A arqueologia não é apenas uma ciência vocacionada para descobrir relíquias de civilizações antigas. E se alguns dos princípios desta disciplina pudessem ajudar a localizar os tesouros modernos musicais, combiná-los com as tendências atuais e dar-lhes uma nova vida? E se a Inteligência Artificial (IA) tornasse isso possível?
Essa foi a ousada premissa do arqueólogo e músico Peter Agelasto, que se uniu ao fotógrafo e empresário Richard Averitt para criar uma empresa chamada Starchive. A dupla, criativa e empreendedora, sabia que artistas de todos os tipos podem ter catálogos enormes – fotos, gravações e muito mais – que geralmente são esquecidos. À semelhança de artefactos antigos, estes tesouros musicais podem ser marcados (com um #hashtag) para serem facilmente encontrados, colocados nos seus contextos apropriados e consultados quando necessário.
Desenterrar relíquias de Dylan e outros
A empresa começou a trabalhar com a Bob Dylan Music Company. Dylan, que está em Portugal para três concertos esta semana, deixou milhares de artefactos, como fotos de tournées antigas, mas não havia uma maneira fácil de encontrar o que era relevante para uso contemporâneo. A Starchive criou, então, uma maneira. O locutor e historiador Studs Terkel, por exemplo, tinha deixado mais de 9.000 horas de gravações num arquivo de rádio de Chicago. Com a ajuda do parceiro de IA HyperNatural, a Starchive pôde “ouvir” as gravações, determinar o significado do conteúdo e relacioná-las com as pesquisas dos utilizadores ou com os tópicos de tendências nas suas redes sociais.
O que a IA generativa fez foi abrir as “comportas”, permitindo, através da análise às gravações que estavam “envoltas em pó”, combinar significados mesmo que as “tags” não estivessem a usar exatamente a palavra-chave que o utilizador escreveu. Isso poderia expandir muito o conjunto de itens encontrados.
À medida que a empresa progredia, ela entendia mais sobre a magnitude dos artefactos de media. Agelasto diz: “Costumava levar centenas ou milhares de anos para enterrar os artefactos, mas os artefactos digitais modernos são enterrados quase instantaneamente – pense num tópico do Instagram. E se a IA pudesse ajudar a escavá-los e entendê-los para tornar a desorganização uma relíquia do passado?”
Criar diferenciação
O mundo está repleto de ferramentas de indexação de conteúdo, como o Google Fotos. Com o Starchive seria diferente? A equipa procurou entender as tarefas a serem realizadas dos seus utilizadores. Averitt explica: “Era habitual que os custos de produção e distribuição fizessem com que apenas os Dylans do mundo criassem ativos com valor comercial suficiente para que valesse o esforço de arquivá-los, mas vivemos numa era de públicos de nicho com conteúdo insaciável e procuras consideráveis. Com a IA como suporte, qualquer criador com seguidores pode maximizar as suas oportunidades e conteúdo de maneiras nunca antes possíveis.”
Encontrar tesouros de negócios
Desde então, a empresa descobriu que os artistas não são os únicos com conteúdo antigo à espera para ser redescoberto. Escritores, influenciadores de redes sociais, profissionais de marketing B2B e outros produziram grandes quantidades de conteúdo ao longo dos anos. E se a IA pudesse ajudar não apenas a descobrir conteúdo antigo em resposta a solicitações, mas também combinar esse conteúdo interessante – e que dificilmente se encontraria na vastidão da internet – para clientes específicos e enviar-lhes automaticamente isso? E se a IA pudesse fazer isso de uma maneira oportuna, como em resposta a uma post nas redes sociais que alguém coloca, para que as pessoas não precisassem de se envolver depois do conteúdo ter sido criado pela primeira vez? Esse é um case study que a Starchive está a testar de modo ativo atualmente.
A empresa também vê a IA a impactar no seu próprio conteúdo. Averitt diz: “A escala costumava ser algo que apenas as grandes empresas tinham. Mas, hoje, criadores de conteúdo individual estão a tornar-se marcas e a criar conteúdos em escala. Tenho um amigo, por exemplo, que criou 100.000 novas imagens em três meses usando a ferramenta de IA Stable Diffusion. Essas pessoas precisam de ferramentas para encontrar o conteúdo certo na hora certa, pois a quantidade de conteúdo simplesmente explode.”
A IA não precisa gerar apenas novos conteúdos. Ao fazer da IA uma ferramenta de arqueologia de conteúdo, esta empresa está a aproveitar novos recursos para redirecionar o conteúdo do passado para os dias de hoje e para o futuro. Nenhuma ferramenta de IA vai gerar o tipo de conteúdo de Bob Dylan, mas pode dar uma nova vida aos seus antigos tesouros.