Esteve em Lisboa para o ‘showrun’ da Red Bull, mas ainda teve tempo para uma conversa com a Forbes Portugal. O ex-piloto de Fórmula 1 David Coulthard, que não esquece a primeira vez que subiu ao pódio e venceu uma corrida da categoria-rainha, ambas as situações no Estoril, falou sobre o momento atual da modalidade e a sua luta para que as mulheres tenham um lugar neste desporto.
Além disso, lembrou a ligação a Portugal e o crescimento da modalidade. Esta segunda parte da entrevista será publicada na edição de agosto/setembro da revista.
O que acha das mudanças que foram implementadas no ano passado? Estão a cumprir aquilo que prometeram?
Foram introduzidas por duas razões. Em primeiro, para tentar permitir corridas mais próximas, porque um carro de Fórmula 1 é um dispositivo aerodinâmico, que gera downforce. Quando se segue outro carro perde-se eficiência e desempenho, então os novos regulamentos foram concebidos para retirar mais força perto do chão, o que significa que há menos queda no desempenho. Penso que isso foi conseguido, mas não significa que todos os carros sejam iguais em termos de desempenho. A Red Bull fez um trabalho incrível, mas os regulamentos são os mesmos para todos. Cabe aos designers lê-los e perceber como os podem explorar. Em termos de trazer o carro mais rápido e o mais lento para uma janela mais pequena, isso foi conseguido. As corridas tornaram-se um pouco mais fáceis para os pilotos. O mais importante a reter é que se o carro mais rápido se qualificar na frente, então tende a correr na frente até à bandeira axadrezada. Em termos de corrida, não é uma batalha constante na pista, porque para isso é necessário colocar o carro mais rápido na parte de trás e depois vê-lo a passar. Mas, nesse caso, o que se está a fazer é a condicionar o sucesso. Se alguém está a fazer um excelente trabalho a compreender o regulamento, seria como dizer ao Manchester City: “Ganharam a Premier League este ano, só podem jogar com 10 homens no próximo ano”. Não é justo. É para os outros melhorarem, não para suprimir o desempenho.
Esperava ver o que estamos a ver agora? Coisas como o regresso de Fernando Alonso aos pódios ou o facto de Lewis Hamilton não vencer uma corrida há mais de um ano.
Não posso dizer que estava à espera de alguma coisa porque tenho uma mente aberta. Tudo é possível se as pessoas trabalharem arduamente e cumprirem os seus objetivos. O Alonso é um piloto excecional, ganhou dois campeonatos do mundo. Tem 41 anos, mas acho que está a provar que, se formos suficientemente bons, não somos demasiado velhos. Da mesma forma que o Max Verstappen chegou à F1 com 17 anos. Se formos suficientemente bons no desporto, temos idade suficiente. Os jovens de 17 anos ganham porque são talentosos e se forem bons continuam. O automobilismo não tem tanto a ver com o físico, e é por isso que o Alonso pode continuar a correr durante mais tempo.
E quanto ao facto do Lewis não ganhar, o Lewis é um grande piloto, mas o carro não é um grande carro neste momento. A Mercedes é a primeira a reconhecer isso. Mas quando tinham um grande carro, ele dominou e ganhou.
O que acha desta tendência de se ter cada vez menos corridas na Europa?
É um reflexo da popularidade e da procura do desporto. O Médio Oriente viu a Fórmula 1 como um dos maiores desportos, que pode mostrar os seus países e eles têm os recursos financeiros. O facto de não corrermos no Estoril não é porque não é um grande desafio para os pilotos, mas sim porque as instalações já ultrapassaram o seu tempo e suponho que os governos locais ou quem quer que financiasse estavam sob pressão para gastar dinheiro noutras áreas. O que é um facto: Se o Estoril desenvolvesse as suas infraestruturas e depois adicionasse um Grande Prémio, os hotéis à volta estariam cheios, os bares estariam a vender, eu sei que vocês têm um turismo aqui de qualquer maneira, mas está absolutamente provado que um grande evento desportivo como a Fórmula 1 estimula a economia. Penso que é sempre uma questão difícil para os governos europeus quando estão sob pressão de muitas formas diferentes para gastar o dinheiro.
No início do ano, foi uma das pessoas que defendeu a decisão da Federação Internacional do Automóvel (FIA) de banir o discurso político. Porquê?
Sinto que quando vou ver um jogo de futebol, estou lá para ver um jogo de futebol. Se vou a um comício político, vou lá para ser informado, educado. Não quero assistir a um evento desportivo em Wimbledon e depois ouvir o Nadal dizer: “Antes de começar a final, quero dizer-vos algo que é importante para mim”. O facto de ser importante para ele não significa que seja importante para toda a gente. Todos têm direito a uma voz, sem dúvida, mas o desporto é um escape à realidade. Não me recordo exatamente da citação, mas Nelson Mandela disse que o desporto tem a capacidade de unir as pessoas de uma forma que os políticos não conseguem. A política divide muito. Acredito na liberdade de expressão, acredito na paz e no amor para todos, acredito em todas essas coisas, mas quero ver o Grande Prémio. A questão que também coloquei é que se o Lewis Hamilton ou o Max Verstappen ou quem quer que seja quiser usar a sua plataforma para falar sobre o que quer que seja, convocam uma conferência de imprensa depois do GP, no exterior, e qualquer jornalista que queira pode ir.
O que o levou a criar a More Than Equal?
