Estamos em época de semanas da moda e Lisboa recebe a sua entre os dias 7 e 10 de março. “For Good” é o tema desta edição, um lema que diz muito a Gonçalo Peixoto, o designer e Under 30 que se prepara para apresentar a sua coleção na Moda Lisboa.
Serão “10 minutos a ouvirmos uma história”, mas antes desse momento chegar a Forbes Portugal falou com Gonçalo, o criador desta história, sobre a nova coleção, o que tem preparado para o desfile e a grande novidade do ano: “Nós vamos começar a fazer noivas em 2024”, conta em exclusivo à Forbes.
Qual foi a inspiração para esta coleção e quais são as principais tendências que vais apresentar?
Esta coleção traz aqui um marco à marca. Sinto que é uma coleção que está muito mais madura. Até agora, a coleção era muito jovem, feminina. Como eu também tinha outro tipo de clientela, um bocadinho mais adulta, madura, que tem mais poder económico, achava que havia aqui um gap meu enquanto marca do que lhes poderia oferecer. Então eu queria que esta coleção fosse um bocadinho revolucionária nesse sentido, que chegasse efetivamente a todas as pessoas, que conseguisse cobrir todas idades. Porque eu sentia isto por parte das clientes, gostavam muito de comprar, mas sentiam que as peças eram demasiado young para elas ou demasiado transparentes, então eu tentei trazer uma coleção mais adulta. Estou a trabalhar coisas que até aqui tinha explorado ainda muito pouco, tipo o tailoring, o modo como estamos a produzir as coisas, tudo com muita qualidade, muito minucioso. Esta semana estávamos a brincar aqui no escritório, eu até disse ‘se as pessoas soubessem o trabalho que estamos a ter com este blazer, estamos há três dias a coser as mangas do blazer à mão’, é surreal esta história por trás de cada peça. Queria muito nesta coleção ter este tempo para explorar estas coisas, temos imensos acessórios na coleção cosidos nas peças e isso traz muito um poder manual, perdemos muito tempo a fazer este tipo de trabalho. Eu queria perder este tempo, ter tempo para a coleção, tempo para ela respirar, para adicionar estes objetos que acabam por enriquecer a coleção e trazer uma coleção mais madura e adulta, mais cuidada.
O que nos podes dizer sobre o desfile?
Posso dizer que vai haver surpresas. Ainda estamos a fechar tudo, esta é a altura em que estamos a tentar perceber o que podemos fazer, em que recebemos as plantas, como o cenário vai ser. Eu acredito sempre que o desfile Gonçalo Peixoto é um momento de pop culture, que de alguma maneira nos traga felicidade e energia, que as pessoas saiam bem-dispostas e com vontade de comprar. Este é o meu principal objetivo. Acho mesmo que há muitas maneiras de se poder contar uma história, às vezes o cheiro ajuda-nos a contar uma história, às vezes o vento, um simples adereço ajuda-nos a contar uma história ou a transportar-nos para o sítio onde eu quero levar as mulheres Gonçalo Peixoto e quem está a assistir ao desfile. É isso mesmo que as pessoas podem esperar do desfile. De alguma maneira sairmos de Lisboa e irmos para algum sítio que seja o universo Gonçalo Peixoto nesta coleção. E que as pessoas consigam desligar por 10 minutos do que estamos a viver e de toda a situação do nosso país a vários níveis, que estejam ali focados e de coração. Esta edição da Moda Lisboa chama-se For Good e é mesmo nisto que eu acredito. É mesmo este o propósito da moda, eu só faço e só produzo coisas que amo e isto é mesmo a minha paixão, o meu dever enquanto criador é fazer disto um momento de arte e levar-nos a desligar durante 10 minutos.
E sobre o processo de criação?
Esta coleção foi muito fácil. Eu normalmente começo com os tecidos, gosto de fazer uma pesquisa de tecidos primeiro, perceber aquilo que eu gosto, aquilo que acho que faz sentido na coleção. A primeira peça da coleção foi um casaco cinzento de fazenda, foi o que deu o mote à coleção. Eu queria que as coisas tivessem muita qualidade, que o casaco fosse 100% lã portuguesa, a melhor lã do mercado. As peças a seguir foram um blazer e uma saia de risca cinza também em lã, para ser quente para o inverno. São peças que normalmente até não ligamos muito a Gonçalo Peixoto, porque são peças sem brilhos e sem transparências, mas eu queria trazer este lado adulto. Este foi o princípio da coleção, depois como é óbvio a coleção vai ter transparências, vai ser muito Gonçalo Peixoto como sempre, feminina, com lantejoulas, tudo aquilo que eu sou fiel. Mas queria explorar novas áreas.
