No início do ano passado, a Sentat Asset Management AB, uma sociedade gestora de fundos sueca, anunciou que iria disponibilizar acções para aquilo a que chamou o primeiro fundo de investimento de whisky cotado em Bolsa. O Single Malt Fund levantou 25 milhões de euros, com o objectivo de investir numa carteira de whiskies raros e edições limitadas. “É essencialmente um fundo de matérias-primas, mas em vez de ouro compramos ouro líquido”, referiu Christian Svantesson presidente-executivo e fundador do Single Malt Fund.
Mas este não é o primeiro fundo a investir na indústria do whisky, tal como não é o primeiro fundo de bebidas alcoólicas cotado em Bolsa, mas é o primeiro fundo a investir em garrafas de whisky.
Actualmente, há vários fundos que investem em whisky [garrafas] ou em empresas de bebidas alcoólicas.
Em 2014, o Platinum Whisky Investment Fund, em Hong Kong, angariou quase 11 milhões de euros junto de 50 investidores privados. Hoje em dia gere uma carteira de cerca de 9 mil garrafas de whiskies raros. De acordo com o fundo, a valorização independente da sua carteira é a prova do sucesso de um ganho anual de 17% entre 2014 e 2017.
“É essencialmente um fundo de matérias-primas, mas em vez de ouro compramos ouro líquido”, referiu Christian Svantesson presidente-executivo e fundador do Single Malt Fund.
A Rare Whisky 101, uma consultora que faz avaliações e estudos sobre as tendências dos preços no mercado dos whiskies raros, também publica diversos índices de mercado e de alguns segmentos específicos. O Rare Whisky Icon 100 Index, por exemplo, acompanha “100 garrafas de coleccionador de referência… muito procuradas e negociadas regularmente em leilão no Reino Unido”.
Nos últimos 10 anos, este índice registou uma valorização média anual de 20%. No mesmo período, o Japanese Icon 100 Index, que agrega 100 garrafas de whiskies japoneses icónicos, valorizou a um ritmo de 11% ao ano.
Em contrapartida, entre 2008 e 2018, as acções mundiais, apresentaram, em média, ganhos de 7% por ano. Contudo, quem valoriza uma elevada liquidez e diversificação deve ficar atento ao Spirited Funds/ETFMG. Este fundo investe em empresas produtoras de whisky, não em garrafas. A outra alternativa é através do Single Malt Fund de Svantesson, que entrou na Nordic Growth Market de Estocolmo em Março de 2018.
Riqueza do sabor
Há duas maneiras de investir directamente em whisky. A primeira, mediante a compra de garrafas de whisky em mercado aberto ou leilões. A segunda, investindo em whisky ainda no período de maturação durante o seu estágio (envelhecimento) em barris. Uma e outra têm vantagens e desvantagens.
O whisky engarrafado é relativamente simples de comprar e de guardar. Pode ser comprado em mercado aberto, em leilões ou a coleccionadores privados, sendo que existe um vasto leque de consultoras especializadas na avaliação e análise da autenticidade do whisky. Uma vez comprada, a garrafa de whisky pode ser guardada ad eternum – desde que mantida num ambiente controlado e sem luz.
Teoricamente, se o interesse por whiskies raros continuar a aumentar, seja na óptica do investimento ou do lazer, isso significa que haverá cada vez mais dinheiro para cada vez menos bebida – o contexto ideal para uma subida sustentada dos preços.
Mas também há desvantagens. Primeiro, o processo de envelhecimento do whisky termina no momento em que é engarrafado. Um Macallan 25 Anos será sempre um Macallan 25 Anos, independentemente do número de anos que o guarde em casa.
Se o interesse por whiskies raros continuar a aumentar, isso significa que haverá cada vez mais dinheiro para cada vez menos bebida.
E embora a quantidade de garrafas vá diminuindo ao longo do tempo, os produtores vão continuar a colocar no mercado novas garrafas dessa expressão. Neste momento há muito whisky em maturação na Escócia, cerca de 20 milhões de barris, por isso podemos presumir com alguma certeza que a quantidade de whisky pronto para engarrafar no futuro vai aumentar. A expressão de um whisky pode mudar ao longo do tempo, devido a alterações nas regras definidas pelo regulador, a Scotch Whisky Association (SWA), ou a mudanças nos componentes do blend utilizado pelo produtor.
