100 Ideias para Portugal: a opinião de Maria de Fátima Carioca, dean da AESE

O propósito que nos leva a pensar ideias para Portugal não é exatamente o mesmo que empenharmo-nos no seu crescimento. É (tem de ser) maior e mais profundo. Trata-se de construir um futuro próspero para Portugal, um futuro para a próxima geração de portugueses e de todos os que escolherem o nosso país para viver.…
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Um leque de personalidades aceitou o desafio de pensar Portugal e inspirar os governantes. Recolhemos 100 ideias. Damos voz a Maria de Fátima Carioca, dean da AESE Business School.
Líderes

O propósito que nos leva a pensar ideias para Portugal não é exatamente o mesmo que empenharmo-nos no seu crescimento. É (tem de ser) maior e mais profundo. Trata-se de construir um futuro próspero para Portugal, um futuro para a próxima geração de portugueses e de todos os que escolherem o nosso país para viver. E esta sim, é uma razão de ser suficientemente grande para ser mobilizadora do próprio crescimento. O crescimento não deve ser um objetivo per si, mas uma consequência de uma economia sustentável, um tecido empresarial forte e uma sociedade coesa. Tal como com as pessoas: não vivemos para crescer, mas se vivermos e estivermos bem, então o crescimento acontece, inevitavelmente. Neste sentido, o crescimento é um sintoma, um bom indicador, mas não o propósito.

Por agora, a tendência que se verifica mostra precisamente o contrário: quer as pessoas, quer as empresas, quer o investimento fogem de Portugal, representando uma perda de talento e de oportunidades de geração de riqueza, com implicações muito graves em termos económicos e sociais.

Apostar mais nas pessoas

Começando pelas Pessoas, os dados mais recentes divulgados pelo Observatório da Emigração (OE) indicam que Portugal tem a taxa de emigração mais elevada da Europa e uma das maiores do mundo. Só na última década saíram de Portugal cerca de 1 milhão de portugueses, estimando-se que no total, haja cerca de 2,3 milhões de portugueses a viver fora do país. De entre esses, 70% têm entre 15 e 39 anos, ou seja 30% dos nascidos em Portugal com idades nesse intervalo vivem atualmente no exterior. São mais de 850 mil.

Este é um número muito elevado, com efeitos profundos quer no envelhecimento expressivo da população, quer na fecundidade, já que quase um terço das mulheres em idade fértil emigraram (hoje, 1 em cada 5 dos filhos de mãe portuguesa nascem no estrangeiro), quer ainda no talento qualificado (todos os anos saem do país o equivalente a 40% dos novos licenciados).

E as consequências não se limitam ao facto de que todo o investimento realizado pelas famílias e pelo Estado nestes jovens não tenha o retorno desejado, nomeadamente nas receitas do IRS e da Segurança Social. Esta fuga de jovens talentosos, sobretudo, atrasa o salto necessário na competitividade e sustentabilidade das empresas e do país.

É, por isso, urgente tomar medidas que estanquem e, idealmente, revertam esta tendência, começando por compreender as razões pelas quais estes jovens decidem sair. Vários estudos concordam em que os fatores de decisão que levam os jovens a emigrar são, principalmente, três: os baixos salários face ao elevado custo de vida que não lhes permite uma vida digna, a falta de oportunidades e perspetivas de carreira que inibe o seu crescimento e evolução e um regime fiscal muito agressivo quando comparado com outros países europeus.

Assim, no que às Pessoas diz respeito, as medidas a adotar devem focar-se, essencialmente, no repensar da política fiscal, na melhoria dos salários complementados com benefícios personalizados, na flexibilização dos modelos de trabalho e na aposta clara na formação ao longo da vida, tendo como base uma estratégia nacional sobre o Futuro do Trabalho em Portugal.

