicidade de estarmos a acolher os primeiros peregrinos fez esquecer o “problema” que foi o facto de terem chegado mais cedo. É o mote para o que virá amanhã, com a primeira vaga grande de peregrinos JMJ: cerca de 800. Cá estaremos para os acolher!

Já depois da meia-noite recebemos um e-mail a pedir para que, no momento de check-in, informássemos os grupos que os locais de catequese/Rise-up’s que aparecem no voucher eram meramente indicativos e que, em alguns casos, nem sequer vão existir. A recomendação é que, pelo sim, pelo não, os peregrinos devem consultar esta informação na app da JMJ Lisboa 2023. Seguimos para o descanso a pensar que as surpresas serão muitas!
No raiar do dia, os três peregrinos dos Camarões visitam-nos com um sorriso rasgado, agradecendo o acolhimento na véspera (ou melhor, há umas horas atrás apenas…). São padres!
Começam a chegar os primeiros de cerca de 800 peregrinos que se esperava que chegassem durante o dia de hoje. Esse primeiro lote corresponde a um grupo internacional de venezuelanos, vindos de diferentes países. Eram cerca de 24. Não eram muitos, o que até foi bom, pois ajudou a afinar a máquina do check-in que é feito através de uma validação feita online, numa plataforma criada para o efeito.

Ao longo do dia foram chegando jovens em grupos, não muito numerosos, e até espaçados no tempo, o que também jogou a nosso favor. Foi um alívio, (“ufa!”) no meio de um “lufa, lufa”! México, Argentina, Chile, Porto Rico, Espanha são países que começam a “invadir” Linda-a-Velha. Há festa no ar e a língua espanhola começa a dominar.
Começam a chegar os primeiros de cerca de 800 peregrinos! A JMJ está mesmo a acontecer!
Um peregrino hispânico, padre, dirigiu-se, na altura do check-in, para a responsável pelos voluntários do COP a dizer-lhe que a conhece. A pivot, que tem uma cabeleira enorme encaracolada, fica sem reação, a pensar quem é e de onde é que ele a conhece, já que nunca o tinha visto. “Conheço-te do vídeo que vocês fizeram para o Facebook a dar as boas-vindas aos peregrinos. E tu, com esse cabelo mesmo grande!”. É o efeito redes sociais a criar uma rede de relações fraternas, como costuma referir o pároco Diamantino Faustino.
Um grupo de argentinos que era esperado em Linda-a-Velha tarda a chegar. Ficamos a saber que, como traziam muitos menores, demoraram mais no controlo fronteiriço a validar documentação e autorizações.
Nisto, um responsável da Câmara telefona-me. Queria falar com o pivot da logística do COP porque um grupo de peregrinos que tinha saído de Linda-a-Velha em direção a Porto Salvo e que dissera que ia passar no Intermaché, não chegava. A Polícia Municipal estava à espera desse grupo e não havia maneira de darem alvíssaras.
Nem temos tempo de digerir este tema e outra pequena crise tem de ser resolvida: um coordenador de um grupo aparece a pedir 150 pulseiras (metade das que lhe tinham sido entregues), 24 credenciais e 30 passes de transportes. “Como raio é que perderam 150 pulseiras?!”: a pergunta fica a ecoar nas nossas cabeças. A solução foi fazer novas pulseiras até porque não havia tempo para divagações e era preciso “resolver assuntos”. Para as credenciais, os peregrinos têm de se deslocar à Universidade Católica.
Quando algum grupo mais carregado chega e tem de se deslocar para uma escola, as mochilas são colocadas na carrinha da paróquia. Os jovens seguem a pé. Raramente é necessário um guia para os encaminhar. A navegação dos smartphones leva-os sem sobressaltos.
O empenho de todos os elementos das várias equipas criadas pelo COP para organizar a JMJ em Linda-a-Velha é notório, mostrando um quase profissionalismo (“podíamos criar uma empresa para eventos”, ouve-se a certa altura, entre risos). E quando os assuntos não eram resolvidos de imediato, os sorrisos e a atenção para os nossos visitantes hispânicos superavam qualquer dificuldade.
Com o dia 30, domingo, já a misturar-se com abundância com a segunda-feira, deixo de ter tempo para atualizar o diário JMJ… diariamente. Digo para alguém que será mais… um “diário semanal!”

