Pedro Henriques é o fundador e CEO da Bridge In, startup portuguesa que ajuda empresas estrangeiras a estabelecer operações e a recrutar no país.
Numa entrevista exclusiva à FORBES, este especialista aborda os pontos fortes que tornam o país atrativo aos olhos dos forasteiros, mas coloca também o dedo na ferida, com uma clarividência baseada na sua experiência, nas fraquezas da economia portuguesa que impedem que mais investimento estrangeiro venha para Portugal.
Portugal apresenta-se, neste momento, como um destino apetecível para investidores estrangeiros?
Pedro Henriques (PH): Depende da perspetiva do investimento, mas, de forma geral, sim. Portugal está bem cotado em termos da qualidade das suas universidades e, portanto, dos profissionais que forma, seja dentro da área de tecnologia, área predominante em que a Bridge In trabalha, ou mesmo noutras áreas. Mas também o facto de pertencermos à União Europeia dá alguma confiança do ponto de vista regulatório, ainda que haja muito a melhorar na legislação local.
Por outro lado, o tamanho da economia local faz com que Portugal não seja um mercado de destino preferencial para o lançamento de soluções ou produtos.
Um bom exemplo deste paradigma é o caso da empresa Design Pickle, que a Bridge In ajudou a trazer para Portugal. A Design Pickle tem uma subsidiária em Portugal e emprega profissionais altamente qualificados, mas, de momento, não disponibiliza os seus produtos e serviços com foco no nosso país. Este não é caso único. Temos muitas soluções tecnológicas a serem desenvolvidas em Portugal cujos utilizadores em Portugal não podem usufruir.
“Portugal está bem cotado em termos da qualidade dos profissionais que forma, mas o tamanho da economia local faz com que Portugal não seja um mercado de destino preferencial para o lançamento de soluções ou produtos”
É fácil “vender” o produto “Portugal” a empresas estrangeiras?
PH: Do ponto de vista de recrutamento de talento, sim, é relativamente fácil vender o produto Portugal. Empresas estrangeiras que procurem colaboradores altamente qualificados, têm uma oportunidade fantástica em Portugal.
Portugal beneficia de ser um destino turístico de excelência, já que ao proporcionar uma boa experiência a visitantes, seja em lazer ou a trabalho, aumenta a afinidade e a probabilidade de quererem voltar. Um dos primeiros clientes da Bridge In disse-nos que gostava muito mais de vir visitar a equipa a Portugal do que a equipa na Polónia.
Portugal é também um país sem grandes inimizades, temos boas relações diplomáticas com a maioria dos países e temos tido portugueses em cargos internacionais importantes, começando obviamente pelo secretário-geral da ONU.
Tudo isto torna Portugal um país amigo, que é agradável visitar. Falta depois vender que é um país também bom para trabalhar, para investir.
“Portugal é um país agradável para visitar. Falta vender que é um país também bom para trabalhar e investir”
Quais são os argumentos que jogam mais a favor do nosso país, aos olhos dos investidores estrangeiros?
PH: O facto de Portugal pertencer à União Europeia e à Zona Euro contribui imediatamente para uma base de confiança na regulamentação comunitária e moeda forte. Para os países igualmente na Zona Euro existe também a vantagem da moeda comum.
A qualidade e disponibilidade de talento, com um bom alinhamento cultural com o restante mundo ocidental, a um salário bastante acessível para a Europa ocidental.
Outro ponto que, embora não seja muitas vezes reconhecido à priori, é uma boa surpresa é a proficiência da maioria da população não só no inglês, mas por vezes numa terceira língua, como o espanhol ou francês.
Por fim, a estabilidade do país. Goste-se ou não do atual Governo e das suas políticas, a verdade é que tem maioria absoluta e está longe dos extremos populistas de outros países, o que permite ter algumas garantias de estabilidade, que é muito apreciada por investidores.
Quais são os aspetos mais negativos que deixam os estrangeiros de pé atrás, em relação à possibilidade de investir em Portugal?
PH: Infelizmente, a resposta é simples, recorrente, mas sem uma evidente resolução a curto prazo: burocracia e impostos. Ouvimos constantemente estas razões quando na Bridge In falamos com empresas estrangeiras. A nossa missão na Bridge In é exatamente ajudar a mitigar a burocracia através do aumento da previsibilidade e automação de processos, no entanto, pouco podemos fazer em relação aos impostos.