Tinha uma irmã mais nova e crescemos a andar de kart. Quando passei para os carros, aos 17 anos, assinei contrato com a equipa do Jackie Stewart, que foi três vezes campeão do mundo. Essa equipa evoluiu para a Stewart Grand Prix, para a Jaguar e depois para a Red Bull Racing. A razão pela qual menciono isto é porque o apoio da família foi para mim, porque parecia que eu estava a começar as bases de uma carreira profissional. Ela não teve o mesmo nível de apoio que eu tive quando tinha 11, 12, 13 anos. No final, ela deixou de correr e sempre lamentei isso, porque acho que podia ter sido uma piloto profissional. Não sei se era suficientemente boa para estar na Fórmula 1, mas não é isso que está em causa. Em sua memória quero fazer algo que possa ajudar outras jovens raparigas no karting a ter a oportunidade e o apoio. Se forem suficientemente boas vão para o nível mais alto, se não forem suficientemente boas, tal como os rapazes, ficam de lado. Porque o desporto é sobre encontrar atletas excecionais, o que importa sempre é quem é o melhor ser humano naquele momento. É por isso que estou envolvido na More Than Equal.
Não acho que os rapazes precisem de mais apoio, mas em memória da minha irmã, se eu puder contribuir para ajudar as mulheres a tornarem-se profissionais e talvez um dia ter uma mulher na Fórmula 1, então, pela minha ligação familiar, posso sentir que fiz alguma coisa.
O que é necessário mudar para que uma mulher chegue à Fórmula 1?
Precisam do mesmo nível de apoio no karting. A transição do karting para os carros custa muito dinheiro. Penso que como não existem modelos a seguir de mulheres bem sucedidas nos carros, provavelmente as jovens não acreditam que o possam fazer. Isso está a mudar no futebol e no ténis. Temos tido algumas atletas femininas incríveis no ténis, por isso há a convicção de que podem competir ao mais alto nível, o que não acontece nas corridas. Temos de encontrar as jovens talentos. Se elas conseguirem fazer o tempo de volta contra os seus concorrentes, que por acaso são rapazes, conseguirão.
O problema com muitas das mulheres que estão a correr hoje em dia é que não fizeram tantas horas de corrida em karting, em simuladores, não se desenvolveram fisicamente da mesma forma que um Max ou um Lewis. Não se pode ser profissional em part-time. Como digo ao meu filho: Há mais alguém no mundo com o mesmo talento que ele, o que é que vai fazer a diferença entre ele e o outro talento? É o trabalho. Quem trabalha mais, quem pensa mais, quem treina mais, quem se torna um estudante do desporto. Não se pode simplesmente aparecer num fim de semana e dizer ‘vou correr’. A More Than Equal vai identificar os talentos e dar-lhes o melhor que puder. Se em algum momento não estiverem a ter o desempenho esperado, então acabou. Porque não se pode fabricar um milagre. Eventualmente acho que vamos encontrar alguém.
E há mulheres que já deviam ter tido essa oportunidade?
Sem dúvida. Houve algumas pilotos brilhantes. Temos de nos certificar que não lhes permitimos que não acreditem que é possível. Estamos prestes a publicar um extenso documento de investigação sobre quais podem ser as limitações para as mulheres competirem na Fórmula 1, e o título desse relatório será que não há nenhuma razão física ou mental para as mulheres não poderem competir na Fórmula 1. Que sejam tão boas como um Alonso ou tão boas como um Hamilton ou Verstappen… Há outros 17 pilotos na grelha que talvez não sejam tão bons como eles, mas são suficientemente bons para estar na Fórmula 1. Muitas pessoas, quando dizemos que gostaríamos de tentar colocar uma mulher na Fórmula 1, dizem: ‘Não são suficientemente boas’. Quem é que decide isso? Elas são boas o suficiente. O Hamilton alinhou na McLaren aos 11 anos, o Verstappen foi guiado pelo pai que era piloto, é preciso esse nível de apoio. Eu tive esse nível de apoio da minha família e cheguei à Fórmula 1, a minha irmã não. Ela nunca chegou aos carros. Se eu não tivesse tido esse apoio, nunca teria chegado lá.
O que é que aconteceu à W Series e o que acha da F1 Academy?
A W Series acelerou a mudança, mas o que não conseguiu foi um modelo de financiamento. O nosso modelo era encontrar o dinheiro, era o talento que estava no carro e não aqueles que tinham dinheiro. Mas o que não foi possível fazer foi conseguir que um número suficiente de empresas que já investem nos desportos motorizados investissem nas mulheres. A W Series não tem o perfil da Fórmula 1, mas também não tem o custo da Fórmula 1. Há muitas empresas envolvidas na Fórmula 1 e é claro que abordámos muitas delas, mas não quiseram, não tinham a certeza ou não acreditavam. Se não tivermos o apoio financeiro, não funciona. A F1 Academy faz parte da Fórmula 1, claro que vai sobreviver porque a F1 é um negócio de muitos milhões, têm o apoio. A F1 tinha a W no calendário, mas não havia apoio financeiro, esse conceito não funcionou por isso a Fórmula 1 criou um. Algumas pessoas que não apoiavam um campeonato só para mulheres, estão agora envolvidas num campeonato só para mulheres. Temos uma expressão: se a carapuça servir.
Se se encaixa na agenda das pessoas, de repente torna-se aceitável.
Acha que foi mesmo o fim para a W Series?
Sim, penso que sim, infelizmente. Agora que a F1 Academy existe, elas vão correr com a Fórmula 1 no próximo ano. Gostaria de imaginar que a W Series poderia funcionar como um campeonato para desenvolver as mulheres, mas a F1 é uma plataforma tão poderosa que é muito difícil conseguimos a cobertura, a audiência.