As primeiras horas de segunda-feira dão ainda continuidade ao trabalho das últimas horas de domingo para tudo o que é equipa envolvida no acolhimento dos jovens.
No check-in prepara-se o dia de amanhã (que já é hoje!) com a lista das chegadas previstas, nas escolas acomodam-se pessoas e as equipas de voluntários articulam a distribuição de tarefas e funções por pessoa, considerando que daqui a pouco tempo chegará o pão do pequeno-almoço para distribuir.
É o início de uma semana com poucas horas de sono. A coordenadora do COP tem ainda de seguir no seu carro, ao estilo dos “Follow me” dos aeroportos, a indicar o caminho para os autocarros que transportavam o grupo dos peregrinos argentinos que tinha, horas antes, ficado retido pelas autoridades que queriam (e bem) validar os documentos e autorizações dos menores que traziam. De seguida, o seu “Follow me” levou os motoristas ao local onde iriam dormir e só depois, em modo autómato, seguiu para encostar um pouco a cabeça. O sol acordaria pouco tempo depois.
Um grupo de 300 peregrinos trouxe uma cozinha consigo! Onde vamos instalá-los?!
Este haveria de ser um dia cheio de imprevistos. O mais insólito envolve um grupo de cerca de 300 peregrinos que chega com a casa às costas. Não é literal, mas é quase literal. Isto porque vieram mesmo com uma cozinha consigo (fogão, arcas frigoríficas, armários, alimentos). Vinham preparados para cozinhar, já que não compraram o pack dos peregrinos com alimentação. Problema: iam ser alojados numa escola, onde estava proibido que pudesse ser feito este tipo de “aventuras”. Mais telefonemas, mais tentativas de encontrar uma solução. Chega-se a um compromisso: ficam instalados (para dormir) na escola e a “casa andante” que trouxeram segue para umas instalações da paróquia. A equipa “engenhocas” da paróquia, composta por verdadeiros mestres de obra para desenrascar, tratam de conceber um sistema de água e eletricidade para lhes garantir condições para terem a sua cozinha.
Entretanto, a equipa que se encontra na Escola Amélia Rey Colaço, onde pernoitam 900 pessoas, informa que o papel higiénico está a terminar. Falamos com a Câmara e com a Junta de Freguesia para saber se, com brevidade, nos podem ajudar. A Junta de freguesia ajuda-nos e com rapidez faz-nos chegar cinco paletes. Há ainda oito doseadores de sabonete que têm de ser repostos.
Há nove espaços de dormida coletivos em Linda-a-Velha, agrupados em quatro zonas. Cada zona tem um chefe de equipa.
Há nove espaços de dormida coletivos em Linda-a-Velha, agrupados em quatro zonas. Cada zona tem um responsável com autonomia para resolver os problemas que aí surjam. O contacto com a pivot dos voluntários é em última instância para que possa estar operacional para apagar outros “focos de incêndio”… que acabam sempre por aparecer, mas que acabam também, com maior ou menor dificuldade, com maior ou menor envolvimento de meios, por serem apagados.
Dos nove locais de dormida, quatro são também locais de pequeno-almoço. E aí tudo acontece em simultâneo. Há uma equipa de distribuição de pequeno-almoço composta por onze voluntários. A equipa (batizada de “Cereal Integral”) descarrega o camião que traz os itens do pequeno-almoço, por volta das 06h, separa pelas quantidades necessárias em cada espaço e leva a comida a cada um dos locais.
Aí, os voluntários JMJ ensonados e doridos que passaram a noite são reforçados por caras sorridentes e frescas de outros voluntários especificamente encarregues de distribuir os pequenos-almoços.
A equipa dos pequenos-almoços distribui a refeição entre as 7h e as 8,30h. A “linha de montagem” está definida, havendo um pequeno-almoço “normal” e outro para alergicos. A organização mostra ser uma máquina afinada. Cada um sabe o que tem de fazer, em que local e a que horas. Nenhum dos intervenientes é profissional em organização de eventos, mas o afinco e dedicação que coloca supera tudo.
As horas passam velozmente e, chegada a hora do almoço, a “equipa paparoca” insiste que os voluntários façam as refeições a horas. Porém, o núcleo duro do COP, que quase não dorme, resiste a sentar-se à mesa, já que está sempre a ser solicitado. Resultado: praticamente não come (ou come fora de horas): é a dieta JMJ!
Entretanto, dada a afluência de peregrinos, é necessário ir à sede da JMJ para comprar terços, t-shirts e colares para ficarem disponíveis no posto de atendimento. Pouco tempo depois de regressarmos, começam as urgências ortopédicas: um pé partido e duas entorses em peregrinos do mesmo grupo.

O organigrama das urgências médicas feito pelo COV ajuda a perceber os procedimentos a tomar e acaba por ser necessário chamar duas ambulâncias que encaminha os feridos para o hospital. Nada de grave. O responsável desses peregrinos venezuelanos até brinca com a situação: “Eles não sabem caminhar!”.
Como tem sido habitual, o COV está superorganizado e na semana crítica da JMJ, envia escalas diárias de contactos para os assuntos mais urgentes, embrulhadas sempre em simpatia: “Olá a todos!! Esperemos que estejam frescos e fofos!!”.
Mesmo que fosse um assunto delicado, depois deste tipo de frases, era impossível não ficar “fresco e fofo”, mesmo se não estivessemos!
A escala de contactos destina-se a gerir melhor o trabalho e para “não acabarmos malucas”, como referem os três elementos do COV que lidam mais de perto com as paróquias e na distribuição das tarefas ficam com quatro paróquias cada um.

Em Linda-a-Velha, a afluência de peregrinos durante a tarde aumenta. É o dia em que recebemos mais peregrinos. A equipa do check-in (batizada de “Sorriso Colgate”) está em grande, não se atrapalhando.
São dez as duplas escaladas para o check-in. Para evitar aglomerações na sala do check-in da JMJ, a validação dos nomes de cada grupo é feita com o responsável do grupo. Face às informações de que dispomos, são conferidos os dados do grupo e o número de elementos que o compõe. O check-in é feito em computador. Em função do espaço de dormida de cada grupo, as pulseiras são pintadas com uma cor específica e entregues (as pulseiras estão em branco, tendo os voluntários de fazer uma risca em cada uma com a cor associada ao espaço).
A PSP vai passando pela zona da igreja e pelos espaços da freguesia para perceber se tudo corre bem. Converso com dois agentes de uma das patrulhas e explico-lhes como é feito o check-in. Após ouvirem, comentam: “Ah, está tudo bem organizado!”.
Pelas ruas passam grupos de países que não estão alojados em Linda-a-Velha e que fazem a festa. Um deles é da Nova Caledónia, território francês que abrange dezenas de ilhas no sul do Oceano Pacífico. Alegria não lhes faltava, como se pode espreitar neste curto vídeo:
Intervalo para ver o Musical Dom Bosco
Aproveito e faço uma pausa no trabalho paroquial e vou assistir à ante-estreia da peça de teatro musical Dom Bosco, que o Musicentro dos Salesianos de Lisboa preparou para a JMJ sobre o fundador dos Salesianos e um dos patronos desta JMJ Lisboa 2023. São 90 minutos de representação que deixam todos rendidos, incluindo o Reitor-Mor dos Salesianos, P. Ángel Fernández Artime que, subiu ao palco e aplaudiu um “espetáculo de grande qualidade” e “fiel aos factos históricos”.
A encenação, uma adaptação do original italiano “Don Bosco, il musical”, decorreu no Auditório dos Oceanos, do Casino de Lisboa, situado no Parque Expo.

Apesar de recear deparar-me com eventuais cortes de vias, não tive quaisquer problemas no caminho de ida e regresso.
De novo, em Linda-a-Velha, o check-in prolonga-se até à noite, com um grupo de Porto Rico a chegar às 22,30h.
Vários membros do COP (entre os quais eu próprio) e alguns voluntários vão já dormir aos locais de alojamento dos peregrinos.
Nestas equipas “Sonecas” (como foram batizadas pela pivot dos voluntários), estão empenhadas 19 pessoas, entre as quais eu. E aqui começa uma aventura que entrou já pela madrugada de 1 de agosto!

