Em 2023 assinalam-se os 480 anos da chegada dos primeiros portugueses à ilha de Tanegashima (1543), Japão, dando início ao intercâmbio com os japoneses. Ao longo dos anos, a pegada nipónica em terras lusitanas tem-se tornado cada vez mais diversificada, estando fortemente associada à indústria das tecnologias. Exemplo disso é a Hitachi Vantara, que está presente em Portugal desde 2006, e que aposta na criação de valor para clientes e parceiros de todo o mundo, através da aceleração das suas soluções de inovação digital.
Conversa com Margarida Marques, Vice-presidente da Hitachi Vantara para a Europa Continental, sobre a relação empresarial e tecnológica entre Portugal e Japão, as diferenças no modo de trabalhar que separam as duas culturas e as perspetivas de crescimento futuro da Hitachi Vantara em Portugal.
O Japão é uma nação muito desenvolvida e tecnológica. Esta longa relação de amizade, de 480 anos, entre Portugal e o Japão tem vindo a ser aproveitada por Portugal para se desenvolver no campo tecnológico? Ou é algo que está subaproveitado, no seu entender?
Margarida Marques: Sem dúvida alguma que estes 480 anos têm sido de uma influência mútua dos dois países, a começar pela vasta partilha de palavras que existe entre as línguas portuguesa e japonesa, ou a partilha de sabedoria gastronómica, como a tempura, que introduzimos na cozinha nipónica. Ao nível empresarial, segundo dados da Embaixada do Japão, existem mais de 80 empresas japonesas a operar em Portugal – um número que tem vindo a aumentar em anos recentes. Neste sentido, acho que há imenso potencial ainda por explorar nesta relação, sobretudo quando pensamos no ambiente empreendedor português, que prima pela disrupção, e a liderança tecnológica já bem estabelecida de empresas japonesas em muitos aspetos – a fusão ao nível empresarial dos dois países é algo que ainda tem muito para dar.
“A fusão ao nível empresarial de Portugal e Japão é algo que ainda tem muito para dar”
Como é que a Hitachi Vantara, sob a sua liderança, tem aproveitado o potencial da amizade histórica entre Portugal e o Japão para promover a inovação tecnológica e impulsionar a economia de ambos os países?
O facto de termos a nossa fundação no Japão traz uma mentalidade de detalhe e meticulosidade para cima da mesa que, na minha opinião, se mistura muito bem com a vontade característica portuguesa de querer “por as mãos à obra”. Isto está principalmente refletido nos princípios fundadores da Hitachi, a empresa-mãe, e que são comuns a todas as empresas do grupo: sinceridade (Makoto), harmonia (Wa) e espírito pioneiro (Kaitakusha-Seishin). Portanto, sem dúvida que o principal benefício que esta amizade trouxe à Hitachi Vantara em Portugal advém da diversidade de pensamento que promovemos.
“A mentalidade de detalhe japonesa mistura-se muito bem com a vontade característica portuguesa de querer ‘por as mãos à obra’”
Através da experiência da Hitachi Vantara, quais são os desafios enfrentados ao desenvolver parcerias tecnológicas entre Portugal e o Japão, e como têm sido superados?
A meu ver, a chave está na comunicação e adaptação. É essencial perceber que as culturas são fundamentalmente diferentes e que a solução reside num encontro em terreno comum. A mentalidade nipónica é geralmente muito cautelosa nas suas políticas de expansão, com vista à garantia dum crescimento sustentável a meio-longo prazo. A entrada no nosso país costuma ser um passo bem estudado e cuidadosamente estruturado. A partir do momento em que este é dado, a chave está em construir uma equipa unida com o propósito e objetivos comuns com a “empresa-mãe” no Japão, algo que acho que a Hitachi Vantara tem conseguido fazer de maneira exemplar um pouco por todo o mundo.
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Quais as diferenças no modo de trabalhar que separam as duas culturas?
A cultura japonesa privilegia a organização, o foco, a estrutura e a metodologia. Além disso, é também uma cultura que valoriza a excelência e a qualidade do produto final, independentemente do domínio. Por outro lado, o modo de trabalho português fomenta a criatividade nas tarefas e discussões diárias. A adaptabilidade dos portugueses para se ajustarem e implementarem outras culturas demonstra flexibilidade, aspeto que as empresas japonesas apreciam. Portugal destaca-se ainda pelas competências técnicas do seu talento, fator que foi decisivo quando nos estabelecemos no país em 2006, e pela sua apetência para a experimentação e inovação; é parte da nossa história agarrar novos desafios e ultrapassar obstáculos que surjam.
“A adaptabilidade dos portugueses para se ajustarem e implementarem outras culturas demonstra flexibilidade, aspeto que as empresas japonesas apreciam”
O que é que os executivos portugueses podem aprender com o modus operandi e as iniciativas de inovação nipónica?
O ambiente de trabalho na cultura japonesa tende a privilegiar a produtividade. Acredito que temos todos muito a aprender com uma metodologia de trabalho mais organizada, disciplinada e orientada para a eficiência. Um ótimo exemplo do modus operandi japonês são as reuniões: nesta cultura, as pessoas são convidadas a participar na conversa, ninguém fala ao acaso. A agenda é pré-definida e tem horários de intervenção específicos, permitindo que todos tenham oportunidade de falar. Na minha primeira reunião no Japão, havia um horário minuto a minuto para a intervenção de cada pessoa, com base nos seus assuntos e outros compromissos.
“Na minha primeira reunião no Japão, havia um horário minuto a minuto para a intervenção de cada pessoa, com base nos seus assuntos e outros compromissos”
No seu caso, que ensinamentos interiorizou pelo facto de liderar uma empresa japonesa?
