“É um termo com a qual às vezes estou em paz, mas outras vezes também sinto que é muito abrangente”, diz Catarina Mira sobre um dos nomes que é dado à sua profissão: Influenciadora. “É como dizeres que trabalhas num escritório. O meu escritório é a internet e na internet estão todo o tipo de pessoas a fazer todo o tipo de coisas”. O que Catarina faz é criar. Foi assim com as personagens que interpretou enquanto atriz, é assim com os conteúdos que pública nas redes sociais e será assim nos trabalhos como realizadora.
Que ou quem ama as artes ou tem gosto artístico, sentimento do belo. Diz o dicionário na definição de “artista”, que pode ser entregue a Catarina, mesmo que ainda não o veja.
“Tenho alguma dificuldade em chamar-me de artista, não sei se aquilo que eu faço nas redes sociais é arte. Mas isto são macaquinhos da sociedade, porque eu sinto que aquilo que faço quando me sento nesta cadeira e estou a editar um vídeo é uma coisa muito fluída e muito pouco consciente. É outra dimensão criativa em que música e imagem, tudo casa com tudo de uma forma pouco consciente e pouco planeada”, afirma à FORBES.
Tinha apenas 13 anos quando começou a trabalhar na representação. Fez séries, filmes, novelas e apresentou programas. “Disney Kids” e “Morangos com Açúcar” são alguns dos seus projetos mais conhecidos. Ao mesmo tempo conciliou trabalho com os estudos e tirou uma licenciatura em Jornalismo. “Acho que me foi útil no sentido de desenvolver mais a minha habilidade para a escrita, porque eu sempre quis desenvolver esse meu lado. O meu pai é escritor, o meu irmão é músico e produtor, sempre tivemos todos muito ligados à criatividade”, conta. Outro ponto a favor foi o facto de ter aprendido a conciliar trabalho e estudos, algo que lhe foi útil mais tarde, quando decidiu mudar-se para Inglaterra, onde depois começou o seu percurso nas redes sociais.

Em Londres foi a alguns castings para escolas de representação até que conseguiu entrar numa que lhe deu “justificação para ficar”, mas acabou por não terminar o curso visto que não estava a ser fácil conjugar tudo. Parou, procurou um agente e começou a fazer castings para projetos na representação. Ao mesmo tempo trabalhou em restaurantes, hospitalidade, lojas, trabalho temporário, call centers.
“Na altura vinha com alguma confiança de Portugal, porque trabalhei consecutivamente desde os meus 13 anos, então achava que seria assim também quando cá chegasse e quando começasse a fazer essas audições. Mas rapidamente me deparei com a rejeição, que é normal. Acho que não tinha estômago para enfrentar o quão grandiosa é esta indústria e a quantidade de nãos que tens de enfrentar para depois chegar a algum lado”, conta.
Foi entre esses nãos que o agora marido de Catarina lhe deu a dica de voltar a escrever. Desta vez num blogue. O “Mira-me” nasceu nessa altura. “Está completamente estagnado porque já ninguém lê blogues, mas de alguma forma não consigo matá-lo completamente porque acho que tem ali um pedaço de história minha que não quero que desapareça da internet, e quem sabe um dia pode voltar a ser útil. Não era direcionado para trabalhar com marcas, era um bocadinho uma janela para o meu mundo, conjugado com o meu amor pela fotografia, que sempre esteve presente”, diz. Mas mesmo sem essa intenção inicialmente, nasceu assim uma outra carreira no mundo da criatividade.
Mercados diferentes
“É tão engraçado ver esta transformação dos meios. Nada rígido como antigamente. É tudo possível e acho que temos de abrir um bocadinho a nossa mente em relação a isso. Eu sinto que às vezes em Portugal ainda há muito aquela questão do ‘o que é que tu fazes?’. Eu acho que tenho vários papéis, e está tudo bem. Tenho vários sonhos, eles são todos muito diferentes e acho que é tudo possível”, afirma Catarina.
Para o blogue se tornar algo profissional, começou por contactar as marcas. Em vez de esperar que a encontrassem. Tendo em conta que falar de Inglaterra é falar de um mercado muito grande na área do digital, mostrou-se presente. “Um bocado sem vergonha na cara dizer ‘esta sou eu, este é o meu trabalho, por favor incluam-me na vossa lista de pessoas a quem estão a oferecer amostras’. É uma coisa que se vai construindo lentamente. As pessoas compram de pessoas e esta indústria é como outra qualquer, quanto mais relação eu crio mais as coisas vão crescendo”, explica.
Pelo caminho ainda regressou a Portugal para fazer uma novela, mas nesse momento já nada a fez deixar o universo da criação de conteúdo. “Estava aqui deste lado a fazer uma coisa que até me dava muito gozo, estava a ter liberdade criativa para criar o que eu quisesse com marcas, de alguma forma a contar histórias na mesma, de alguma forma a ser atriz, porque acabo por estar à frente da câmara, e foi um bocadinho assim que deixei a representação”, diz.