O primeiro caso, não sendo frequente, acontece, o que quer dizer que os whiskies de um dado ano de produção podem ser mais apetecíveis do que de outro ano, criando assim oportunidades para lucrar com o ouro líquido.
Por exemplo, nos anos 70 e 80 do século passado, era permitido usar paxarete, um xarope de xerez fervido concentrado, na preparação dos barris onde o whisky estagiava. Os produtores e algumas empresas de engarrafamento indicavam por vezes a seguinte informação no rótulo: o whisky foi envelhecido em “barris de vinho”, linguagem-código para dizer que fora usado paxarete.
Entre os apreciadores de whisky as opiniões dividiam-se entre os que criticavam o lastro daí resultante e os que elogiavam a presença de notas intensas de xerez. Isso aconteceu até 1989, ano em que a SWA proibiu a utilização de paxarete na bebida.
Identidade do whisky
Sendo o xerez engarrafado em Espanha, os barris vazios enviados para a Escócia são muitas vezes limpos com dióxido de enxofre. Jim Murray, crítico de whisky, realça que, é frequente os whiskies envelhecidos nesses barris terem um aroma a “fósforo queimado”.
Ora, a escassez de barricas de xerez tradicionais tem obrigado alguns produtores a fabricar os seus próprios cascos, usando madeira nova e tratando-a com xerez durante algum tempo. A utilização de barris novos em vez de cascos de xerez tradicionais pode conferir ao whisky uma certa intensidade taninosa durante o período de envelhecimento. Conclusão?
O sabor de um whisky pode ser muito diferente, consoante tenha sido amadurecido na década de 1980 ou nos anos 2000. E essa diferença pode reflectir-se, e muito, no preço. Também acontece os produtores alterarem as suas expressões, só que raramente o anunciam.
E os consumidores partem do princípio que um whisky velho é idêntico a um whisky novo com a diferença de ter envelhecido mais tempo. Por outras palavras, uma expressão de 18 Anos é tão-só uma versão que envelheceu mais seis anos que o de 12 Anos. Pois bem, isso não corresponde à verdade.
O número de anos no rótulo corresponde a um blend específico e apenas indica, como exigido por lei, qual o blend mais jovem desse whisky. Ou seja, um blend composto por 1% de whisky 10 Anos e 99% de whisky 50 Anos terá sempre no rótulo a indicação 10 Anos, tal como um blend com 99% de whisky 10 Anos e 1% de whisky 50 Anos, embora a cor e o sabor sejam muito diferentes.
Os produtores podem mudar as suas expressões sempre que entenderem. Daí que um 12 Anos que tenha envelhecido 50% em barris de xerez de primeiro enchimento e 50% em barris de xerez de segundo enchimento possa ser alterado para um blend envelhecido 100% em barris de xerez de segundo enchimento.
Em qualquer dos casos, a designação no rótulo mantém-se: 12 Anos. Aliás, a garrafa e a apresentação até poderia ser a mesma, mas um verdadeiro connoisseur perceberia claramente a diferença.
Com o decréscimo dos stocks de whisky velho, a indústria tem procurado responder à procura recorrendo, por vezes, a componentes mais baratos para a produção de expressões mais jovens.
Mas até os whiskies velhos poderão ser menos envelhecidos ou o processo envolver uma maior proporção de barris de segundo enchimento do que no passado. Para sermos justos, há casos em que isso reflecte uma melhor maturação ou um blend mais bem conseguido. Nuns casos, as mudanças visam apenas criar diferenças no whisky de um ano para o outro.
Noutros, quer apenas dizer que uma dada expressão passou a ter uma maior proporção de barris de segundo enchimento ou de whiskies novos para expandir a oferta existente. Por outras palavras, uma expressão de whisky pode mudar ao longo do tempo, criando diferentes perfis de sabor, e, potencialmente, diferentes níveis de valorização.
Bem, não é que alguma vez se venha a aperceber disso… pois não está a beber whisky, apenas está a investir na bebida. Além disso, os custos das tarifas sobre o whisky são elevados. Em média, 40% ou mais do preço de retalho de um whisky recém-lançado pode representar diferentes impostos – tudo custos iniciais que terão de ser absorvidos como parte do custo base de um investimento.
Os custos de saída também podem ser elevados. Os leilões são uma das formas mais simples, leia-se menos burocráticas e onerosas de fazer sair um whisky, mas as comissões das leiloeiras também podem disparar até 20%, muito embora quem venda em volume possa negociar uma taxa melhor.