Os voluntários que dormem nos espaços de acolhimento tinham a incumbência de assegurar o silêncio às 00:00; a alvorada dos peregrinos; prestar auxílio nalguma situação que possa ocorrer; e, idealmente, ajudar na distribuição do pequeno-almoço.
Quando chego ao “Palhaço”, já é perto da meia-noite. A chefe da equipa dos voluntários no local está a aguardar a chegada do grupo de 100 espanhóis que tinha sido ali alojado. As horas passam e ninguém aparece. Tic, tac, tic, tac. E nós carregados de sono. A chefe da equipa dos voluntários vai para a Academia Recreativa, espaço que supervisiona também, mas mantêm-se de WhatsApp ligado para saber novidades deste grupo espanhol. Troco mensagens – na Academia já se ouve a ressonar. Aqui, nem por isso!
Tic, tac, tic, tac. Às 02,30h começam a chegar os primeiros espanhóis desse grupo. Eram, no entanto, apenas cinco! Faltam todos os outros! Tinham estado num evento que reuniu toda a comitiva de Espanha. Como decorreu em Cascais, demoraram a chegar, já que tiveram de apanhar o comboio e autocarro.
Hora de deitar? Não! De tomar banho!
Tic, tac, tic, tac. Às 03h00, o grupo está completo e começa a dividir-se pelas várias divisões deste jardim infantil. Tic, tac, tic, tac. Vêm cansados. Porém, em vez de se deitarem (daí a quatro horas tinham de tomar o pequeno-almoço), dizem que querem tomar banho.
Tic, tac, tic, tac. Como só há dois duches disponíveis, optam por tomar banho com três mangueiras que se encontravam no exterior para a rega da relva. Os ponteiros do relógio avançam ainda mais depressa e o reboliço na creche não abranda, com os banhos e a acomodação. Parece de manhã, mas é de madrugada! Estou sem reação.
Os responsáveis do grupo perguntam se podem ficar mais tarde do que as 08h, já que se estão a deitar mais tarde. “Não é possível”, informamos. A este jardim infantil vem tomar o pequeno-almoço quem está também a pernoitar na Academia e às 09h, os espaços têm de ficar vagos para a equipa das limpezas começar a trabalhar. Acabamos por conceder uma tolerância de meia-hora: saem às 09,30h, acordamos.
Tic, tac, tic, tac. Só de pensar que era suposto à meia-noite haver silêncio… Às 03,30h, já sem posição, decido deitar-me. Às 04h ainda se ouvem os duches. Apago. Às 06h, desperto e vejo a minha colega de vigília sentada ao pé do seu saco-cama. Acordou com um bicharoco a passar-lhe a um palmo da cara e já não dormiu mais. Levantamo-nos aos “esses”, com duas horas dormidas.
Barricado numa creche!
Às 07h, chega a equipa da distribuição do pão. Eu e a minha companheira de turno no “Palhaço” descrevemos o que sucedeu e seguimos para as nossas respetivas casas para tomarmos banho e sermos rendidos. Nisto, o improvável acontece. Pelas 07,15h, o responsável do grupo diz que só vai acordar os seus elementos às 09h e empurra os voluntários para fora da creche e fecha as portas para ninguém entrar! A coordenadora do COP desloca-se para o local.
A situação ameniza-se e às 8,40h, o grupo começa a levantar-se. Por azar, faltam 24 pacotes de leite ou sumo para distribuir. O grupo reclama. Assumimos a falha e prometemos que no dia a seguir haverá pacotes para todos. De resto, como há pão, maçãs e barritas suficientes, os peregrinos levam esse reforço alimentar.
Terminada a distribuição dos pequenos-almoços, entram em campo as equipas das limpezas, igualmente incansáveis. Nove espaços para limpar colocam no terreno um batalhão de 82 voluntários.
Muita gente, muitas mãos a trabalhar e a cooperar! Este rol de 82 voluntários durante o dia fica disponível para apoiar o que for necessário. São os (eficientes) minions de serviço, sem os quais seria impossível dar resposta aos 2450 peregrinos de onze nacionalidades que recebemos.
Nem sequer era uma questão de a máquina funcionar mal; era mesmo uma questão de a máquina não funcionar. O envolvimento da comunidade é grande, indo além do habitual circuito paroquial.
Dada a insuficiência de duches, o diretor do Ginásio Kalorias em Linda-a-Velha prontificou-se a ajudar, fazendo parte da rede de apoio aos peregrinos, bem como as Piscinas Municipais de Linda-a-Velha. Quem usou estes espaços, ficou grato!
Neste 1 de agosto, à tarde, é celebrada a missa de abertura da JMJ, presidida por D. Manuel Clemente, no Parque Eduardo VII (“Colina do Encontro”, como foi apelidado). Há voluntários que vão, mas outros, incluindo parte do staff do COP (como é o meu caso), não vão, pois o trabalho de organização exige que fiquemos pela paróquia.
Por ser responsável pelos Rise-Up’s da JMJ que se iriam realizar em Linda-a-Velha nos três dias seguintes, peço à chefe da equipa dos voluntários daquele espaço para me dispensar de ir dormir ao “O Palhaço”, dado que preciso de ultimar os últimos aspetos dessas catequeses e estar fresco para a manhã. Pedido aceite. De resto, a sua generosidade fez com que me dispensasse de dormir nesses locais o resto da semana, algo que foi bom, pois os Rise-Up’s eram sempre de manhã e, como se verificaria, implicavam muito trabalho.
Os dias são longos e instalam-me a sensação de que pareço estar a viver um dia único, que leva já dezenas de horas contínuas. Começo a ter dificuldade em me lembrar o que fiz hoje, ontem ou anteontem, dada a quase inexistência de intervalos entre cada dia.