A importância das empresas

Em segundo lugar, no caso das Empresas, a falta de atratividade do país é também uma constante. As empresas portuguesas são, na sua grande maioria, micro, pequenas ou médias empresas. O número de empresas de grande dimensão em Portugal é substancialmente inferior à realidade europeia (0.1% contribuindo em 29% para o PIB nacional). Talvez se possa, então, pensar que é uma questão de falta de ambição e/ou de saber por parte dos empresários portugueses. E, seguramente, que em muitos casos assim é, mas é também um constatar de que poucas das grandes empresas de origem portuguesa continuam a investir sistematicamente em Portugal. Basta recordar que dos sete unicórnios de origem portuguesa nascidos na última década, apenas um continua a ter sede em Portugal.

Mais ainda, se a falta de escala das empresas portuguesas se revela com um grande desafio para a sua sustentabilidade, também a falta de investimento em recursos e a lenta adoção de novas tecnologias que potenciem uma maior inovação, produtividade e eficiência são fatores inibidores do crescimento destas empresas e da economia do país.

É por isso urgente um sistema incentivador que viabilize o acesso aos recursos e instrumentos adequados para que cada empresa possa trilhar um caminho de crescimento sustentado e de globalização.

Desafios de crescimento

Em terceiro lugar, de toda esta análise se conclui que os desafios relacionados com o crescimento do país são complexos porque as variáveis são muitas e, na sua grande maioria, novas. A resiliência, quer pessoal quer organizacional, será um bom ponto de partida para lidar com estas variáveis. Mas, na continuação, é importante refletir também sobre como o nosso mundo tão fragmentado e um horizonte incerto, se podem transformar num catalisador de oportunidades.

Por isso vale a pena trabalhar na criação de plataformas de acompanhamento e debate de temas como a renovação geracional ou, já no campo da tecnologia, a evolução da Inteligência Artificial, a edição genética, a computação quantum, a híper-conectividade ou as chamadas tecnologias verdes. Todos estes temas são matéria para criativamente se pensar, desenvolver competências únicas em Portugal e abraçar a evolução dos negócios e o futuro das organizações em geral, desde as empresas, passando pelas cidades, até às próprias famílias enquanto realidades humanas vivas e dinâmicas. Um bom exemplo disto mesmo é Alumni Learning Program, iniciativa anual dos Alumni da AESE Business School, que se constitui como um verdadeiro programa de atualização e partilha de conhecimento e ideias.

O papel do Estado

Uma última palavra, resumindo o papel do Estado para o crescimento de Portugal. Ao Estado caberá sempre um papel crucial e próprio mais semelhante a uma venture capital, solicitando, apoiando, avaliando e escalando estratégias inovadoras para resolver os grandes problemas económicos e sociais. Cabe-lhe também monitorizar (e, pontual e subsidiariamente, prestar) os serviços públicos de forma a garantir a qualidade dos serviços prestados e que os mesmos são realizados com verdadeiro sentido de serviço ao público. Esta visão do papel do Estado implica o repensar do modelo tributário e do financiamento da Segurança Social bem como de outros sistemas sociais a nível nacional evoluindo para um novo modelo de redistribuição da riqueza, sem deixar de preservar o acesso democratizado aos serviços e a igualdade de oportunidades para todos.

Concluindo, a necessidade de crescimento coloca-nos desafios muito significativos, com tanto de risco como de oportunidades. Comecemos por (re)descobrir o propósito coletivo que nos congrega e mobiliza como país. Um propósito que desperta, em cada um, uma atitude de superação, o desejo de empreender, a ambição de deixar uma marca positiva e, em todos, a esperança de uma vida melhor. Pelo caminho, a maneira ágil, harmoniosa e atenta como, pessoal e colaborativamente, soubermos ir respondendo determinará, então, a evolução da economia e da própria sociedade portuguesa, que todos ambicionamos mais humana, justa e inclusiva.

(Leia artigo de capa completo na edição de fevereiro/março, agora em banca)

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