A lei da procura e da oferta
Não obstante o crescimento do sector dos whiskies raros, o mercado pode revelar-se bastante magro. Em 2017, por exemplo, um single malte raro foi leiloado no Reino Unido por cerca de 14 milhões de euros, quase o dobro do valor alcançado em 2016 – ano em que o preço médio de uma garrafa era de 275 euros, tendo subido para cerca de 350 euros em 2017, ao passo que o número de garrafas aumentou 47,25%, de 26,5 mil para 39 mil. Resumindo: os multimilionários fundos de investimento de whisky correm o risco de vir a ter carteiras extremamente ilíquidas se decidirem todos vender ao mesmo tempo.
Além disso, devem encarar a valorização da carteira com cautela – lá porque conseguiu vender um Glenlivet 50 Anos por 22 mil euros nada garante que vá vender as outras dez garrafas que tem em carteira pelo mesmo preço. Por último, há ainda as restrições à composição da carteira.
Um retorno anual (ROI) de 21% quer dizer que os preços aumentam cerca de seis vezes a cada dez anos. Obter um ROI de 21% durante uma década é extraordinário, mas manter esse nível por mais uma década ou duas é absolutamente impossível.
Há outra maneira de investir em whisky, isto é, comprando barricas de whisky novo para envelhecer e, eventualmente, engarrafar. Esta abordagem tem a vantagem de reduzir substancialmente os custos iniciais do investimento, uma vez que o custo de destilação oscila entre as 3,4 e 5,6 euros por litro de álcool puro (LAP).
A granel, o preço de venda ronda 1,1 euros /LPA. Os preços podem variar muito, por isso vamos supor que um barril de bourbon de 200 litros vazio pode custar à volta de 560 euros, e o enchimento com whisky novo com 65% de álcool por volume (APV) ronda os 665 euros.
Não obstante o crescimento do sector dos whiskies raros, o mercado pode revelar-se bastante magro.
Estamos a falar de preços da indústria. Os preços de retalho, em geral, correspondem a três, quatro vezes este valor – incluindo o custo do barril e dez anos em armazém. Os períodos adicionais têm um custo extra, mas, no caso dos produtores, isso representa apenas mais uns dólares por ano.
Vamos às contas: um barril de whisky novo que custe cerca de 2500 euros a produzir corresponde a 285 garrafas de 700ml, ou seja, cada garrafa terá um custo de cerca de 8,8 euros. Se o whisky for diluído para 40%, o número de garrafas irá aumentar.
O valor em causa não inclui engarrafamento e embalamento, nem impostos. Vamos partir do princípio que os custos com o engarrafamento e embalamento vão ascender a 20%, o que não é muito, e que os impostos sobre as bebidas alcoólicas rondarão os 12 euros ou mais, dependendo do local onde o whisky é engarrafado.
Depois temos ainda de acrescentar a carga tributária em sede de IVA, que em Portugal é de 23%. A sua garrafa de 8,8 euros a custar 28 euros mais transporte. Vamos então arredondar para 30, quando a indústria não pagaria mais de 16 a 18 euros.
Aqui chegados importa lembrar que o whisky ainda não envelheceu. À medida que isso acontece vai perdendo volume, em média 2%, mas mais na fase inicial e menos com a passagem do tempo. Se for um investidor de longo prazo, dentro de 25 anos o volume será 45% inferior ao inicial, ou seja, terá o equivalente a 150 garrafas de whisky.
E quanto custa um single malte de 25 Anos? Depende. Um Talisker 25 Anos pode custar uns módicos 270 euros mais transporte – um verdadeiro achado se alguma vez encontrar algum por esse preço –, enquanto um Macallan 25 Anos de um specialty bottler pode disparar para 1750 a 2650 euros.
No geral, um whisky de 25 anos andará entre os 450 e os 1000 euros a garrafa. Assumindo como referência o valor intermédio e apenas vendas directas, irá valorizar 17 vezes ao longo de 25 anos, o que representa um ROI anual de 12% antes de venda e de custos administrativos. Para alguém que já esteja na indústria, o retorno rondaria os 15%, o que é bastante bom.
No caso dos grandes produtores pode ser ainda melhor, claro, sem esquecer que têm de lidar com distribuidores e retalhistas, e de pagar a factura de uns quantos aviões da empresa. No entanto, a maior fatia dos custos só aparece quando se decide vender o ouro líquido, pois é nessa altura que os impostos têm de ser… liquidados.
