Os colaboradores querem trabalhar para empresas com quem se identifiquem, e que reflitam os seus valores pessoais. Assim, depois da estabilidade no emprego, a marca e a reputação das organizações são agora a segunda razão para as pessoas aceitarem um novo desafio profissional ou manterem os empregos onde estão neste momento.
Estes são alguns dos tópicos que constam do Estudo Global Talent Trends 2022, “The Rise of the Relatable Organization”, lançado pela Mercer, consultora especializada em questões ligadas ao mundo do trabalho.
“Existe agora uma pressão crescente para que as organizações contribuam para a sociedade de uma forma que reflita os valores dos seus stakeholders (clientes, colaboradores e investidores)”, diz Tiago Borges, da Mercer Portugal.
O estudo conclui que, num mercado laboral muito competitivo, as organizações mais humanas têm vantagem na sua capacidade de atração e retenção de talento.
Agendas de pessoas e empresas nunca estiveram tão interligadas
De acordo com o estudo, quatro em cada cinco executivos acreditam que as agendas das pessoas e das empresas nunca estiveram tão interligadas, o que evidencia a importância de uma maior abertura por parte das empresas na empatia e relação com os seus colaboradores.
“As organizações têm agora uma profunda oportunidade para aproveitarem as ferramentas com foco nas pessoas aperfeiçoadas durante a pandemia, e construir uma nova forma de parceria mais confiável e sustentável”, refere Tiago Borges, Business Leader de Career da Mercer Portugal.
A 7ª edição do estudo Global Talent Trends da Mercer reúne as visões de quase 11.000 executivos, líderes de Recursos Humanos e colaboradores representando 16 regiões geográficas e 13 setores.
“Uma mudança fundamental nos valores das pessoas está a promover uma mudança estrutural no mercado de trabalho. Existe agora uma pressão crescente para que as organizações contribuam para a sociedade de uma forma que reflita os valores dos seus stakeholders (clientes, colaboradores e investidores). O desafio é fazer progressos neste domínio, enquanto lidamos com pressões inflacionistas derivadas de crises existentes ou a emergir, e que nos fazem refletir acerca de diferentes visões diferentes sobre o futuro do trabalho”, acrescentou Tiago Borges.
5 tendências
Com base nas opiniões de cerca de 11.000 executivos, líderes de recursos humanos e colaboradores, o estudo identifica cinco tendências para se construir uma organização mais próxima das suas pessoas num ambiente de risco acrescido: reiniciar para a relevância, trabalhar em parceria, proporcionar o bem-estar total, construir para a empregabilidade e aproveitar a energia coletiva.
1. Reiniciar para a relevância
Manter-se relevante “significa adaptar-se à mudança das expetativas dos clientes, colaboradores e investidores”, salienta a Mercer que acrescenta que isso exige uma redefinição de prioridades e um novo modelo de trabalho que seja adaptável, que permita uma maior conexão das pessoas com o trabalho e que redesenhe a experiência de talento.
“As organizações que falam sobre os seus valores – através do propósito organizacional, da sua cultura, dos seus processos e estratégias de investimento – relacionar-se-ão melhor com os seus stakeholders e estarão melhor posicionadas para obter resultados de negócio positivos”, indica a consultora.
O desafio – prossegue – é aceitar um novo modelo de trabalho com a capacidade de adaptação suficiente, para permitir que os colaboradores tomem decisões orientadas para a criação de valor no dia-a-dia:
- Depois da estabilidade no emprego, a marca e a reputação das organizações são agora a segunda razão pela qual as pessoas optaram por se juntar ao seu atual empregador, subindo nove lugares no ranking face aos resultados pré-pandemia;
- As pessoas querem trabalhar para empresas que reflitam os seus valores pessoais. 96% dos colaboradores esperam que a sua empresa adote uma agenda de sustentabilidade que equilibre os resultados financeiros com as questões sociais, de diversidade/equidade e de impacto ambiental;
- A necessidade de se ser mais diferenciado e personalizado na forma como se responde ao sentimento de mudança requer novas competências organizacionais de escuta, aprendizagem e adaptação para identificar e responder a necessidades não satisfeitas. No entanto, apenas 55% dos colaboradores dizem que a sua empresa está a satisfazer todas as suas necessidades.
“As empresas que não ouvem os seus colaboradores e outros stakeholders, e que não se conseguem adaptar, vão perder a capacidade de mobilizar capital, atrair e reter talentos e de se manterem relevantes”, disse Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Mercer Portugal.
“As organizações mais humanas falam sobre o que defendem e têm como prioridade implementar uma conduta que reflita as expetativas de todas as partes interessadas, num mundo em constante mudança. Ouvem incessantemente o que impulsiona o comportamento dos clientes e dos colaboradores e a sua estratégia está centrada na construção de culturas e práticas que são naturalmente adaptáveis”, complementa Rodrigo Simões de Almeida.