Eu passo muito tempo no escritório parado a olhar para a coleção. Porque eu acho que a coleção fala comigo. Ela diz-me que precisa de mais tons rosa, ou que precisa de mais peças curtas ou mais peças compridas. Eu sinto que ela me diz isto. Eu passo mesmo muitas horas sentado numa cadeira a olhar para a coleção. Consigo, olhando para ela, perceber o que é que lhe está a fazer falta. Estou nesta fase. E eu tenho uma coisa que é: Sou muito esquisito com os tons de cor. Se eu tenho um castanho na coleção, todos os castanhos dentro da coleção têm de ser o mesmo tom de castanho, não consigo pôr dois tons de castanho diferentes. Isto é uma dificuldade dentro do meu OCD de designer porque depois tenho de encontrar tecidos dentro do mesmo tom. E depois há muitas coisas que por timings nós não conseguimos. Mas estou muito contente com o resultado, acho que a coleção está muito especial e acho que as pessoas vão gostar.
O teu processo criativo também tem vindo a evoluir?
Claro, é isso. O meu próprio estilo mudou enquanto pessoa, comecei a usar mais umas coisas, a deixar outras. Sentia que o que eu era enquanto pessoa e o que eu vestia no dia-a-dia estava a mudar e a coleção também tinha de acompanhar essa mudança. Porque se não depois deixa de ser um espelho teu e isto tem de ser uma continuidade daquilo que eu sou, é uma extensão minha. Sinto que mudei, que amadureci, sou adulto, na verdade estou cá há alguns anos, a experiência vai trazendo outro tipo de métodos ou melhorar métodos. Eu amadureci e a coleção amadureceu comigo.
Qual é o papel da tua estratégia com o squad Gonçalo Peixoto na hora de criares a coleção?
Estou a fazer a coleção e nós em equipa dizemos ‘isto é a cara da Rita Pereira’ ou ‘isto é a cara da Margarida Corceiro’. Já sei perfeitamente o que é que elas vão escolher depois quando for para usar, nós percebemos efetivamente o que é a cara de cada uma. E eu tenho esta preocupação. Por exemplo, há um vestido muito bonito que é a cara da Rita, mas a Rita não usa cai-cai, então vou fazer com alças. Estes pensamentos claramente estão presentes na minha cabeça quando estou a criar porque elas fazem parte do processo, elas ajudam-me diariamente a chegar a mais pessoas, a conhecer novos clientes, por isso só faz sentido se elas tiverem comigo no processo, se eu pensar também nelas no processo. Eu sou zero quadrado. Dizer ‘se não gosto daquilo, não faço’, mas eu sei que pode haver mercado para aquilo então vamos fazer, vamos satisfazer as nossas clientes. fazer com que elas se sintam felizes a comprar Gonçalo Peixoto.
E já tens a estratégia delineada para o squad no próximo desfile?
Sim, agora estamos a enviar os convites para as influencers e a começar a perceber o que é que cada uma vai usar, que também é um processo. O que elas usam a assistir a este desfile que é inverno 24/25, foi a coleção passada que eu apresentei em outubro de verão 2024, que entra agora em loja. É todo um processo porque as roupas vão para elas, algumas não servem, há sempre preferidas, há sempre um look que todas querem. E não vou mentir, é um processo que efetivamente é trabalhoso, tem de ser muito bem feito porque é muito importante esta parte. Por exemplo, um look mais jovem nós sabemos que tem de ir para pessoas mais jovem, porque numa pessoa mais madura não vai resultar e quem segue essa pessoa mais madura se calhar não é o mesmo público do que o de uma pessoa mais jovem. Se aquilo é para uma miúda mais nova, para um público mais novo, então nós temos de dar isso a uma pessoa mais nova. Isto tudo é muito pensado, não é feito ao acaso, porque se não estamos a perder oportunidades de venda e não podemos perdê-las. Mas isto acontece porque eu sou muito amigo de todas elas, nós temos esta conversa aberta. ‘Magui, eu precisava que me levasses isto’ ou ‘April Ivy, eu preciso que uses isto esta temporada porque preciso que isto chegue a mais pessoas da nossa idade’. É uma conversa entre nós, amigos.