O ajustamento a esses custos na recta final pode melhorar o retorno anual em 1% a 2%.
Riscos do investimento
A principal vantagem de deixar o whisky envelhecer é poder ver como o seu valor aumenta ao longo do tempo. Vamos supor que guarda o tal barril durante 50 anos. Isso quer dizer que é um investidor de longo prazo, que pode pagar os estudos universitários dos seus bisnetos e que, no final, terá umas cem garrafas de whisky.
O custo por garrafa ronda agora os 50 euros. Os whiskies de 50 anos comandam a tabela dos mais caros e uma garrafa tanto pode custar uns módicos 2650 euros como uns consideráveis 22 mil euros. Se o preço de venda médio for 4400 euros, o ROI rondará os 9% a 50 anos.
Este ROI compara com um retorno médio de títulos ajustados à inflação e dividendos de cerca de 7% nos últimos 60 anos. Afinal, talvez não seja boa ideia. Mais. Tem a certeza de que os seus bisnetos merecem? Apostar no envelhecimento de whisky envolve bastantes riscos, além de exigir um grau de conhecimento que poucas pessoas têm, inclusive na indústria de produção de whisky. Mas se tiver maneira de controlar os preços nas gamas altas, o retorno será substancialmente maior.
Seja como for, o melhor é olhar a realidade de frente: nem a Ardbeg nem a Macallan lhe vão vender um barril de whisky novo. Os vendedores mais prováveis são os pequenos produtores ou destilarias start-up. Vender barris de whisky recém-produzido a investidores é um método testado de financiar as necessidades de fundo de maneio de uma nova destilaria. E ninguém sabe se uma start-up que está hoje a dar os primeiros passos não será uma marca de referência daqui a 50 anos.
A Isle of Arran Distillery, por exemplo, vende barris de whisky novo de 200 litros por cerca de 2500 euros e 3600 euros. O preço inclui seguro e armazenamento durante um período de dez anos. Segundo os seus próprios cálculos, um barril de whisky custaria, afinal, cerca de 27 euros por garrafa, contra 39 euros por garrafa no retalhista – não está prevista a opção de envelhecer o seu whisky durante 25 ou 50 anos, mas pode sempre perguntar.
Se tiver maneira de controlar os preços nas gamas altas, o retorno será substancialmente maior.
A Whisky Invest Direct é uma consultora que dá apoio a investidores na compra de barris de whisky e também oferece serviços de conservação. O site disponibiliza ainda os valores mais recentes para o LAP por produtor, apesar de a listagem ser muito incompleta, assim como análises ao potencial de investimento da compra de barris de whisky novo.
A Cask 88 é outra empresa que ajuda os investidores a comprar barris de whisky envelhecido. Pontualmente aparecem no mercado barris de whisky maduro. A Cask 88 vendeu no ano passado uma barrica de xerez de Macallan 1987 por 330 mil euros num leilão em Hong Kong.
A barrica continha 228 garrafas, sendo que o preço por unidade rondou os 1450 euros – um excelente preço para o que se pensa ser um Macallan 30 Anos. Não é líquido qual seria o ROI obtido se fosse em barril e pudesse ser engarrafado, mas esse tipo de vendas é raro.
Comprar whisky novo quando o respectivo mercado está deprimido pode ser uma boa estratégia contracíclica, uma vez que é mais provável conseguir comprar whisky envelhecido a produtores de topo e a bom preço. Admira, por isso, que os specialty bottlers não criem os seus próprios fundos de investimento de whisky.
Até porque têm escala, know-how e os contactos necessários na indústria para garantir que a nova produção é feita pelos melhores. É natural que, para um investidor privado, o whisky tenha um retorno modesto a longo prazo.
Mais, não é provável que a valorização dos whiskies engarrafados raros e de topo seja sustentável por longos períodos, daí que possa ser visto mais como uma estratégia negocial e menos como um investimento, pois exige muitos conhecimentos especializados sobre a indústria de whisky. Mas um trader pode lucrar com isso, desde que saiba o que está a fazer.
Investir em barris de whisky maduro pode significar retornos bastante interessantes durante várias décadas, mas obriga a um conhecimento muito especializado da maturação do whisky e envolve um grau de risco elevado, já para não falar no risco de perda total do capital investido.
Radical demais, talvez. Provavelmente, o melhor é comprar fundos de índices e quando tiver um ano especialmente bom, compre umas garrafas de malte maduro e celebre a boa colheita.