Os impostos sobre o trabalho são muito significativos em Portugal e constituem um problema de competitividade na captura de investimento externo. Claro que alguns dos restantes países da Europa ocidental também têm impostos altos, mas um problema que se fala pouco é que uma vez que os salários médios em Portugal são dos mais baixos na Europa, os escalões do IRS estão alinhados com bandas salariais mais reduzidas, ora um profissional altamente qualificado com um bom ordenado rapidamente atinge os patamares superiores dos escalões de IRS.
“Os impostos sobre o trabalho são muito significativos em Portugal e constituem um problema de competitividade na captura de investimento externo”
Vejamos o caso de um software engineer senior com 10 anos de experiência com um ordenado bruto anual de 60 mil €: contas simplificadas, só em seguros e contribuições obrigatórias, aumentamos o custo desta posição para 75 mil €, sem contar com ferramentas de trabalho e afins e, no caso de ser solteiro sem filhos, esse trabalhador pode receber apenas 35 mil € líquidos por ano. Ou seja, mais de metade do custo com o ordenado é retido. Bem sei que as contribuições para a segurança social se destinam, entre outros, a assegurar uma pensão de reforma, mas convenhamos que um investidor estrangeiro em Portugal pouco se importa com isso, observa sim que mais de metade do seu capital é entregue ao Estado.
“Mais de metade do custo com o ordenado é retido”. Para um investidor estrangeiro, isto é demotivador, realça Pedro Henriques.
Os últimos anos levaram a uma mudança das perspetivas de investimento em Portugal por parte dos estrangeiros? A que se deve isso?
PH: Sim, há uma clara evolução das perspetivas de investimento. Do ponto de vista das empresas tecnológicas internacionais, Portugal passou a estar muito mais presente no leque de opções nos últimos cinco anos. Existe uma evidente correlação, embora seja difícil demonstrar a causalidade, entre a vinda da Web Summit para Portugal e a abertura de operações de empresas tecnológicas em Portugal. Quando na Bridge In falamos com empreendedores e executivos estrangeiros eles já sabem perfeitamente onde é Portugal. Trata-se do desenvolvimento da marca Portugal. Evidentemente, existe imenso trabalho de promoção de várias instituições, de onde destacaria a AICEP e a Startup Portugal.
Numa perspetiva de investimento financeiro, temos o crescimento do ecossistema nacional, que embora ainda precise de mais casos de sucesso de start-ups e das chamadas exits, com uma entrada em bolsa ou uma aquisição por valores estratosféricos, vai fazendo o seu caminho e atraindo cada vez mais a participação de venture capitalists estrangeiros nas rondas de financiamento de start-ups locais.
“Existe uma evidente correlação, embora seja difícil demonstrar a causalidade, entre a vinda da Web Summit para Portugal e a abertura de operações de empresas tecnológicas em Portugal”
Quais são os principais setores de atividade que estão a revelar uma apetência pelo mercado nacional?
PH: Já não será novidade para ninguém que o setor tecnológico, principalmente o desenvolvimento de software, encontra no mercado nacional ótimas oportunidades. Mas também centros de shared services ou call centers para grandes empresas multinacionais.
Outros setores de atividade ainda pouco implantados, mas com excelentes condições em Portugal são as restantes áreas científicas e engenharias, como o caso de biotecnologia e health-tech. De referir aqui o interessante trabalho da HealthTech Lisboa, uma iniciativa da LISPOLIS em colaboração com a Startup Lisboa e a ANJE. Esta é também uma das áreas de aposta da Bridge In, estamos neste momento em conversações com uma empresa de biotecnologia dos EUA que está a equacionar abrir operações em Portugal numa perspetiva de recrutamento de talento.
De reforçar que a qualidade do ensino em Portugal nas áreas STEM (Science, Tecnology, Engineering and Mathematics) é muito boa, mas as oportunidades na indústria para os seus profissionais são muito díspares. Se por um lado um Engenheiro de Software tem trabalho antes de acabar o curso, um Engenheiro de Bioquímica tem pouquíssimas oportunidades de trabalho na área, e muitos são os que acabam por sair do país ou fazer uma reconversão para a área de informática. Devia ser um desígnio nacional capturar investimento estrangeiro nestas áreas de alta tecnologia para a qual tantos profissionais são formados todos os anos.
“Devia ser um desígnio nacional capturar investimento estrangeiro para as áreas de alta tecnologia para a qual tantos profissionais são formados todos os anos”.
Quais os países que mostram mais vontade de desenvolver os seus negócios no mercado português? PH: Dados do Banco de Portugal indicam que a União Europeia representa +75% do investimento direto do exterior em Portugal, por isso, sem grande surpresa, na Bridge In temos igualmente observado bastante interesse em Portugal por parte dos restantes países europeus. Depois, tendo em conta a nossa génese atlântica e a diáspora portuguesa, existe também uma familiaridade e interesse vindo do continente americano, em especial do Brasil e dos EUA.