A verdade é que eu já me identificava com o Japão, mesmo antes de começar a trabalhar para a Hitachi; o país fascina-me, e já era admiradora da sua arte, literatura, cinema e cultura no geral. O aspeto mais apelativo que encontro na Hitachi Vantara, enquanto empresa nipónica, é o respeito pelos outros, algo que é visto como uma prioridade sobre tudo o resto, e algo proativamente trabalhado para ser intrínseco a todos os que colaboram connosco.
A diferença horária entre Japão e Portugal e a questão do idioma, dado que nem todos os japoneses são prolíficos a falar inglês, são dificuldades? Como é que isso é superado?
Sendo a Hitachi Vantara uma empresa verdadeiramente global, as questões horárias e de idioma nunca foram um entrave, a empresa está adaptada a tal. A nossa pool de talento é, em todas as longitudes, proficiente a comunicar. O posicionamento estratégico do Portugal Delivery Center, no nosso fuso horário alinhado com o meridiano de Greenwich, possibilita-nos interagir, para além do nosso foco nos projetos a serem desenvolvidos na Europa, com clientes africanos, norte-americanos e do Médio Oriente, zonas que também servimos com relativa facilidade.
“O posicionamento estratégico do Portugal Delivery Center, no nosso fuso horário alinhado com o meridiano de Greenwich, possibilita-nos interagir, para além da Europa, com clientes africanos, norte-americanos e do Médio Oriente”
No caso da Hitachi Vantara em Portugal, como é o modo de organização do trabalho, após a pandemia? O teletrabalho passou a ser regra?
Quando a pandemia chegou, a Hitachi Vantara tomou todas as medidas possíveis para garantir o bem-estar dos seus trabalhadores, nos respetivos países. Assente na base do respeito pela individualidade do outro, neste momento o modelo aplicado na Hitachi Vantara em Portugal tem um forte foco no híbrido. Esta é a abordagem que melhor funciona para nós, em termos de dinâmica interna e de serviço ao cliente. Ainda assim, cada pessoa tem necessidades específicas, pelo que temos casos de colaboradores que tanto optam por estar maioritariamente em regime presencial como outros que, por exemplo por residirem em zonas mais afastadas dos escritórios, se encontram em full remote. A palavra-chave é flexibilidade.
“Cada pessoa tem necessidades específicas, pelo que temos casos de colaboradores que optam por estar maioritariamente em regime presencial, como outros que se encontram em full remote”
O que é que da cultura japonesa encontramos na organização da Hitachi Vantara que exigiu uma adaptação por parte dos portugueses que aqui trabalham e até da sua parte também?
Para além dos valores, aos quais toda a equipa tem correspondido – aliás, o nosso processo de recrutamento leva isso mesmo em conta – não diria que haja algo inerente à cultura japonesa que tenha exigido uma adaptação per se; há, sim, uma exigência e rigor rumo ao qual todos trabalhamos e que se calhar poderá ser algo único à nossa experiência, considerando os padrões japoneses para eficiência e produtividade.
Quais são as perspetivas de crescimento futuro da Hitachi Vantara em Portugal?
Tendo em conta a crescente relevância do Portugal Delivery Center para a Hitachi Vantara, graças à excelência do trabalho desenvolvido pela nossa equipa, está neste momento a ser estudada a possibilidade de implementarmos mais um polo; da nossa parte, temos ambições de contratação de até 100 pessoas até ao fim do ano fiscal em março de 2024, e muita ambição para nos lançarmos em novos serviços, projetos e desafios.
Em termos de mobilidade, o que é que já resultou, em termos práticos, do funcionamento do centro de excelência de mobilidade instalado em 2021 em Portugal?
Um dos projetos em que estivemos até recentemente envolvidos tinha como missão ser a faísca para a aceleração na introdução de veículos elétricos no Reino Unido. A crescente utilização de veículos elétricos veio questionar se a nossa rede elétrica está preparada para essa sobrecarga; por outro lado, surge a necessidade de uma solução que permita massificar a eletrificação das frotas de forma exponencial e económica, de preferência com escalabilidade e adaptabilidade que possa ser levada em conta em qualquer ponto do globo. Para isto, a nossa equipa da Hitachi Vantara liderou um consórcio composto por intervenientes, eles próprios líderes nos seus setores de atuação no Reino Unido. Construímos uma plataforma de raíz para a análise profunda de padrões de carregamentos elétricos de frotas que deu a base para o relatório final deste projeto, e que apresentou propostas de respostas para um uso otimizado de infraestruturas de carregamento elétrico, tanto a veículos privados como comerciais; a equipa de Lisboa foi o cerne do desenvolvimento tecnológico dessa plataforma. Foi um projeto bastante ambicioso, mas que serve como prova de que a colaboração é, sem dúvida, o melhor ativo para a inovação.
“Construímos uma plataforma de raíz para a análise profunda de padrões de carregamentos elétricos de frotas”
O que se pretende com o centro de serviços da Hitachi Vantara previsto para Portugal?
No que toca ao centro que pretendemos implementar, com o objetivo de monitorizar aplicações na cloud, servirá sobretudo para conseguirmos assegurar aos nossos clientes uma cobertura 24/7, o sistema a que chamamos follow the sun e que será integrado com os mesmos centros já existentes na Índia e nos EUA.
Algum dos serviços desenvolvidos em Portugal pela Hitachi é aplicado cá? Ou tudo se destina ao estrangeiro?
Sendo uma empresa global, os nossos clientes estão espalhados pelas geografias que mais servimos: Europa, África, Médio Oriente e América do Norte. Apesar de estarmos a trabalhar a partir de Lisboa, e de já termos alguns projetos em Portugal, a maior parte dos nossos projetos são além-fronteiras.