“As empresas que não ouvem os seus colaboradores e outros stakeholders vão perder a capacidade de mobilizar capital, atrair e reter talentos”
2. Trabalhar em parceria
O estudo revela que as pessoas já não querem trabalhar para uma empresa, querem trabalhar com a empresa.
Na análise, quase todos os executivos (96%) afirmam que estamos num mercado de trabalho centrado nas pessoas e 70% dos profissionais de Recursos Humanos estão a prever um turnover superior ao normal este ano – sobretudo no que diz respeito aos colaboradores mais jovens e aos que estão no espaço digital: “Trabalhar em parceria significa reavaliar a relação colaborador-empregador. As organizações mais próximas das suas pessoas valorizam a ‘parceria’ em detrimento da ‘liderança’ e estão a fazê-lo ao evoluir as suas estratégias para modelos sustentáveis de futuro de trabalho”, refere a Mercer.
Tiago Borges acrescenta que “o futuro do trabalho só será bem-sucedido se todos sentirem que estão a obter um acordo justo e a beneficiar de uma relação equitativa entre empregador e indivíduo, independentemente do estatuto e do tipo de trabalho que fazem. Atualmente, não são apenas os colaboradores qualificados e melhor informados que exigem opções flexíveis para se adaptarem à sua vida, mas todos os colaboradores”.
Outras ideias que o estudo fornece:
- Quase todos os líderes de Recursos Humanos (90%) consideram que há mais trabalho a ser feito para construir uma cultura de confiança na sua empresa, particularmente porque muitos estão mudar (ou a considerar mudar) para um modelo de trabalho híbrido. Contudo, apenas 30% dos executivos têm em consideração o ROI da construção de um futuro de trabalho saudável, resiliente e equitativo;
- Mais de metade (62%) dos colaboradores só se juntaria a uma empresa se pudesse trabalhar à distância ou num compromisso híbrido, e 74% acreditam que a sua organização será mais bem-sucedida com o trabalho à distância e/ou híbrido. Pelo contrário, a maioria dos executivos (72%) está preocupada com o impacto do trabalho à distância na cultura organizacional, uma vez que 75% afirmam ter hoje uma cultura de aprendizagem onde as pessoas aprendem lado a lado, e não à distância – o que requer um redesenho das estratégias de aprendizagem e integração dos colaboradores;
- Os trabalhadores temporários e freelancers continuam a ser uma das estratégias preferidas, com seis em cada dez executivos a preverem que estes modelos de relação laboral vão substituir em grande medida os colaboradores a tempo inteiro na sua empresa, nos próximos três anos. No entanto, com menos de seis em cada dez colaboradores a tempo inteiro recetivos ao trabalho temporário e a colaboração em regimes de freelancing, é necessário fazer mais para tornar esta opção viável, atrativa e segura para os colaboradores.
“Organizações mais humanas estão a adotar novos modelos de trabalho (talento em funções mais flexíveis em vez de funções fixas, formas ágeis de trabalhar, otimização humana/automação) e diferentes formas de envolver o talento no trabalho (variável/sazonal, partilhada, a tempo parcial, a tempo inteiro), mas até agora menos de uma em cada cinco empresas está a rever os seus termos e benefícios dos novos modelos de relação laboral “, afirma Tiago Borges: “Assegurar que todas as relações através do ecossistema de talento são plenamente apoiadas para serem partes ativas da cultura organizacional, será fundamental para adotar um novo sistema de trabalho e alcançar o objetivo de agilidade sustentada”.
“As organizações mais próximas das suas pessoas valorizam a ‘parceria’ em detrimento da ‘liderança’”
3. Proporcionar o bem-estar total
“A pandemia expôs e agravou as lacunas de saúde e finanças entre diferentes grupos populacionais, sublinhando que a acessibilidade e os baixos custos dos cuidados de saúde não são suficientes. Mudar o foco da redução dos custos relacionados com a saúde para a otimização do investimento, de modo a que as pessoas permaneçam saudáveis e empenhadas, é fundamental para a sustentabilidade social”, comenta a Mercer.
Nesse domínio estas são ideias-chave do estudo a reter:
- Uma impressionante percentagem de colaboradores (81%) sente estar em risco de burnout durante este ano (em comparação com o número já preocupante de 63% em 2020). Os colaboradores afirmam que a principal razão para o burnout é o facto de não se sentirem suficientemente recompensados e reconhecidos pelos seus esforços. O bem-estar dos colaboradores e iniciativas associadas é percecionado pelos executivos como o tema relacionado com pessoas que irá proporcionar o segundo maior ROI nos próximos dois anos (seguido da requalificação);
- Uma boa saúde mental fez sempre parte do bem-estar geral, mas as empresas estão mais focadas em ajudar os colaboradores a alcançá-la. Mais de um terço (36%) das empresas estão a introduzir uma estratégia para abordar o bem-estar mental ou emocional este ano;
- Entre todos os dados demográficos, as preocupações financeiras aumentaram, com metade (51%) dos colaboradores a afirmarem sentir-se inseguros quanto ao seu futuro financeiro.