Se Portugal é um destino relevante na perspetiva de recrutamento de talento, os mercados onde o custo de trabalho é superior ao português olham para o nosso mercado com interesse redobrado pela arbitragem de preços. Assim, no continente europeu vemos um interesse muito mais significativo dos países nórdicos, dos Países Baixos, Irlanda, Reino Unido e Suíça. Curiosamente, estes países, em conjunto com os EUA e Canadá, nem sequer procuram contratar talento a baixo custo, já que oferecem muitas vezes salários não muito diferentes do país de origem, a grande diferença é que em Portugal por esses valores conseguem contratar os melhores profissionais, superando qualquer oferta que empresas locais têm capacidade de efetuar.
“Os países nórdicos nem sequer procuram contratar talento a baixo custo, já que oferecem muitas vezes salários não muito diferentes do país de origem, a grande diferença é que em Portugal por esses valores conseguem contratar os melhores profissionais, superando qualquer oferta que empresas locais têm capacidade de efetuar”.
A pandemia trouxe alguma alteração no modo como os investidores estrangeiros olham para Portugal como potencial mercado para investir?
PH: Absolutamente. Não só a pandemia, mas na verdade a guerra na Ucrânia também está a ter um significativo impacto. Infelizmente para os ucranianos e para todos os povos de leste, o conflito tem afastado investidores dos seus países. Olhando para oeste no continente europeu, esses investidores encontram Portugal.
Portugal é, tem sido, um país estável. Podemos não ter uma economia com um crescimento exuberante, mas é na verdade bastante previsível, pode ser um crescimento insuficiente para as ambições dos portugueses, mas constante e confiável para investidores estrangeiros. Principalmente depois da saída limpa após a intervenção da Troika.
A pandemia e a guerra têm tido também outro efeito, a deslocação para Portugal de muitos profissionais altamente qualificados e investidores ou indivíduos com elevado património ou capacidade financeira. Isto acontece porque quando subitamente toda a população passou a estar em teletrabalho, tornou-se irrelevante se esse teletrabalho é desempenhado de um pequeno apartamento perto do escritório na chuvosa Londres ou num apartamento noutro país mais solarengo e com custo de vida mais baixo como Portugal.
“A pandemia e a guerra têm tido também outro efeito, a deslocação para Portugal de muitos profissionais altamente qualificados e investidores ou indivíduos com elevado património ou capacidade financeira”
A invasão da Ucrânia veio confirmar esta tendência, movendo os povos não de norte para sul, mas de leste para ocidente na Europa. Na Bridge In, observamos também uma intensa procura de cidadãos norte americanos que procuram fugir da agitação social nos EUA, desde as tensões raciais com a morte de George Floyd, do ataque ao Capitólio, da reversão do caso Roe v. Wade relativo ao aborto. Cada nova polémica tem sido seguida por um aumento dos pedidos de informação sobre vistos e relocação de profissionais nos nossos canais digitais.
Com a deslocação das pessoas, vêm as ideias e o seu capital, o impacto imediato mais visível é a subida de preços de casas nas principais cidades, um impacto mais desejável será a aposta em empresas locais por parte destes investidores imigrantes.
Portugal tem-se revelado terreno fértil para o nascimento de start-ups. Como se explica este posicionamento do país?
PH: É minha convicção que o empreendedorismo faz parte do ADN português. É verdade que existem cada vez mais expatriados em Portugal e muitos deles são membros fundadores em start-ups locais, no entanto o espírito do ‘desenrascanço’ português é uma prova que conseguimos encontrar soluções para problemas existentes, que conseguimos ser criativos. O grande desafio é tornar o ‘desenrascanço’ numa solução estandardizada, viável de repetir em escala, e passível de construir um modelo de negócio de sucesso. A história mostra que tecnicamente somos tão bons como os melhores, que conseguimos descobrir novos caminhos, mas nem sempre fomos os melhores na criação de modelos comerciais de sucesso (ver caso da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que acabou por dominar o mercado das especiarias na Europa).
Outro fator importante é o discurso político. Basta ver a rede nacional de incubadores, segundo fonte do Governo são mais de 150 em Portugal. Não deve haver capital de concelho em Portugal que não tenha pelo menos uma incubadora. Ora, mesmo admitindo que algumas destas incubadoras sejam muito incipientes, não se pode negar que existe uma vontade política, do Governo central e das autarquias, na promoção da ideação e incubação de ideias. O grande desafio é ganhar escala não na quantidade, mas na qualidade. Criar uma empresa é relativamente fácil, as estatísticas tornam-se agradáveis para o poder político como métrica indireta do dinamismo do tecido empresarial. Mas talvez os indicadores devessem olhar não só para o número de empresas criadas, mas também no número de pessoas empregadas, volume de faturação, e talvez mais importante, para o contributo para o saldo da balança comercial – isso sim cria real valor na economia.