Como pivot da Pastoral tinha a meu cargo os Rise-Up’s, catequeses dadas por bispos no idioma dos peregrinos (no nosso caso, língua espanhola).
Em Linda-a-Velha, seriam três os locais onde tudo decorreria, das 9,30h às 12,30h: Igreja de Nossa Senhora do Cabo, Jardim dos Aciprestes e Jardim do Alto de Santa Catarina (este aqui, embora não fosse território nosso, Algés pediu-nos ajuda para organizarmos o evento, já que tinham a seu cargo três outros Rise-Up’s – nas igrejas de Miraflores, Algés e no Parque Urbano de Miraflores).
Tínhamos, assim, três Rise-Up’s em simultâneo em três locais durante três dias, com três temáticas: ecologia integral (2 de agosto), amizade social (3 de agosto) e misericórdia (4 de agosto).
Depois de algumas indefinições motivadas pela atribuição a Linda-a-Velha de um local que, afinal, não estava previsto, recebemos a informação final do COV (que, por certo, já não me podiam aturar, tantas vezes lhes liguei!) e do COD de quais seriam os bispos e as equipas que iriam garantir a dinâmica de cada Rise-Up.
Equipa Uber ao serviço de 9 bispos!
No meio disto tudo, há uma tarefa invisível, mas crucial que é preciso assegurar: o transporte dos bispos. São três bispos para três locais por dia. Total: nove bispos. Tenho a incumbência de coordenar a “equipa Uber” dos voluntários. Tenho dois motoristas e eu seria o terceiro, mas era cenário que não me agradava, pois precisava de estar disponível para acompanhar os três Rise-Up’s. Mas não havendo mais ninguém eu assumiria isso. Há, contudo, um ex-colega de trabalho e paroquiano, que, de modo quase casual, me diz que está disponível para ajudar. E até está com um automóvel novo! “Ouro sobre azul”: está encontrado o terceiro condutor Uber!
Comunico ao COD as identificações finais dos três voluntários “Uber”. A cada dia, vou entregando à equipa de condutores quais as horas e os locais onde têm de se apanhar os bispos, bem como as credenciais que os autorizam a circular, numa semana que se prevê repleta de cortes de trânsito.
O trio de condutores Uber de Linda-a-Velha assegura aos bispos um serviço pontual e caloroso (embora com ar condicionado ligado, pois estava demasiado calor, e houve até, pelo menos, um bispo que pediu para o débito do ar do carro ser o mais forte e mais fresco possível!).
Esta improvisada equipa Uber foi outra que pareceu que sempre tinha feito este serviço. Chegando sempre com antecedência ao local de recolha, também chegam mais cedo aos pontos dos Rise-Up’s, primando ainda por levar primeiro os bispos a conhecer a paróquia, verem as “suas gentes” e beber um café. Tratamento VIP, com tempo para tudo! As viagens de regresso dos bispos correram sobre rodas e apenas um condutor teve de mostrar a sua credencial à polícia (e logo por três ocasiões)! Autorização exibida, algumas perguntas feitas e foi só seguir.
Afinar locais para os Rise-Up’s da JMJ
Nas semanas e dias anteriores aos Rise-Up, contactámos município, Junta e Fundação Marquês de Pombal para tudo ficar o mais claro possível quanto aos locais em que as estruturas seriam montadas.
Foi ainda necessário perceber junto das equipas de animação de cada um destes Rise-Up’s (vindas do Chile, Nicarágua e Paraguai) que materiais necessitariam para desenvolverem as suas dinâmicas e perceber se a paróquia tinha meios e equipamentos suficientes para três celebrações eucarísticas, em simultâneo. Munido da lista do que era necessário, o pároco, o Padre Diamantino, viu o que tínhamos e o que precisávamos de pedir emprestado, comprar ou até construir.

Como o Rise-Up do Alto de Santa Catarina era uma organização conjunta com Algés, ficou combinado que de Algés vinha o altar, a cruz, velas, uma imagem de Nossa Senhora e respetivo suporte, panos do altar, um ambão e cinco píxides. Linda-a-Velha fornecia os paramentos, cadeiras, oito píxides, cálices, lavanda, cabides, hóstias, galhetas, vinho e água.
Para os outros dois locais (igreja e Palácio dos Aciprestes), Linda-a-Velha tinha alfaias suficientes. Problema: palco e sistema de som para o Palácio dos Aciprestes e Alto de Santa Catarina. Onde arranjar? A Câmara estava com limitações de meios, pois tinha de dividir recursos por várias freguesias que também estavam a trabalhar nos seus eventos. Apesar da disponibilidade que sempre manifestou, a autarquia, neste ponto não nos pôde acudir. A nossa tábua de salvação foi a Junta de Freguesia que conseguiu disponibilizar um palco de 4 x 4 metros para o Alto de Santa Catarina. E como era eu que estava mais em contacto com a Junta de Freguesia, e Algés debatia-se com falta de meios, solicitámos um extra à Junta que voltou a providenciar: um segundo palco de 4 x 4 metros, para uso da paróquia de Algés (para o Parque Urbano de Miraflores).
E como tudo se resolveu?
A Junta garantiu ainda três sistemas de som: dois para os Rise-Up’s de Linda-a-Velha (Alto de Santa Catarina e Palácio dos Aciprestes); e um terceiro para Algés (Parque Urbano de Miraflores). Tudo se estava a encaminhar! E, cereja em cima do bolo, o derradeiro pedido que fizemos à Junta de Freguesia também foi satisfeito: uma pequena tenda branca para servir de sacristia, no Alto de Santa Catarina e no Parque Urbano de Miraflores. Sem falha, os funcionários da Junta montaram na antevéspera do primeiro Rise-Up os palcos e as tendas.
Para o Palácio dos Aciprestes, o pároco falou com a equipa “engenhocas”, a qual consegue improvisar em tempo recorde um estrado, assente em paletes. A responsável da Fundação Marquês de Pombal, que gere o Palácio dos Aciprestes, vê a proposta e aprova, disponibilizando também com simpatia o interior do palácio para, diariamente, guardarmos tudo, para na manhã seguinte termos tudo já à mão para se montar. E isso facilita imenso a logística! Para o Palácio dos Aciprestes, é, deste modo, necessário fazer apenas um carregamento de todo o material, com a equipa de voluntários que se empenhou na tarefa a ser incansável e a fazerem-no sempre com boa disposição.
Os acolhimentos estão concluídos, a equipa de check-in cessa as suas funções e passa a poder estar disponível no que for preciso.
Como são três Rise-Up’s a acontecer em simultâneo e como não consigo estar em três sítios ao mesmo tempo a apoiar, dois elementos do COP ficam a acompanhar a catequese do Palácio dos Aciprestes, o prior de Linda-a-Velha garante o Rise-Up da igreja e eu fico com o jardim do Alto de Santa Catarina.
O feedback do Rise-Up na igreja e do Palácio dos Aciprestes é muito positivo, com os bispos num registo informal a conseguirem comunicar de forma muito próxima dos jovens.