“Os colaboradores estão mais stressados que nunca – e os resultados do estudo demonstram que as empresas poderiam estar a fazer mais em relação à oferta de uma estratégia de bem-estar holística e inclusiva, que satisfaça as necessidades de equipas multigeracionais e diversificadas”, declara Rodrigo Simões de Almeida.
Os colaboradores afirmam que a principal razão para o burnout é o facto de não se sentirem suficientemente recompensados e reconhecidos pelos seus esforços.
4. Construir para a empregabilidade
Sublinha a Mercer que a pandemia impulsionou ainda mais a corrida das empresas para a requalificação. No entanto, em muitos casos, as iniciativas de requalificação não foram conduzidas em alinhamento com a estratégia a longo-prazo da organização. “A redefinição da agenda de competências para satisfazer as necessidades atuais e futuras de talento garantirá que as pessoas sejam, e continuem a ser, qualificadas para emprego. Os modelos baseados nas competências estão a permitir às organizações captar talento de forma mais flexível e explorar vastos e diversificados grupos de talentos – já é uma prioridade para uma em cada três organizações”, refere a consultora.
Relativamente a isto, o estudo destaca os seguintes elementos:
- Quase todos os colaboradores (91%) mencionaram que adquiriram uma nova competência recentemente, contudo, 98% das empresas afirmam que há lacunas significativas de competências na sua organização. A transparência sobre quais são as competências mais valiosas pode ajudar os colaboradores a manterem a sua própria empregabilidade e a concentrar os seus esforços de aprendizagem nas competências que irão impulsionar o crescimento da empresa;
- A principal preocupação dos Departamentos de Pessoas em matéria de requalificação é que os talentos requalificados/atualizados abandonem a empresa. Uma forma de abordar esta questão é oferecer mais oportunidades aos colaboradores para utilizarem as novas competências adquiridas. Cerca de 90% das empresas já têm ou tencionam adotar uma plataforma de mercado interno de talentos desenvolvida por IA para facilitar a circulação;
- Em 2019, 25% dos colaboradores admitiram que tencionavam deixar por completo de trabalhar na idade da reforma e, este ano, o número desceu para 16%. No inquérito, 39% das empresas afirmaram permitir aos colaboradores adaptar os benefícios de reforma às suas circunstâncias pessoais e 38% oferecem proactivamente aos colaboradores mais seniores diferentes opções de emprego, incluindo a reforma faseada.
“À medida que as competências se tornam a unidade do trabalho, há um imperativo de repensar como o trabalho é realizado, e como as competências se tornam visíveis. As organizações mais humanas não conhecem apenas o potencial das suas pessoas através do seu ecossistema de talentos, mas também estão a utilizar a IA e a tecnologia para saberem que carreiras poderão ter amanhã”, acrescenta Tiago Borges.
“Há um imperativo de repensar como o trabalho é realizado”
5. Aproveitar a energia coletiva
A pandemia acelerou a adoção de novas tecnologias, de novos modelos de negócio e de métodos modernos de trabalho. “Ter passado por este nível de mudança numa linha temporal comprimida, para além da fadiga causada por esses acontecimentos, tem tido um custo elevado”, afirma a Mercer que diz que a percentagem de colaboradores que afirmam sentirem-se com energia e dinâmica diminuiu significativamente – de 74%, em 2019, para 63%, este ano, o nível mais baixo dos sete anos de história deste estudo.
Ainda assim, ao mesmo tempo, os colaboradores estão mais otimistas quanto ao que o futuro lhes reserva: quando lhes é pedido que descrevam o futuro do trabalho, a principal resposta (51%) é que esperam que este seja mais equilibrado, com mais tempo para a família, hobbies, saúde e aprendizagem.
Segundo o estudo, quase todas as empresas (97%) estão a planear uma transformação a nível empresarial este ano, mas o cansaço dos colaboradores é citado como o principal inibidor da concretização dessa transformação.
Os colaboradores também citam a complexidade organizacional como uma barreira crítica.
“Consoante nos transformamos, será fundamental repensar a experiência dos colaboradores com os olhos postos em como mobilizar a sua energia, uma vez que 65% dos executivos acreditam que, como automatizaram processos de Recursos Humanos, perderam contacto valioso entre os RH e a empresa”, refere a consultora autora da análise.
“Com níveis de energia a valores criticamente baixos, há uma fadiga coletiva que está a ter impacto na produtividade”, diz Tiago Borges. “A tecnologia é ao mesmo tempo um contribuinte e um salvador”. Melhorar a adaptação e capacitação digital, melhorar a comunicação da visão estratégica e abordar a complexidade organizacional serão fundamentais para as perspetivas de longo prazo das organizações. Isto requer um repensar da experiência de trabalho através da lente da experiência de vida e um redesenho dos Recursos Humanos assente nas interações-alvo desejadas com as novas personas que ocupam os nossos locais e espaços de trabalho”, conclui Tiago Borges.
Estudo pode ser descarregado aqui.