Sonhava ser o Indiana Jones e acreditava que conseguiria ter uma profissão que se identificasse com esse mundo da aventura. Acabou por ir parar à licenciatura de Geografia, mas depressa percebeu que não era esse o seu caminho. Henrique Vasconcelos, 30 anos, desistiu do curso, mas não da sua ambição de conquistar. Nem que fosse um projeto só seu. Empreendedor até ao osso, admite que tem a tendência de simplificar e achar até que é sempre tudo fácil. É, talvez por isso, que se atira de cabeça e arrisca. Gosta de desafios e coloca-se constantemente “fora de pé”, como diz. Foi por isso que se inscreveu, de uma forma impulsiva, e sem pensar muito, numa maratona no deserto do Saara, em Marrocos, uma prova de superação pessoal, na qual fez, há umas semanas, cerca de 250 quilómetros em 11 dias.
Arriscou também no seu primeiro negócio, a comercialização de filamentos para impressoras 3D, iniciativa que não correu bem. Mas este revés não lhe travou o ímpeto e até lhe serviu de catapulta para o próximo desafio: a produção de barritas e bolas energéticas a partir de casa, negócio que transformou numa empresa de sucesso. Tinha apenas 23 anos quando fundou a Wild Bran, uma startup que nasceu em 2017 e que hoje já fatura 6, 5 milhões de euros, e tem, entre os seus clientes, a Sonae e a Jerónimo Martins.
A primeira fábrica a surgiu em 2019, na incubadora do MARL. E, se no final desse ano, faturou apenas 70 mil euros, no final de 2020 a empresa já tinha um volume de vendas na ordem dos 700 mil euros.
Para 2025, a estimativa é que o negócio ultrapasse os 10 milhões de euros de vendas, mantendo o ritmo acelerado de crescimento dos últimos anos. A missão da Wild Bran, é, segundo o seu fundador, “impactar 100 milhões de pessoas até 2037”, e isso está escrito na parede das instalações para que toda a equipa, que já ultrapassou os 60 elementos, possa estar bem desperta para este objetivo. “Não me movo por dinheiro, não faço isto para enriquecer. O meu propósito é conseguir criar o máximo que conseguir”, explica o empreendedor, que reinveste no negócio tudo o que pode, para continuar a alavancar o futuro.
O caminho de um empreendedor
De espírito aventureiro e irrequieto, começou cedo a demostrar necessidade de fazer inúmeras coisas diferentes. Em adolescente já fazia fotografia para algumas revistas e quando desistiu dos estudos superiores trabalhou como instrutor de mergulho num centro especializado. Até se fartar, como revela, e regressar a Lisboa, onde nasceu, para trabalhar numa leiloeira, seguindo-se um emprego num banco. Escusado será dizer que nada disto o satisfazia. Tinha 22 anos quando o seu irmão fundou, com mais três sócios, uma empresa de impressoras 3D e achou que vender filamentos para as ditas impressoras seria um bom negócio. Não foi.
Conheceu nessa fase aquela que viria a ser sua mulher – e depois ex-mulher – e que lhe deu a conhecer umas barritas energéticas que trouxe de uma viagem a Londres. “Achei aqueles produtos fantásticos, deliciosos, e tinham apenas dois ou três ingredientes, não tinham açúcar e eram naturais. E disse: vou começar a vender isto”, recorda. Ligou para a marca, no Reino Unido, e conseguiu representar os produtos em Portugal. Vendeu o material de mergulho que tinha e lá comprou a primeira palete de produto, que começou a distribuir em pequenos clientes, como cantinas e cafés. Nascia assim a Wild Bran.
Porém, Henrique depressa percebeu que, desta forma, o produto não era acessível ao consumidor final – uma premissa que mantém até hoje no negócio, que é ter preço para democratizar o acesso ao produto –, e por outro lado, o negócio, de um homem só, não estava a crescer. Foi nesta fase que decidiu: “vou produzir eu próprio o meu produto”. Com um capital inicial de apenas 500 euros, e com um robot de cozinha da sua mãe, começou a produzir barras de cereais e bolas energéticas em casa. Os vídeos do YouTube foram de uma ajuda preciosa já foi através deles que iniciou as suas primeiras receitas. E aos poucos, as vendas foram surgindo.
Para conseguir investir e crescer, Henrique vendeu 15% da empresa ao irmão – estrutura acionista que ainda hoje se mantém -, que era piloto da TAP e já tinha uma pequena poupança, e conseguiu ainda que alguns clientes lhe pagassem adiantado.
Entretanto comprou mais alguns robots, baratos, no OLX, e montou a primeira “fábrica” fora de casa, num espaço do mercado municipal de S. Domingos de Benfica, que oferecia um ano de renda a empreendedores. Sem capital, Henrique Vasconcelos recorda que passava noites inteiras a fazer barritas à mão para conseguir entregar todo o produto que lhe era encomendado. Antes de conseguir entrar no retalho tinham alguns clientes pequenos que suportavam o negócio.