A equipa que está no local garante canetas de filtro, cartolinas e uma guitarra para a animação pedida. Nos Aciprestes aproveitam-se os momentos para dançar e conviver.
O local com a logística mais complicada
No Alto de Santa Catarina, a logística era mais exigente. Por ser um espaço ao ar livre, havia necessidade de todos os três dias tudo ser montado e desmontado. As coisas não podiam ficar na rua, com exceção do palco, da tenda e do altar trazido por Algés que parecia que tinha o peso de três elefantes.
Diligente, a equipa Engenhocas trazia numa carrinha de caixa aberta tudo o que era material. Ao início da manhã, carregava na igreja e descarregava no jardim; ao final do Rise-Up, carregava para a carrinha e descarregava para a igreja. Um vai-e-vem todos os dias. Durante três dias (2, 3 e 4 de agosto).
Também os elementos da Junta não escaparam à tarefa de diariamente montar e desmontar o sistema de som no Alto de Santa Catarina. No local, ajudavam ainda a colocar música (usando os seus smartphones para colocar o hino da JMJ ou outros cânticos em língua espanhola a tocar) e, quando o evento terminava, tinham a simpatia de me fazer companhia, enquanto eu aguardava pela chegada da carrinha de caixa aberta para transportar o material todo. E atendendo a que, no primeiro dia das três catequeses, houve quatro raparigas a passar mal com o calor, uma delas a desmaiar (o que levou a chamar o 112), no segundo dia de Rise-Up a Junta montou uma segunda tenda para dar sombra a alguém que se sentisse indisposto.
As Guias do “Phineas e Ferb” vieram ajudar-me!
Como eu estaria sozinho no Alto de Santa Catarina, a coordenadora dos voluntários tinha-me dito que eu teria um grupo de Guias espanholas para me ajudar. Era uma boa notícia. Todavia, o nível de ajuda que este grupo de Scouts me deu ultrapassou tudo. Eram dez escuteiras de Madrid. Apareciam cedo, sempre fardadas com a sua camisa azul e os seus lenços de escuta vermelhos e uma braçadeira amarela com a inscrição “Volunteer”.

Perguntavam o que eu precisava e ajudavam a fazer tudo: distribuir cadeiras, carregar as colunas de som e os tripés dos microfones, levar as alfaias da missa, estender as toalhas no altar, colocar o ambão e até, a certa altura, ligar os seus smartphones à aparelhagem para criarem música ambiente. Ajudavam na montagem e na desmontagem. Irrepreensíveis!
O que mais houvesse necessidade, este grupo que se chama Nuestra Señora de Fátima dizia presente. O que eu precisava, bastava pedir-lhes que logo se prontificavam na hora. Simplesmente incríveis pela sua disponibilidade. Com este espírito de equipa, tivemos de fazer uma selfie!

Como não falo espanhol, sempre que se impunha fazer um qualquer aviso, como pedir aos jovens que se aproximassem do palco ou para os informar que se podiam confessar num dos sacerdotes que estavam no local, nas cadeiras colocadas (“sillas”, aprendi a dizer!), pedia-lhes que fosse uma delas a falar aos seus “hermanos” de língua espanhola. Isto para evitar que os peregrinos, que se iam juntando no jardim, se começassem a rir se me ouvissem ao microfone a arranhar “portunhol”!!
Também durante a missa, quando foi necessário, seguraram o microfone e na dinâmica da construção de uma casa com estacas e cordas deram uma ajuda.

No segundo dia de Rise-Up, um autêntico vendaval abateu-se sobre o jardim do Alto de Santa Catarina. Tudo esvoaça e, para a missa, mesmo objetos pesados abanavam, tal a força do vento.
Quando dou por mim, as Guias tinham desencantado duas traves algures e colocaram-nas por trás da cadeira onde o bispo se senta, servindo de travão! “Uau”, exclamo! “Somos Scouts”, respondeu-me a chefe, a sorrir!
Elas só me faziam lembrar as Guias dos desenhos animados “Phineas e Ferb”, lideradas por Isabella!
No final do segundo dia de Rise-Up (5ª feira), o grupo das Guias diz-me que na sexta-feira – seria o 3º e último dia dos Rise-Up – tinham de servir noutro lado, para onde tinham sido destacadas. Despeço-me delas com tristeza, dizendo-lhes que elas “rebentam a escala da pontuação” do espírito escutista!
Nos eventos centrais JMJ, este 3 de agosto (quinta-feira), é o dia do acolhimento ao Papa Francisco, no Parque Eduardo VII. Os elementos do COP que vão descrevem a imensa alegria que se sente no ar, de resto, bem patente neste apontamento de vídeo:
No dia 4 (sexta-feira) é a Via Sacra, com o Papa, novamente no Parque Eduardo VII. Por causa do trabalho na paróquia, apenas consigo espreitar pela televisão alguns momentos das duas cerimónias. Imagino que deve ser incrível estar ali. Mas no sábado, já conto viver “in loco” o encontro com o Papa, no Parque Tejo. Eu e mais 1,5 milhões de pessoas!

Perto das 02h, a responsável do COP diz que tem pulseiras azuis para a equipa poder estar na vigília com o Papa. As pulseiras azuis davam acesso a uma das zonas mais perto do altar, a A6! O nome tem a coincidência de ser o mesmo de uma autoestrada (Marateca-Caia) e é isso que também sentimos: caminho aberto para estar mais perto de Francisco. Ficamos eufóricos no COP com isso, ainda que, as nossas pulseiras só sirvam para este dia.
Amanhã, domingo, esta zona onde iríamos estar, seria reservada para os padres para a missa final (do Envio). Mas usufruir da vigília perto do altar-palco já era “top”.
Esse cenário dá mais ânimo a toda a equipa para aguentar os grupos que continuam a chegar tarde aos espaços de pernoita (vários às 03h e outros mesmo às 07h) e a prosseguir a rotina matinal de acordar peregrinos, distribuir pequeno-almoço e limpar. Esta é a última noite em que os jovens passam nos espaços onde pernoitaram. Sente-se uma descompressão do nosso lado.
Depois de, na noite anterior, ter ajudado a arranjar um autocarro para um grupo de colombianas para se deslocarem para o Parque Tejo no dia a seguir, de manhã certifico-me que o bus aparece e corre tudo bem. Despedimo-nos e elas agradecem, chamando-me em jeito de brincadeira “San Pablo” e dizendo que deixaram uns “recuerdos” para mim, na sede do COP.
Já há muitos peregrinos que começam a ir-se embora e pelas 13h, o próprio COP começa a rumar para a zona oriental de Lisboa. Vai ser o primeiro evento que muitos de nós vamos assistir numa semana de JMJ!
Há quem vá a Roma e não veja o Papa; nós tivemos o Papa cá e quase não o víamos!
Depois de apanhar um táxi, chego à zona da Gare do Oriente. O calor é insuportável e o percurso feito a pé, sempre sob calor forte, é cansativo, ainda para mais porque levo comigo um saco-cama e uma mochila com alguns alimentos e água.
Há já milhares a percorrer as estradas, como se fosse um rio a desaguar para o mesmo local. Um rio de gente, com bandeiras variadas. Há quem pare, nalguma sombra, para tentar retemperar energias. Por fim, após exibirmos a nossa fita azul, entramos no recinto, no Campo da Graça como foi apelidado pela organização da JMJ.

