As alterações climáticas estão a colocar uma pressão cada vez maior na saúde humana, na saúde do planeta e no bem-estar da economia. Um estudo recente do Robert Koch Institute, publicado no Journal of Health Monitoring, que reuniu mais de 90 autores de cerca de 30 autoridades e instituições públicas alemãs, contribuiu para fazer uma síntese abrangente da evidência atual na Alemanha. Este estudo revela que o impacto das alterações climáticas na saúde humana é uma realidade global.
Uma das áreas mais afetadas é a segurança dos alimentos. As temperaturas mais elevadas, o aumento da precipitação e a escassez de água resultantes das alterações climáticas podem aumentar a incidência de doenças transmitidas pelos alimentos, devido à propagação e sobrevivência de agentes patogénicos como algumas bactérias, parasitas e biotoxinas marinhas.
A escassez de água, as metas nas emissões de azoto e amónia, por exemplo, e as condições climáticas extremas que estamos a viver forçam os agricultores a decisões difíceis.
Águas residuais tratadas têm riscos associados
O uso de águas residuais tratadas para os vários métodos de irrigação agrícola é uma solução desesperada que traz consigo vários riscos associados. Segundo o estudo alemão, apesar de a água residual ser tratada pode continuar a transportar parasitas, bactérias e vírus patogénicos para os alimentos que ingerimos diariamente.
É importante ressalvar que não é apenas a população em geral que está em risco. Grupos vulneráveis, como mulheres grávidas, crianças e idosos, bem como as pessoas com sistemas imunológicos comprometidos, enfrentam riscos ainda maiores. Parasitas como Cryptosporidium e Giardia, que podem permanecer infecciosos por longos períodos e causar doenças após o consumo de alimentos contaminados, representam uma preocupação especial. Esta preocupação é ainda maior quando se pensa no consumo em cru de refeições à base de plantas.
A Alemanha prevê mesmo um aumento nos episódios de infecção e intoxicação alimentar, tornando-as uma crescente preocupação para a saúde pública.
Adoecem 44 pessoas por minuto na Europa
Se, de acordo, com a OMS já adoecem cerca de 44 pessoas por minuto na Europa, após ingestão de alimentos e bebidas contaminadas, o que será da nossa saúde e bem-estar se não nos adaptarmos às consequência do estado atual do clima.
A boa notícia é que o consumidor faz, simultaneamente, parte do problema e da solução. Assim, se o consumidor melhorar a sua literacia em alimentação segura, refletir sobre os os seus hábitos na cozinha, aplicar rigorosas medidas de higiene, preparação e confecção, evitar a contaminação cruzada e for rigoroso na manutenção da cadeia de frio, os riscos poderão ser minimizados.
Do lado da agricultura, indústria e cadeias de abastecimento a adopção de tecnologias para rastrear a origem dos alimentos e identificar possíveis riscos, pode ser uma ferramenta eficaz para garantir a segurança dos alimentos neste sistema alimentar global. Isto inclui blockchain, identificação por radiofrequência e outras tecnologias digitais.
A responsabilidade da segurança dos nossos alimentos deve ser partilhada por todos os intervenientes do sector. Começando pelo agricultor e terminando no consumidor.
A pressão dos agricultores é grande
Mas será que o consumidor tem estado atento à pressão que os agricultores têm sofrido nos últimos anos?
Focada em reduzir em 50% as emissões de azoto e amónia, até 2030, a União Europeia disse sim ao plano do governo holandês para comprar terras de agricultores. Cerca de 1,5 mil milhões de euros serão usados para compensar os agricultores que encerrarem voluntariamente cerca de 3 mil explorações localizadas perto de reservas naturais.
Além das muitas manifestações e dúvidas sobre a segurança alimentar no futuro, este plano tem levado muitos agricultores a questionar a sua continuidade no sector. Afinal, se venderem as suas terras, e entregarem as suas alfaias agrícolas, quem irá produzir os alimentos daqui a sete anos?
A agricultura portuguesa, não divergindo assim tanto do que se está a passar nos Países Baixos e na Bélgica, nem do restante paradigma global, enfrenta igualmente um futuro incerto.
Com a consciencialização e a adopção de práticas seguras, podemos garantir a saúde da população e contribuir para um futuro mais seguro e sustentável.
Da mesma forma que o Titanic saiu do porto de Southampton a 10 de Abril de 1912 a achar-se inafundável, também o Homem tem achado que os recursos naturais seriam imutáveis, inacabáveis e incontamináveis. A produção, transporte e segurança das nossas refeições já não é uma preocupação distante; é uma realidade urgente, cada vez mais actual, que exige atenção imediata e que diz respeito a todos.
Em última análise, o impacto das alterações climáticas na segurança dos alimentos requer a colaboração entre governos, instituições de saúde e consumidores. Unidos para mitigar os riscos associados às mais de 200 doenças transmitidas pelos alimentos.
Com a consciencialização e a adopção de práticas seguras, podemos garantir a saúde da população e contribuir para um futuro mais seguro e sustentável.