Mas o empreendedor sabia que precisava de dar o salto, que fazer tudo sozinho, manualmente, não era suficiente para o crescimento que queria. “Queria que a marca chegasse a mais pessoas e, para isso, tinha de chegar ao retalho”, afirma. E mesmo antes de ter estrutura, bateu as todas as portas, mostrando o seu produto, quer no mercado nacional quer no internacional. “Na realidade não tinha sequer uma fábrica preparada, e se me dissessem que tinha de entregar a encomenda para a semana seria impossível. Faltava máquinas, faltava dinheiro, faltava capital, faltava tudo”, recorda.
Então, para investir e crescer, vendeu 15% da empresa ao irmão – estrutura acionista que ainda hoje se mantém -, que era piloto da TAP e já tinha uma pequena poupança, e conseguiu ainda que alguns clientes lhe pagassem adiantado. Com esse pequeno capital, foi a Espanha e comprou duas ou três máquinas em segunda mão, e foi à China onde comprou uma outra máquina. “E em quatro meses montei uma fábrica com capacidade para dar o salto. Precisávamos dar um bocadinho de segurança aos clientes, pois como nunca tivemos investidores e uma estrutura por detrás, precisávamos convencê-los que tínhamos a capacidade de cumprir”. E a primeira fábrica a surgiu em 2019, na incubadora do MARL. E, se no final desse ano, a empresa faturou apenas 70 mil euros, já em plena pandemia o crescimento da procura foi exponencial e, no final de 2020, a empresa já tinha um volume de vendas na ordem dos 700 mil euros.
Como chegar à grande distribuição
Nessa altura, Henrique já tinha conseguido entrar em dois pesos pesados do retalho nacional: no grupo Sonae e na Jerónimo Martins. Por outro lado, vendia ainda para uma empresa alemã que tinha uma presença forte no online, e que, por isso, registou um boom de procura na pandemia. “Estes dois grupos nacionais deram-nos a oportunidade de lançar as primeiras bolas energéticas verdadeiramente acessíveis que chegaram ao mercado. Fomos nós que introduzimos em Portugal, quer através de uma marca própria da Jerónimo Martins, quer da Sonae”, explica. Atualmente a Wild Bran exporta já cerca de 60% da sua produção, tendo como principais mercados de destino a Alemanha, o maior da marca, atualmente, a Finlândia, o Reino Unido, a Espanha, a República Checa, e está agora a iniciar as primeiras vendas para a Colômbia.
A marca começou pela produção de barritas e bolas energéticas, mas hoje já apresenta um leque variado de produtos. “Trabalhamos em várias gamas de produtos, desde barras a bolas energéticas, passando por ready to eat meals, proteínas e bolachas. O que nos distingue é que não colocamos nada de artificial nos nossos produtos e procuramos que cada ingrediente tenha uma funcionalidade específica. Procuramos a simplicidade, ou seja, ter o menor número de ingredientes possível, como era antigamente”, explica Henrique Vasconcelos. Acrescenta que tudo o que produz é plant based, para conseguir ter uma pegada ecológica mais reduzida. “Acredito que as coisas devem ser feitas de uma forma simples e entregar valor ao consumidor. Procuramos ser o mais transparente possível no nosso rótulo. Aliás, nós abrimos mesmo as portas da fábrica e mostramos tudo o que fazemos em termos de receitas e de fórmulas”, esclarece.
O crescimento acelerado tem sido a palavra de ordem desde a sua fundação. De 2023 para 2024 a empresa cresceu 90% e vai manter este ritmo já este ano, ao estimar uma faturação de 10 milhões de euros.
A empresa, que desde o início tem estado a produzir para outras marcas, está a agora a lançar a sua marca própria, mas sempre com a premissa de trazer ao mercado um produto acessível ao consumidor. Esta marca própria será também vendida através das redes de retalho instaladas. Henrique Vasconcelos explica que a inovação está no ADN Wild Bran, e que procura constantemente trazer novos produtos ao mercado. “Numa equipa pequena como a nossa, temos seis pessoas dedicadas ao desenvolvimento de produto. E estamos constantemente a ter ideias novas”, explica.
O crescimento acelerado tem sido a palavra de ordem desde a sua fundação. De 2023 para 2024 a empresa cresceu 90% e vai manter este ritmo já este ano, ao estimar uma faturação de 10 milhões de euros. A marca própria dará aqui uma ajuda neste crescimento. “Já mudámos de fábrica quatro vezes e agora estamos prestes a mudar novamente porque estamos a ficar sem espaço outra vez na fábrica da Póvoa de Santa Iria. Os investimentos, esses têm sido anuais: em 2025 está previsto um investimento superior a 1,7 milhões de euros. “Aquilo que me dá prazer é ver as nossas pessoas fazerem coisas que nunca pensaram fazer e colocar o resultado desse trabalho no mercado. É isso que me move”, remata Henrique Vasconcelos.
(Texto originalmente publicado na edição impressa de junho/julho de 2025)