O setor A6 está mesmo em frente ao palco!!

Sento-me ao lado dos outros membros do COP (temos direito a cadeiras) e aproveitamos para circular um pouco para ver o ambiente, encontrando ainda algumas pessoas conhecidas, do COV e de outros COP da vigararia de Oeiras.
Numas torneiras que tinham sido instaladas, reabastecemos as garrafas de água e refrescamo-nos. O sol é tórrido e tiramos uma foto junto ao palco.

Num pequeno giro que fazemos quando ainda nenhuma cerimónia tinha começado, abeiramo-nos do gradeamento que separa o setor A6 do A10, a partir de onde começava verdadeiramente o recinto da JMJ que “albergava o mundo”: a imagem é avassaladora. Milhares e milhares de pessoas, ao longo de um terreno a perder de vista. Não se via o fim.

No local ficamos a perceber a razão para o altar, inicialmente, ter sido projetado para ter uma maior altura: é que não tem visibilidade por ser demasiado baixo. Resta aos peregrinos espreitar para os ecrãs gigantes ali montados.

Os símbolos da JMJ (a cruz e o ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani) chegam ao local em procissão pelo rio e, nas zonas mais densamente ocupadas, há quem esteja deitado já.

Alguns dos elementos do COP também sucumbem à fadiga, adormecendo no chão devido ao esforço das últimas duas semanas.
As bandeiras dos mais diversos países, algumas que eu desconheço, pintam o cenário. Ficamos ao pé de uma bandeira dos Barbados (duas listas verticais azuis separadas por uma dourada, que contém um tridente negro). Alguém, na fila de trás, tenta dar indicações a um conhecido para tentar chegar perto do local. Não consegue descrever a bandeira. Oiço e viro-me, dizendo-lhe que diga que está ao pé de uma bandeira que parece o tridente dos automóveis Maserati (isto, partindo do pressuposto que conhece o emblema da marca, fico a pensar depois para mim!).

A certa altura, estamos a contemplar o rio e subitamente uma enorme quantidade de polícias desloca-se, em fila indiana, para a nossa frente, começando a formar-se também um cordão de voluntários: será que o Papa vai passar à nossa frente? Estamos na primeira fila!
O calor está mais brando e o vento sopra com intensidade, mas à nossa frente desmaia uma peregrina que é prontamente socorrida e retirada. Outros casos acontecem, ainda que eu não tenha presenciado.
Estar neste terreiro de 100 hectares é emocionante: a multidão imensa, o colorido, os sorrisos, a alegria e o mesmo motivo a unir todos.

Um agente da PSP que está neste cordão policial esclarece que não é pelo facto de estarem ali que o Papa irá passar. Os itinerários são definidos em cima do acontecimento pelos seguranças do Vaticano e só escassos elementos têm conhecimento. Um helicóptero vai sobrevoando o céu. Está a filmar e as imagens são transmitidas para os ecrãs gigantes.
Continuamos na expectativa que Francisco possa passar por ali. Contudo, o Santo Padre entra no recinto pelo lado oposto ao nosso! Veem-se pessoas a correr, mas já não conseguimos lá chegar. Pode ser que tenhamos sorte amanhã no encontro com os voluntários em Algés!
Já sob uma agradável brisa de final de tarde, a vigília é um momento belíssimo e intenso, com os testemunhos de fé de algumas pessoas, o arrepiante coro e o corpo de bailarinos (do Ensemble 23) a darem expressão ao sentimento de recolhimento.
Um momento alto surge quando, no azul escuro da noite, drones iluminados fazem coreografias, enquanto se ouvia a lindíssima voz da soprano Cecília Rodrigues.

De início é desenhado um coração e depois são escritas mensagens em diferentes línguas: “Levanta-te” é uma das palavras. “Segue-me” é outra.
Ouvem-se aplausos e ficamos a saber que o Vaticano estima estarem 1,5 milhões de pessoas no recinto.
Os jovens querem escutar o Papa que sublinha que os pais, avós, amigos, sacerdotes, religiosos, catequistas e professores são as raízes da nossa alegria. Francisco pede um momento de silêncio para que cada um pense “nas suas raízes da alegria”. Inevitavelmente, penso no meu pai e na minha mãe.
O Papa exorta quem o ouve a transportar uma “alegria que crie raízes”, procurando o diálogo com os outros: “O único momento em que é lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar-se [e enquanto diz isto, faz o gesto com o braço de levantar alguém]”.

A multidão vibra. O Papa repete a mensagem e faz a multidão repetir: “O único momento em que é lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar-se”.
Falando ao ouvido dos jovens, Francisco diz que “às vezes não temos vontade de caminhar, de fazer esforços”. Dirigindo-se à multidão, faz uma pergunta retórica: “Não sei se gostam de futebol, eu gosto [aplausos]: por detrás de um golo há muito esforço, muito treino. Na vida nem sempre podemos fazer aquilo que queremos. Devemos caminhar, se cairmos levantarmo-nos, e treinar, treinar no caminho. E tudo isto é possível, não porque façamos cursos, isto aprende-se com os pais, com os avós, com os amigos, seguimos de mãos dadas, isto aprende-se”.
Prosseguindo, Francisco declara que é importante “caminhar; se cairmos, levantarmo-nos, caminhando com objetivo; na vida nada é grátis, tudo se paga, só há uma coisa grátis: o amor de Jesus. Vamos caminhar com esperança! Olhamos para as nossas raízes e vamos em frente, não tenham medo!”, terminando com um “Obrigado! Tchau!”.
As palmas irrompem e começam todos a gritar, uns em espanhol, outros em português “Esta é a juventude do Papa!”.
É, então, trazida uma custódia gigante para a Adoração ao Santíssimo. O coro começa a cantar e o ambiente subitamente muda e a multidão serena. Entra a procissão com o Santíssimo e a imensa massa humana ajoelha-se. É um dos momentos mais incríveis: 1,5 milhões de pessoas em total silêncio. Nada se ouvia. Impressionante!