Hoje, a relação que tem com as marcas com que trabalha já está muito bem organizada. Tem uma equipa em Inglaterra com quem fala sobre o tema de duas em duas semanas. “Recebo um resumo das marcas para as quais eles estão a fazer pitch, e também há sempre as sugestões que eu vou dando de marcas com quem eu gostaria de trabalhar ou que acho que não estou no radar delas. Acho que isto é um negócio e como eu não sou a pessoa mais comercial, sou uma pessoa que puxa criatividade, brand awareness e storytelling, talvez passe despercebida entre as pessoas virais”, diz, realçando que sem se colocar na frente da relações públicas das marca nem sempre será notada neste universo tão sobrelotado.
Nas suas mãos está o controlo de gerir aquilo que quer colocar cá fora, em parceria com quem e de que forma, ainda que existam, por vezes, diretrizes a ser seguidas. “Consigo oferecer aquilo que a pessoa está a pedir, há um diálogo, não é tão branco ou preto, há muitas possibilidades e tenho mais controlo. Acabo por ser a minha própria boss”, afirma.
Catarina trabalha com marcas em Portugal e Inglaterra, mas falamos de dois mercados complemente diferentes. Para começar nos valores: é sempre a multiplicar por três. “Se em Portugal pagarem 5 euros por um reel, em Inglaterra vais ganhar 20”, conta. Quando trabalha com marcas em Portugal já parte com a noção de que tem de fazer um ajuste de expetativas em relação ao pagamento que vai receber, mas como tem o mercado inglês a complementar acaba por conseguir ser mais seletiva por cá e trabalhar apenas com quem realmente quer. Catarina tem a noção de que se estivesse a trabalhar apenas para o mercado português, teria um conteúdo diferente e uma capacidade de dizer que não muito mais reduzida.
Mas isto não limita nenhum criador nacional, até porque Catarina acredita que hoje em dia é possível conquistar uma comunidade internacional sem ter de mudar de país, como ela fez. “Se queres ter um following internacional e viveres em Portugal, a coisa mais importante que tens a fazer é participar na comunidade do país onde queres ser valorizado, seguir outras pessoas de outros países, comentar nos perfis deles. E continuar a abordar os representantes das marcas. Porque o following pode ser de qualquer lado, independentemente de onde vivas”, diz.
Caminho a seguir
Um blogue em standby, mais de 75 mil seguidores no Instagram, 3 mil seguidores e mais de 25 mil gostos no TikTok. Só que por muito grande que isto seja, a carreira de Catarina Mira não ficará por aqui.
“Eu vejo muita gente a lançar marcas, às vezes isso deixa-me um bocadinho com fomo [fear of missing out]. Se calhar devia, já estou com 32 anos, vou fazer isto mais 10 anos? O que vou fazer a seguir? Como me vou reinventar?”, questiona.

É verdade que já pensou mesmo em avançar com uma marca, e chegou a conversar com fábricas, mas quando consegue parar para pensar sabe que não tem necessariamente de seguir esse caminho. A sua ideia é outra: “Acho que a idade e a maternidade também me trouxeram um aguçar daquilo que eu quero realmente fazer, e hoje em dia sinto mesmo que quero trabalhar como realizadora, quero aprender o máximo que eu consiga nesse aspeto”, garante.
Para começar terá de mudar o seu posicionamento. Ou pelo menos o modo como as marcas olham para ela, de forma a que a comecem a notar mais como criativa. A seguir vai ter de tomar a decisão de escolher trabalhos que pagam menos, mas que lhe permitem seguir este caminho. É que, garante, um trabalho como influenciadora paga melhor do que o trabalho de produtora ou realizadora, uma vez que o primeiro contabiliza o alcance.
“As marcas às vezes não olham para mim como a criativa, olham para mim como a cara ou a modelo. Quando se trata de vídeo muitas vezes sou eu mesma a planear todo o conceito, cada plano, sou eu que edito tudo, sou eu que escolho a música, que faço toda a tipografia. Eu gostava que as marcas tivessem essa consciência e que se calhar olhassem para mim e pensassem ‘ela pode fazer parte da nossa equipa de direção criativa’, não necessariamente trabalhar apenas como influenciadora”, conclui.