Qual é o peso das redes sociais na tua marca?
Muito. As redes sociais são uma ferramenta gigante, nós vemos marcas que começaram do nada nas redes sociais, por isso o melhor que podemos fazer é saber usá-las a nosso favor. Quando vês os unboxings no TikTok, é muito engraçado perceberes que há pessoas que são muito fãs da marca, e tentar fazer-lhes o dia feliz. Aqui na equipa, há pessoas a quem nós oferecemos sempre alguma coisa. Se a pessoa vai ficar tão feliz, porque é que não vamos oferecer um top ou um vestido? Se lhes vai fazer o dia. E eu acho mesmo que devemos comunicar em várias direções, acho que só assim é que faz sentido. Agora estamos a apostar muito no TikTok, para conseguirmos chegar a vários tipos de mercado, vários tipos de pessoas, que a marca cresça todos os dias. E se me dizes que cheguei ao TikTok e a pessoa que vai receber ainda é muito fã de Gonçalo Peixoto no topo disso, é incrível. E aqui nem estou a falar da relevância de seguidores, isso não é importante para mim neste momento, é perceber que lhes fiz o dia. Não há nada, para mim, que possa ser mais gratificante.
Tens o objetivo de regressar aos desfiles lá fora?
O objetivo neste momento é crescer, aperfeiçoar-me, tornar-me cada vez melhor e, claramente, crescer lá fora. É muito difícil chegar a uma plataforma lá fora, como uma semana da moda em Milão ou Paris. Nós já o conseguimos, mas estamos a falar também de apoios que não dependem só de nós e da nossa vontade. A internacionalização é o objetivo para 2024, mais do que nunca, esse é o foco principal.
Estamos a falar de que apoios?
Temos as associações que nos fazem esse tipo de apoios. Nós não temos ideia, mas um desfile lá fora pode chegar a valores surreais. Enquanto marca é impossível conseguirmos sustentar, até porque o retorno nunca vai ser igual ao investimento. E estes apoios às vezes até são mal distribuídos. Eu sinto que nós moda somos um bocadinho deixados de fora. A arte e a cultura em Portugal já recebem uma parte de apoios miserável, mas para o setor moda é uma migalha de uma migalha. É percebermos como podemos mudar isto, mas é algo que demora o seu tempo, não é num estalar de dedos que as coisas mudam, por isso temos de ser pacientes e continuar a jogar o jogo.
Quais são os maiores desafios de lançar coleções e avançar com a tua marca num ano de tanta instabilidade?
Eu não consigo dar uma resposta negativa sobre isto, felizmente. As nossas vendas têm sempre aumentado, ano após ano. Nós tivemos o melhor janeiro de sempre, estamos a ter o melhor fevereiro de sempre. Mas sinto que nós temos de ouvir muito a outra pessoa, no meu mercado eu tenho de ouvir muito o meu cliente. Eu não posso só fazer aquilo que eu gosto, só aquilo que eu quero. Eu tenho contas para pagar, tenho ordenados para pagar, o dinheiro tem de entrar de alguma maneira. Vou dar-te uma novidade em primeira mão: Nós vamos começar a fazer noivas em 2024. Nunca tínhamos feito até hoje e é uma novidade que está aqui guardada já há algum tempo. Eu tenho muito esta procura e não faz sentido eu não aproveitar isto. Sinto que o meu público também cresceu, elas também se tornaram adultas e estão nessa fase. Estão sempre a pedir-me e eu penso ‘uma cliente de quatro ou cinco anos, como é que eu lhe estou a dizer que não?’. Começava a sentir-me mal. Acho que isto é uma continuação boa e feliz de uma relação entre marca e cliente. E se conseguirmos acompanhar as nossas clientes no dia mais feliz da vida delas, acho que faz sentido. Este acréscimo à marca é isso mesmo.