De seguida, há cânticos e Carminho interpreta “Estrela”, noutro momento avassalador. Está no fim a vigília e fico sem bateria no telemóvel. A minha filha está num dos setores “C”, bem longe de nós, mas muito bem acompanhada com os amigos do Say Yes, os animadores e o Pe. Sujith.
Temos de sair do setor A6 e como, na manhã seguinte, pelas 06h, temos de nos apresentar no setor A27 (já que seremos ministros da comunhão) optamos por caminhar até lá, após a vigília. Há muitas pessoas a deslocarem-se, grupos de peregrinos a dançar, cantar e tocar tambor.
Apesar da moldura humana, não sinto perigo, exceto numa ocasião em que num corredor de acesso me sinto apertado – jovens ocuparam com os seus sacos-camas as laterais desse caminho, afunilando a passagem. Quero progredir, mas nem para trás, nem para a frente. Começo a ficar preocupado. Felizmente, os apertos desvanecem-se, a coluna de gente avança e tento recompor-me do susto.
À medida que caminhamos, passamos por zonas que têm poças de água que criam lama. Chegados ao setor A27 não temos lugar para estender os sacos-cama.
Tentamos encontrar um pedaço de chão e, depois de darmos várias voltas, encontramos um retângulo livre num passeio. É tarde, estamos cansados. Abrimos os sacos-cama e deitamo-nos, sem esteiras. Por baixo está apenas o rugoso empedrado.

Há sempre alguém a passar e os holofotes estão ligados durante a noite inteira. Uma peregrina ao pé de nós tem uma venda nos olhos para tentar abstrair-se da luz. Foi sensata. Com o movimento incessante durante a noite, vamos adormecendo e acordando, adormecendo e acordando, mais vezes acordando do que adormecendo.

Às 05:45h, levantamo-nos, meio atordoados e com os olhos inchados. Temos de fazer o check-in na tenda do setor A27, destinada aos ministros da comunhão. Os nossos amigos de Linda-a-Velha que não dormiram no recinto estão no local, com um ar bem mais rejuvenescido. Eu até tenho dificuldade em focar.
À chamada do nosso nome pelo coordenador daquele setor para efeitos da distribuição da comunhão, dizemos presente. Recebemos umas últimas instruções e vou lavar-me e comer.
O sol nasce num cenário idílico.

Um DJ nos comandos: será David Guetta? Não, é um padre!!
De repente, o ar enche-se de música eletrónica. Um DJ está a passar música. Os ecrãs mostram o autor… tem camisa preta de mangas curtas e tem um cabeção! É um padre! Uau! Nessa semana, na paróquia, tinham-me falado de um DJ que era padre. E ele, afinal, tinha vindo à JMJ… atuar para 1,5 milhões de pessoas! DJ Padre Guilherme toma conta da mesa de mistura e, com a sua música tecno, enche o ar com batidas que ajudam a acordar.
O olhar de muitos é de surpresa por aquele mini-concerto de 27 minutos trazido por um padre, vindo das paróquias de Amorim e de Laúndos, na Póvoa de Varzim.
O serviço de despertar faz levantar os sacos-cama e nalguns setores há braços no ar a acompanhar o ritmo. No altar, padres e bispos sorriem e alguns tiram fotos, enquanto o DJ, sempre entusiasmado, põe música.
Na conta de Instagram do @padre.guilherme chovem elogios, vindos de todo o mundo. Alguém até brinca, afirmando que “esse vai ser o som do Hall de entrada do céu”!
Esta foi a playlist que criou e ficou disponível no Spotify:
No espaço de uma semana, o Padre DJ passa de 133 mil seguidores para 236 mil. Mais de 100 mil seguidores ganhos numa semana, à conta da sua performance na JMJ.
Já mais despertos, aproveitamos para esticar as pernas e, com as cores do amanhecer do Parque Tejo, percorremos a nova ponte pedonal sobre o rio Trancão, que une Loures a Lisboa. Mais uma vez, a vista daquele bloco denso de gente é indescritível.
Continuamos a caminhar e a pedido de um polícia saímos do cimo da ponte, sem que compreendamos a razão, e deslocamo-nos para o setor A27.
Papa a entrar!
Apercebemo-nos, então, de que o Papa estava a entrar no recinto! O papamóvel atravessa a ponte pedonal (onde minutos antes tínhamos estado!) e as pessoas agitam-se e correm para tentar aproximar-se da viatura que rola a uma velocidade maior do que na véspera. Francisco ia percorrer o recinto todo pelos estradões existentes, a saudar a multidão. Eu próprio corro e tento posicionar-me o melhor possível.
Há um trator com ar muito gasto e cheio de terra encostado junto de uma grade (“o que está um trator a fazer aqui”!, digo para mim próprio!). Fico hesitante, mas acabo por subir para cima dele. Fico num ponto alto. Pareço o Zaqueu num sicómoro improvisado. Começo a filmar e grito “olha, ele vem aí”, enquanto me equilibro, de pé, agarrando um ferro da cabine do trator. É mágico o momento, ainda que fugaz.
O papamóvel prossegue em direção ao palco e desço do empoeirado trator, reparando que não é um trator qualquer: é um trator Lamborghini!

Mais tarde, recebo um vídeo de alguém que conseguiu estar mais perto, fazendo essa partilha através de WhatsApp:
Ainda é cedo, mas o calor já é mais que muito e encharco a t-shirt de voluntário com água para suportar melhor a temperatura. A hora da missa (9h) aproxima-se e os voluntários centrais tentam que os peregrinos se levantem, que arrumem as suas tendas e sacos-camas para que seja possível criar corredores para a distribuição da comunhão.
Na homília, o Papa pergunta aos jovens: “Que levamos connosco ao regressar à vida quotidiana? Respondo com três palavras: resplandecer, ouvir e não temer”. E explica: “Resplandecer é amar como Jesus”, o que “nos torna luminosos” e nos leva “a fazer obras de amor”. Ouvir é escutar “o que diz Jesus, o que Ele diz ao teu coração”, com Francisco a alertar para “os egoísmos mascarados de amor”. “Finalmente a terceira palavra: não ter medo. Não tenhais medo. Não temais, não temais! Coragem, não tenhais medo!”.

