“Poisoned: The Dirty Truth About Your Food”, traduzido para português como “Veneno – Perigo no Prato”, saiu esta semana na Netflix e é o mais recente documentário da conhecida cineasta Stephanie Soechtig. Este é um filme que poderá despertá-lo para a importância da alimentação segura na sociedade, nas famílias e nos negócios. Stephanie Soechtig tem já no seu currículo documentários como “Tapped” (que examinou os efeitos da água engarrafada nas mudanças climáticas e poluição), “Fed Up” (que fala sobre o impacto do açúcar na saúde) e “The Devil We Know” (que expõe os riscos para a saúde dos compostos que compunham a película antiaderente Teflon). Tudo filmes que recomendo aos meus alunos por todo o trabalho de pesquisa que rodeia uma investigação deste género.
Neste tão aguardado documentário foram expostas algumas das chocantes falhas da indústria alimentar norte-americana. Com testemunhos reais e com uma investigação meticulosa, ele revela como décadas de apatia, promessas políticas pouco produtivas e práticas ilegais deixaram vulneráveis, tanto a comida americana quanto os consumidores, a micróbios muito perigosos, como as bactérias E. coli e a Salmonela.
Apesar de na Europa as regras serem diferentes das dos Estados Unidos, país que serviu de base a este documentário, também temos muitas contaminações no velho continente. Vejam-se os exemplos dos últimos dias, em Portugal, em que fomos alertados para a algumas retiradas de produtos alimentares potencialmente contaminados com bactérias muito perigosas.
“Recentemente, em Portugal, fomos alertados para diversos casos de retirada das prateleiras de produtos alimentares potencialmente contaminados com bactérias muito perigosas.”
Ao percorrer os corredores do seu supermercado, praça ou mercearia local, talvez não se aperceba que alimentos, aparentemente inofensivos, como alface, melão cortado, pastelaria, carne, peixe ou até mesmo os produtos de mercearia, possam conter contaminantes que nos fazem adoecer. Curiosamente, esses potenciais perigos raramente são divulgados nos rótulos.
As estatísticas podem ser inicialmente assustadoras. Na Europa, todos os anos, 23 milhões de pessoas adoecem após a ingestão de alimentos contaminados por bactérias, parasitas, toxinas e outros contaminantes. Cinco mil perdem a vida anualmente. E, de acordo com a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, os surtos alimentares na Europa aumentaram 29,8% de 2020 para 2021.
Se falarmos à escala global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de pessoas que, de alguma forma, veem a sua vida afetada após o consumo de alimentos contaminados – que podem causar mais de 200 doenças diferentes – sobe para 600 milhões. Isto resulta no impressionante número de 420 mil mortes e a perda de 33 milhões de anos de vida saudável (DALY’s).
“De acordo com a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, os surtos alimentares na Europa aumentaram 29,8% de 2020 para 2021”.
As doenças transmitidas por alimentos contaminados criam um ciclo vicioso de doenças e desnutrição, afetando desproporcionalmente populações vulneráveis, incluindo bebés, crianças pequenas, idosos e doentes. Para além disto, as questões de segurança alimentar não afetam apenas vidas individuais, mas também prejudicam o desenvolvimento socio-económico em grande escala.
As doenças transmitidas por alimentos contaminados sobrecarregam os sistemas de saúde, prejudicam as economias nacionais, o turismo e o comércio. Um estudo do Banco Mundial, publicado em Outubro de 2018, revelou que os países de rendimento médio e baixo perdem anualmente o impressionante valor de 110 mil milhões de dólares (cerca de 99,7 mil milhões de euros) em produtividade e em despesas médicas devido a alimentos contaminados.
Torna-se por isso cada vez mais urgente e importante reconhecer que esta questão da alimentação segura vai muito além das boas práticas de higiene dos profissionais do setor alimentar ou do comportamento do consumidor nas cozinhas domésticas. Recordo que, num relatório da EFSA, em 2016, se verificou que 40% dos surtos alimentares tiveram como origem as más práticas alimentares nas cozinhas domésticas.
O peso das doenças transmitidas por alimentos inclui não apenas dias de trabalho perdidos, mas também mortes e lesões permanentes, como o caso das crianças menores de cinco anos que representam 40% das pessoas doentes, resultando em 125 mil mortes por ano.
O caminho para enfrentar estes desafios reside numa abordagem multidimensional. A OMS visa combater as doenças transmitidas por alimentos por meio da sua Estratégia Global para a Segurança Alimentar (2022–2030). Esta tem como foco prevenir, detectar e responder a ameaças à saúde pública associadas a alimentos contaminados tanto em nível nacional como global.
Na busca da segurança alimentar, a educação desempenha um papel fundamental. Proporcionar aos consumidores conhecimentos de alimentação segura é urgente e vital.
“Torna-se por isso cada vez mais urgente e importante reconhecer que esta questão da alimentação segura vai muito além das boas práticas de higiene dos profissionais do setor alimentar ou do comportamento do consumidor nas cozinhas domésticas”.
As famílias devem compreender a importância da manipulação, preparação e confecção segura dos alimentos para proteger a sua saúde e bem-estar. Educar o consumidor final sobre as várias temáticas da alimentação segura não só irá proteger as suas vidas, como também irá contribuir para os objetivos globais de desenvolvimento sustentável. Afinal, de que nos serve contar calorias se esses alimentos estiverem contaminados?! De nada! Até porque se está potencialmente contaminado não conta como comida e só irá contribuir para a subida do desperdício alimentar.
Como os nossos alimentos são um assunto de todos, cabe a todos os intervenientes do sistema alimentar – desde o agricultor ao consumidor – começar a dar prioridade aos temas da alimentação segura. Desde as famílias até às empresas, todos desempenhamos um papel crucial na implementação de comportamentos que usam as melhores técnicas de alimentação segura para reduzir o desperdício alimentar, prolongar a validade e a frescura dos alimentos e, consequentemente, manter alimentos sãos disponíveis por mais tempo.
Ao promovermos um ambiente de transparência e responsabilidade, podemos impulsionar mudanças positivas dentro do sistema alimentar e proteger a nossa saúde, a saúde do planeta e a prosperidade dos indivíduos e das nações. Enquanto assistimos e nos confrontamos com as realidades alarmantes apresentadas em “Veneno – Perigo no Prato”, desejo que nos consigamos unir pela busca de alimentos mais seguros para todos.
Espero que tenha a oportunidade de ver este documentário e que o mesmo nos ajude a despertar cada vez mais pessoas para a importância da Alimentação Segura para as famílias, empresas e sociedade em geral. Que sejam cada vez mais os que ficam fora das estatísticas.
“Como pais, tentamos proteger nossos filhos, mas às vezes, algo invisível e desconhecido pode ser devastador”. Este é apenas um dos muitos testemunhos que vai ouvir neste documentário. Juntos, podemos criar um mundo onde a alimentação segura é um direito fundamental e um catalisador para um futuro mais saudável e sustentável.
(Texto escrito pela autora Susete Estrela)