Ágata Filipa tornou-se, há poucas semanas, a primeira portuguesa transferida por dinheiro para uma liga estrangeira. O destino é o Fleury, da liga francesa. A transferência, que coloca a jogadora em França até 2025, ronda os 40 mil euros. Ágata deixa para trás a experiência no Servette, da Suíça, que recorda como muito positiva.
Numa altura em que já treina em França, a Forbes Portugal falou com a jogadora portuguesa sobre esta conquista, o facto de ter ficado fora da convocatória para o Mundial 2023 e a liga feminina em Portugal.
Como foi a última época?
Eu sou uma pessoa/jogadora muito focada no meu trabalho, quero sempre fazer tudo o que está ao meu alcance e mais além para atingir os meus objetivos e para ser uma jogadora mais completa. O Servette ajudou-me muito nisso, foi um clube que me deu visibilidade, que apostou em mim, que também acreditava. Consoante o trabalho, foco e dedicação, mais a aposta do clube, fez com que, apesar de não termos sido campeãs e de termos estado perto de alcançar esse título, fizéssemos uma campanha espetacular. Fomos vencedoras de uma Taça, na fase regular fomos a melhor equipa, as mais eficazes, as que nos mantivemos em primeiro lugar. Foi uma fase regular magnifica, infelizmente não tivemos sorte no play-off, mas o futebol é mesmo assim. Marquei golos, consegui fazer assistências. O facto de ter estado no melhor 11 da época inteira. No meu primeiro ano na Suíça, não sendo eu daquele país, sendo eu uma portuguesa, foi um tremendo orgulho fazer parte da nomeação como melhor lateral esquerda. Infelizmente não consegui ganhar o prémio, mas só o facto de ter estado nomeada já é um motivo de muito orgulho. Acho que são as pequenas conquistas que levam a que depois num todo possa ter estado no radar da minha equipa atual.
Achas que o selecionador nacional não viu isso e daí a decisão de te deixar fora da convocatória para o Mundial?
Eu acredito que todas as conquistas e todo o trabalho que as jogadoras fazem é visto por ele e pela sua equipa técnica. E eu só tenho que continuar a trabalhar cada vez mais, melhor e quem sabe futuramente estar nas opções do selecionador.
Mas como é que te sentes em relação ao facto de não teres ido ao Mundial?
Obviamente que qualquer jogadora que ama aquilo que faz tem o sonho de poder representar Portugal, estar nas maiores competições a carregar aquele símbolo ao peito. Quando vemos que o nosso nome não está lá é uma coisa que nos custa sempre, que nos deixa mais tristes, mas acima de tudo aquilo que é mais importante é continuarmos a apoiar as jogadoras que vão e as jogadoras que fizeram um excelente trabalho naquilo que conseguimos conquistar, na visibilidade que tivemos por mérito próprio. Portugal é união, independentemente de quem vá ou deixe de ir, somos um todo.
O que é que representa para ti seres a primeira jogadora portuguesa transferida por dinheiro?
É algo que me deixa contente. Aconteceu comigo, podia ter acontecido com outra qualquer, mas acima de tudo isto representa que cada vez mais a jogadora portuguesa está a ser valorizada e está a ser vista com outros olhos. Para mim, esta transferência representa isso mesmo. O que me deixa mais feliz é o facto de continuar a ser um abrir portas e eu espero que daqui para a frente as coisas continuem a mudar para melhor e que outros clubes de outras ligas continuem a apostar na jogadora portuguesa. E cada vez haverem mais notícias relativamente a transferências concluídas porque a jogadora portuguesa trabalha muito e luta muito para que pequenas conquistas como estas aconteçam. É tudo mérito daquelas que anteriormente lutaram muito para que nós hoje em dia também chegássemos a este patamar e pudéssemos continuar a lutar para que o futebol feminino continue a crescer e a crescer.
E por outro lado, o facto de ter demorado tanto tempo para que isso acontecesse diz o quê sobre o futebol feminino português?
Diz que ainda temos muito para continuar a crescer, mas que acima de tudo ainda temos quem esteja ligado ao mundo do futebol a querer apostar no futebol feminino se der receita no momento, se for uma coisa a curto prazo. É importante perceber que no futebol feminino em Portugal nós estamos a lutar para continuar a crescer e é algo que vai dar mais a longo prazo, não é uma coisa que é imediata. É preciso que quem queira apostar realmente aposte por amor à modalidade e por ver que realmente as mulheres são capazes e praticam um futebol incrível, e que mais tarde lhes vai dar esse tal beneficio, esse lucro. Não é como o futebol masculino que em cada transferência ou em cada mudança de clube aquilo gera dinheiros e dinheiros, aqui no futebol feminino a aposta tem que ser mais por amor, por acreditar que a longo prazo aquilo vai dar lucro.
E qual é a tua opinião em relação aos valores praticados? Achas que os valores das transferências no feminino são os justos neste momento?
Não, não acho. Especialmente pelo momento que o futebol feminino está a ultrapassar agora e por tudo aquilo que temos vindo a conquistar, pelo trabalho que foi desempenhado pela seleção portuguesa, pelo trabalho que nós temos vindo a fazer ano após ano. Chegarmos aos valores a que se chega nos masculinos não sei se acredito que possa vir um dia a acontecer, espero que sim, mas tenho as minhas grandes dúvidas. Mas que é uma discrepância muito grande, é. Seria muito bom se as pessoas que apostam na modalidade apostassem com valores mais altos porque trabalhamos para isso. Tentamos fazer do futebol, que é a nossa paixão, a nossa profissão e ainda há coisas que temos de ser nós a pôr e fazer porque não temos uma base por trás disto tudo. Não temos o mesmo acompanhamento, as mesmas facilidades, as mesmas condições que os homens têm. Embora tenha vindo a mudar, felizmente.