“O grande desafio é ganhar escala não na quantidade, mas na qualidade”
De que forma pode o país garantir que estas start-ups não se sintam defraudadas com o país e acabem por abandonar o seu investimento em Portugal?
PH: O grande problema com o ecossistema de startups é garantir que elas crescem em Portugal, mantendo a sede da organização em Portugal. Gostamos de dizer que existem 7 startups portuguesas com estatuto de unicórnio em Portugal, ou com ADN português, mas convenhamos que essa métrica é no mínimo falaciosa. Quantos desses unicórnios têm a sede da estrutura em Portugal e pagam cá impostos sobre os lucros do grupo!?
Atualmente, com a complexidade fiscal e burocracia, o país não é amigo das scale-ups, principalmente das empresas que atuam globalmente e que por isso obrigatoriamente tem entidades noutros países. O que acontece é que, por exemplo numa expansão para os EUA, em vez de a entidade norte americana ser subsidiária da empresa original criada em Portugal, quase sempre a entidade em Portugal torna-se uma subsidiária da nova empresa nos EUA, que passa a controlar a estrutura.
“Gostamos de dizer que existem 7 startups portuguesas com estatuto de unicórnio em Portugal, ou com ADN português, mas convenhamos que essa métrica é no mínimo falaciosa. Quantos desses unicórnios têm a sede da estrutura em Portugal e pagam cá impostos sobre os lucros do grupo!?”
A grande motivação na maioria dos casos nem sequer é procurar diminuir impostos através de planeamento fiscal, é conseguir atuar num país com uma legislação corporativa moderna que suporte as necessidades das startups, e principalmente estar numa jurisdição que os investidores mais sofisticados aceitem.
“Com a complexidade fiscal e burocracia, o país não é amigo das scale-ups, principalmente das empresas que atuam globalmente e que por isso obrigatoriamente tem entidades noutros países”.
Sem uma legislação mais pro-negócio, Portugal será apenas um centro de custo para qualquer empresa com dimensão multinacional.
Ainda assim, ser um centro de custo não quer dizer que não se criem centenas de postos de trabalhos altamente especializados deixando dinheiro na economia local. Felizmente, a qualidade dos nossos profissionais acaba por reter parte do investimento e compromisso.
Dos contactos que tem feito com diferentes empresários, esse risco existe?
PH: Não é risco, é facto. Alguém consegue pensar numa empresa portuguesa – isto é, com origem e sede do grupo em Portugal – que tenha uma dimensão global!?
Mas não fiquemos deprimidos, não somos caso único. Mesmo Israel, conhecida como uma startup nation, vê as suas startups mudarem a sede do grupo para o estrangeiro.
Assumindo que Portugal não vai seguir o exemplo da Irlanda e tornar-se um oásis fiscal para empresas, será muito difícil reverter esta tendência. Podemos ainda assim ter uma legislação mais simplificada e previsível, com operadores nas instituições públicas mais eficazes. Com isso talvez continuemos a ver um crescimento do número de subsidiárias de empresas globais e scale-ups em Portugal.
Em matéria de captação de investimento estrangeiro, como especialista na matéria, como estima que sejam os próximos meses e o ano 2023?
PH: O mundo vive tempos de incerteza. Apesar da incerteza ser nefasta para a confiança dos investidores, Portugal apresenta algumas condições favoráveis no mercado global. a) Portugal pertence a um dos maiores blocos económicos mundiais; b) tem uma moeda forte reconhecida globalmente; c) dentro da zona Euro é dos países mais distante fisicamente e economicamente independente do conflito na Ucrânia e crise energética; d) é um refúgio seguro e destino de muitos expatriados que escolhem cá viver em tempos de incerteza; e) em detrimento dos portugueses e apesar dos elevados impostos, o custo dos profissionais em Portugal é dos mais baixos na Europa ocidental; f) Portugal tem um Governo estável com maioria governativa.
Certamente 2023 não será o melhor ano das nossas vidas, infelizmente, será mesmo dramático para muitas empresas e cidadãos expostos apenas à economia local, mas do ponto de vista internacional, Portugal tem as condições para ter uma melhor performance na captação de investimento estrangeiro do que muitos outros restantes países. Tenho poucas dúvidas que esse investimento continuará a crescer.