Após a distribuição da comunhão, o Papa despede-se. A JMJ está no fim. Começa a debandada. Dos peregrinos para casa (a maioria) e dos voluntários para os shuttles que nos levarão até ao Passeio Marítimo de Algés, onde terá lugar o encontro com os “minions” da JMJ!
A chefe das Guias de Madrid que me ajudaram nos Rise-Up’s, passa, então, por mim, e diz “Hola”! Foi espantoso reencontrá-la, no meio de tantos milhares de pessoas!
No trajeto, troco o meu chapéu com uma italiana e ainda recebo mais uma ou outra lembrança de outros peregrinos. O ambiente é de festa. Todos confraternizam, como se todos se conhecessem há muito. Afinal, em todos estão gravadas as palavras proferidas, dias antes pelo Papa: “A igreja é para todos, todos, todos!”.
Em Algés, o calor é ainda mais insuportável. Por várias vezes, despejo água para cima de mim. Existe a hipótese de estarmos mais perto do gradeamento, no entanto, sinto que é impossível aguentar a temperatura escaldante.

Seguimos para uma sombra e para uma fonte, onde nos reabastecemos várias vezes. Mais perto das 16,30h, vamos para uma outra grade, mais na periferia do recinto. Será que é desta que o Papa passa por ali? Uma pessoa ao nosso lado, vê no telefone a transmissão televisiva para ver onde está o Papa. Francisco entra no recinto, mas mais uma vez estamos no lado errado!
Talvez à saída tenhamos mais sorte. Aos voluntários, o Papa diz que “sois uns valientes!”, acrescentando que, nestes dias de JMJ, os jovens enfrentaram uma “onda enorme, não de água, mas de jovens que afluíram esta cidade”. Aos voluntários agradeceu o trabalho e pediu para que continuem “a cavalgar as ondas da caridade” e para serem “surfistas do amor”.

À saída de Algés, conseguimos ver o Papa, a uns 100 metros de distância, na rotunda de acesso à CRIL. E embora estivéssemos do lado oposto onde passou de carro, foi, ainda assim, uma emoção grande.
O regresso a casa, a pé, foi penoso, dado o calor. O túnel ferroviário de Algés foi encerrado pela PSP, fazendo com que tivéssemos de ir até à Torre de Belém. Subimos o viaduto a pé, com um sol que fervia. Sem água (até quem vendia garrafas tinha esgotado o stock), umas voluntárias boas samaritanas encontravam-se à porta da sua casa, na rua de Pedrouços, a dar água aos voluntários que por ali passavam. Foi retemperador.
Mais um esforço e esta jornada da JMJ estava perto do epílogo. Já em casa, com o telefone na mão, cruzo-me com “memes” criados com o “sound bite” lançado por Francisco na JMJ (de que os jovens sejam surfistas do amor). Nessas bem-humoradas foto-montagens, era ver o Papa, cheio de estilo, em cima de uma prancha de surf!

Apesar da JMJ Lisboa 2023 ter oficialmente acabado a 6 de agosto, há todo um trabalho que tem de ser feito: limpezas e arrumações de espaços coletivos, não obstante ainda termos alguns (muito poucos) grupos de jovens que ficaram no dia 7 e 8. Na segunda-feira (dia 7) e terça-feira (dia 8), os voluntários disponíveis (muitos começaram a trabalhar) dividem-se pelos diferentes locais de pernoita.
Separamos plástico, vidro e papel do lixo, levamos aos recicladores, retiramos as fitas marcadoras do chão dos espaços, varremos, lavamos o chão, balneários e sanitas. Há uma grande quantidade de objetos que os jovens deixaram para trás, desde colchões e sacos-cama, a peças de roupa diversas, como t-shirts, roupa interior e chapéus, passando por mochilas e esteiras. Canalizamos para o serviço das Vicentinas na paróquia para distribuir pelos mais carenciados.
Retirar sinalética, voltar a colocar móveis no mesmo local, levar cadeiras para os mesmos sítios e salas onde estavam antes de tudo ter começado a ser preparado para receber os 2450 peregrinos em Linda-a-Velha são trabalhos para realizar. O cansaço acumulado é muito na equipa do COP e dos voluntários. Sinto o corpo todo “partido”. Até os músculos dos dedos das mãos me doem! Mas o sentimento é de dever cumprido e de alma cheia. Acredito, pela reação e comentários de outras pessoas, que isso seja extrensível a muitos dos mais de 25 mil voluntários que a JMJ teve, divididos entre centrais (na casa dos 10 mil) e paroquiais (mais de 15 mil), que prestaram serviço no acolhimento dos peregrinos nas várias paróquias (como foi o meu caso).

Balanço final
Viver a JMJ do lado da organização e como voluntário foi uma experiência única e inesquecível que superou largamente o enorme cansaço e as infindáveis horas de preparação, durante os dois últimos dois anos.
Fazer parte do COP significou lidar com muitos voluntários diariamente, nas mais variadas funções. Implicou trabalhar com o COV e outros COP. Significou, sobretudo nas últimas duas semanas, trabalhar sob pressão e fazer constantes diligências com variadas instituições e pessoas. No meu caso, contei 64 grupos ou contactos individualizados de WhatsApp que criei ou em que fui inserido por causa da JMJ. Isto diz bem da central telefónica que todos nos tornámos. E a remar para o mesmo lado.
Todos fizeram parte desta jornada interior que foi também a minha JMJ, tornando conhecidas pessoas desconhecidas e fazendo amigas caras que eram apenas conhecidas. Na paróquia e na vigararia.
Era preciso decidir, combinar e concretizar. E decidiu-se, combinou-se e concretizou-se. Umas vezes melhor, outras pior. Mas fez-se e as coisas aconteceram.
O espírito de entreajuda que se criou e a vontade “de ajudar o outro a levantar-se” deixou evidente que, independentemente do nível hierárquico que cada um ocupava na organização, estavamos todos na mesma barca e todos dependiam uns dos outros. E nem era preciso dizer, pois todos sabiam disso. Por isso, todos cooperaram e tudo funcionou.
“Todos, todos, todos” fizeram da JMJ um êxito. “Todos, todos, todos” construíram Igreja nesta JMJ, naquilo que foi um processo de crescimento interior de cada um. Seguramente, há um antes e um depois da JMJ para cada um dos envolvidos e para a vigararia de Oeiras, onde me insiro e onde trabalho. Tal como tinha acontecido com a inesquecível Expo’98, o mundo inteiro voltou a estar presente em Lisboa. E a “JMJ mostrou a todos que um outro mundo é possível, um mundo de irmãos e irmãs”, haveria de escrever o Papa. E não poderia estar mais certo!