Mas acho que os valores que têm vindo a aparecer no mercado não são valores que a mulher mereça, acho que a jogadora merece muito mais do que aquilo que os clubes apresentam. Infelizmente, ainda é esta a nossa realidade.
Os últimos tempos foram históricos para o futebol feminino português. O que esperas que aconteça agora? O que é que tem de mudar?
O que tem de mudar é a forma como olham para o futebol feminino. Nós temos dado provas e mais provas da nossa qualidade e do nosso trabalho, pelas conquistas que temos vindo a fazer, pelas histórias que têm vindo a ser feitas. É continuarem a olhar para o futebol feminino como algo que é bom, algo que ainda tem muito para crescer, muito para dar, e que somos mulheres capazes disso mesmo. Prova disso foi a prestação excelente que a seleção fez, as transferências que existem, a mudança de jogadoras para clubes cada vez melhores e com nome. É olharem, é verem, apoiarem, acreditarem, ajudarem-nos neste crescimento. É importante que condições, campos, seja tudo melhorado porque infelizmente ainda temos campos em Portugal que são uma misérias. É nos pequenos detalhes que temos de ir mudando.
Falta a profissionalização?
Sim, infelizmente ainda temos jogadoras em Portugal que não são profissionais. E acredito que até em clubes grandes isso aconteça, poucas, mas que ainda existe. Para que o futebol continue a crescer, para que haja uma maior competitividade, é importante que isso também mude. Que as jogadoras passem a ser todas profissionais, que as condições melhorem, que as pessoas que estão dentro dos clubes continuem a apostar. Lá está, e não quererem que seja tudo a curto prazo, é ir apostando e a longo prazo vão acabar por ter o seu lucro.
E vês a profissionalização a acontecer em breve ou vai ser necessário mais tempo?
Eu gostava de dizer que vejo isso a acontecer brevemente, mas acho que infelizmente a liga ainda vai precisar de mais tempo para dar esse passo. Todo o crescimento que nós temos vindo a ter têm sido passos lentos. Ainda vai demorar algum tempo, embora estejamos a mostrar resultados, mas acho que as pequenas coisas levam muito tempo para mudar. É um trabalho que realmente tem de ser feito, gostava muito que fosse para breve, mas não sei se isso irá realmente acontecer. Se acontecer ótimo, só será uma excelente notícia e muito merecida para nós.
Estando fora, sentes que a liga portuguesa é de alguma forma uma ambição ou não passa pelos planos das jogadoras?
Acho que passa, até porque nós na nossa liga temos clubes com nome, clubes que vão dando que falar. Como o Benfica, que disputa a Liga dos Campeões, o Sporting, o Braga, que são os mais profissionais e por norma têm maior destaque. Estando fora, há muitas jogadoras que falam comigo e que sabem o nome desses clubes. Dizem: ‘Um dia se calhar gostava de experimentar jogar em Portugal’. Ou perguntam o que eu acho, se é algo que é uma mais valia, se não é. Isso é muito bom. E vê-se muitas jogadoras de fora a entrarem em Portugal.
E qual é o conselho que dás quando te perguntam?
Eu digo sempre para tentarem, para experimentarem, ainda para mais com o crescimento que tem vindo a ter. A liga está cada vez melhor. Eu também sou suspeita, porque eu amo o meu país, apesar de estar fora fico muito contente com o crescimento que temos vindo a ter e espero que assim continue. Nós praticamos bom futebol, um futebol que as pessoas gostam de ver, que vale a pena ver, portanto acho que é sempre uma boa experiência.
Quais são as tuas expetativas em relação à liga francesa?
Tenho expetativas altas porque sei que é uma liga bastante competitiva, vai ser um ano mais duro, mas um ano a continuar a crescer, evoluir, aprender. É com esse objetivo que eu decidi agarrar esta oportunidade. E ajudar a minha equipa nos objetivos traçados, podermos fazer um bom campeonato e pôr o nome da equipa na Liga dos Campeões na próxima época.
A preparação está a ser diferente?
Sim, todas as experiências que eu tenho vindo a ter nenhuma é igual. Todas as pré-épocas têm sido diferentes, mas acho que num contexto geral esta tem sido, de alguma forma, a mais dura. França tem muito o conceito de correr, correr, correr, tudo é motivo para correr e era algo que eu não estava habituada. Mas é bom, é mais uma experiência a adquirir. Estou bastante ansiosa que a época comece para ver o desenvolvimento e para sentir a competitividade que a liga francesa representa. Jogar contra jogadoras de topo e poder continuar a crescer e evoluir na minha carreira.
Quais foram os objetivos que traçaste a nível individual?
Poder ser das jogadoras mais usadas, ser opção, fazer assistências, marcar golos, mas acima de tudo fazer o maior número de assistências para ajudar a minha equipa a chegar ao nosso objetivo. Quem sabe estar numa nomeação das melhores laterais da liga francesa. Que olhem para o meu trabalho e para a jogadora portuguesa como uma aposta, como uma mais valia para se ter na liga.