Imagine que tem três hambúrgueres para grelhar e que no seu grelhador apenas cabem dois de cada vez. Como cada lado do hambúrguer demora 10 minutos a cozinhar, se fizer primeiro dois e, no fim, o terceiro, demora um total de 40 minutos na operação. Mas se tiver pressa e quiser poupar tempo, qual a melhor forma de o conseguir? A solução é reorganizar os processos. Ou seja, se grelhar os primeiros dois hambúrgueres só de um lado, gasta 10 minutos, depois vira um e retira o outro para fora, colocando o terceiro. Ao fim de 10 minutos retira o primeiro, já pronto, vira o terceiro e volta a colocar no grelhador o lado não cozinhado do segundo hambúrguer, terminando assim a tarefa. Desta forma, para concluir a assadura dos três alimentos só despendeu 30 minutos, poupando cerca de 25% do tempo necessário inicialmente.
Foi a partir de Portugal que a empresa fundada há 20 anos cresceu a um ritmo acelerado e conquistou clientes um pouco por todo o mundo, como as portuguesas Jerónimo Martins, a Sonae, a Sumol Compal, a Delta, a Sagres e a Renova.
Parece-lhe uma gestão complexa? Talvez, mas para a Wide Scope, empresa portuguesa que criou o software Routyn, esta solução matemática de reorganização é a melhor forma de gerir frotas, e reduzir, até 25%, a necessidade de viaturas, contribuindo para a sustentabilidade ambiental. A metáfora em cima é usada por Filipe Carvalho, co-fundador e CEO da companhia portuguesa para mostrar, de forma simples, como a matemática, o algoritmo e Inteligência Artificial são usados no seu software de planeamento de rotas, tornando-as mais eficientes, reduzindo custos significativos e, não menos importante, reduzindo as emissões de carbono. Como o setor dos transportes de mercadorias é responsável por cerca de 28% das emissões de gases com efeito de estufa, esta poupança torna-se fundamental para as estratégias de net zero emissions de várias empresas e países.
Foi a partir de Portugal que a empresa fundada há 20 anos cresceu a um ritmo acelerado e conquistou clientes um pouco por todo o mundo, como as portuguesas Jerónimo Martins, Sonae, Sumol Compal, Delta, Sagres, Renova, ou as multinacionais Aldi, Auchan, Fiat, Maphre, Air Liquide, entre tantas outras. Hoje, tem a ambição de crescer à escala mundial.
Como arrancou o projeto Wide Scope
Filipe Carvalho, lisboeta, estudava Matemática na Universidade de Lisboa, área que sempre o apaixonou, quando conheceu a colega de curso Ana Pereira. “Dizem que as pessoas de matemática são obcecadas pela solução de problemas. Isso, de facto, sempre me acompanhou”, explica Filipe. Quando ambos estavam a fazer o mestrado, trabalharam num projeto europeu que lhes deu uma visão da realidade empresarial, trabalhando com várias empresas. “Foi aí que percebemos que havia espaço para aplicar aquilo que aprendemos de forma teórica, e criar uma solução que não existia no mercado nacional”, refere Ana Pereira, co-fundadora e COO da Wide Scope. Verificaram na altura que o planeamento de rotas das frotas era feito à mão, todos os dias da mesma forma, e que havia ali muitas oportunidades de melhoria, através de tecnologia, embora esta ainda não fosse aplicada àquela situação em concreto.
A empresa arrancou em 2003, mas o produto, o Routyn, só surgiu comercialmente em 2010. “O caminho foi árduo, e os primeiros contactos foram feitos porta a porta, para mostrar a solução”, diz Filipe Carvalho.
Encontrar a solução para um problema de complexidade muito elevada é uma arte, refere Filipe Carvalho, e foi aquilo que a Wide Scope acabou por fazer com o seu software inovador. “Conseguimos construir uma solução que ninguém antes tinha feito para planear a logística das empresas da forma mais eficiente possível, para que poupem dinheiro e sejam mais eco-friendly”, explica o gestor.
A empresa arrancou em 2003, mas o produto, o Routyn, só surgiu comercialmente em 2010. “O caminho foi árduo, e os primeiros contactos foram feitos porta a porta, para mostrar a solução – que foi sempre sendo melhorada -, até surgirem os primeiros clientes”, relembra Ana Pereira. A faturação do primeiro ano foi zero, mas, apesar disso perceberam que o negócio tinha pernas para andar e autofinanciaram-se, fazendo consultoria web, o que gerava cash flow para continuarem a investir no seu produto estrela.
Esta solução revelou-se única no mundo, porque mais nenhum outro sistema tem sido capaz de resolver da mesma forma a complexidade da realidade logística. A Jerónimo Martins a Sumol Compal foram os seus primeiros clientes, que identificaram imediatamente o potencial da solução. Recentemente, os supermercados Aldi vieram a público reconhecer uma redução global dos seus custos de transporte em 23% com a utilização do Routyn, referindo que isto permitiu uma redução da emissão de 1.200 toneladas de CO2. Esta boa prática espalhou-se internacionalmente pelo grupo e rapidamente as lojas da cadeia Aldi em Espanha, França, Bélgica, Holanda, Polónia adotaram já a solução.
Crescer 2 850% em cinco anos não é para todos
Assim que o produto começou a conquistar clientes, o crescimento foi exponencial. A Wide Scope foi considerada uma empresa gazela pela Informa DB, como uma das 10 empresas de maior crescimento em Portugal e foi reconhecida como uma das 500 empresas de maior crescimento na zona EMEA, pela Deloitte, ao registar um crescimento de 2.850% em cinco anos.
Atualmente a empresa já não cresce a este ritmo, pois não seria sustentável, mas tem aumentado o seu leque de clientes pelo mundo, mesmo sem recurso a financiamento externo. Mantendo-se integralmente na mão dos dois acionistas, já atingiu um volume de negócios de cerca de 3,5 milhões de euros, dois quais 2 milhões no mercado nacional e o restante fora de fronteiras. O seu modelo de negócio consiste num fee de subscrição dos serviços online, através do qual as empresas clientes pagam um valor por veículo. Com uma equipa de 40 pessoas em Portugal e cerca de 20 fora do país, estas pessoas fazem a consultoria da operação logística transposta para o modelo matemático do software. “É preciso transpor as regras das pessoas que planeiam as rotas para a máquina, para que a IA saiba utilizar esse conhecimento. É esse o trabalho que tem de ser feito pela nossa equipa de consultores”, explica Filipe Carvalho.
Para o futuro, a ambição é conquistar o mundo e deixar de estar apenas num nicho de mercado. “Estamos a pensar alargar horizontes e analisar no futuro possibilidades de multiplicar o crescimento, pois já estamos numa fase consolidada do produto, e assim ganhar escala mais rapidamente, através da entrada de growth capital”, revela Filipe Carvalho. Entretanto já têm uma empresa própria nos Estados Unidos, e distribuições exclusivas na Austrália, na Turquia, em Singapura, em Inglaterra, em França e no Chipre.
(Texto originalmente publicado na edição de outubro/novembro da Forbes Portugal)