Não há ano em que a Nazaré não esteja nas bocas do mundo porque algum surfista arriscou afrentar as ondas grandes da Praia do Norte. Desde que a formação destas ondas com altura de prédios virou notícia pela primeira vez, a região sofreu uma transformação. Os surfistas adotaram a vila como sua, os turistas fizeram dela paragem obrigatória, os locais viram os seus negócios crescer e muitas pessoas viram na Nazaré uma nova oportunidade de investimento. Walter Chicharro, presidente da Câmara Municipal da Nazaré, explica à FORBES como é que a Nazaré passou de uma pequena vila piscatória a uma marca global.
Como descreve a Nazaré antes e depois das ondas grandes?
Eu diria duas coisas. A Nazaré mantém-se igual naquilo que é a sua característica fundamental, continua a ser uma vila pequena, uma vila de tradição marítima, que sabe receber, extremamente bonita, que mantém as suas tradições, a sua característica fundamental enquanto vila e enquanto povo. Essa está mantida e continua a ser um dos principais cartões de visita. A mudança dá-se essencialmente, diria eu, naquilo que é a ocupação e o tempo ocupado pelo turismo na vida dos locais. Isto é, a Nazaré antes do fenómeno das ondas gigantes e do canhão da Nazaré era uma vila que tinha essencialmente três meses de verão, uma passagem de ano muito forte, um carnaval e uma páscoa com alguma dimensão. Hoje, a Nazaré tem 10 ou 11 meses de turismo, tem um inverno muito mais cheio e o verão ainda mais cheio. E há uma mudança também que é fundamental, é que hoje a Nazaré é uma marca global, é reconhecida em todo o mundo. A própria Câmara Municipal também tem provas disso, nomeadamente pelo facto de pelos nossos postos de turismo e pelo nosso forte de São Miguel Arcanjo, muito ligado às ondas gigantes, terem passado 120 nacionalidades. Há essa dimensão de marca global. Essa é a principal mudança.
O verão continua a ser a época alta ou o inverno ganhou maior destaque por causa das ondas grandes?
O verão continua a ser o nosso core business, agora o inverno ganha uma dimensão relevante. Porquê? Porque no inverno não havia nada do ponto de vista do turismo e com este fenómeno das ondas gigantes, de poder haver surf e de se bater recordes mundiais durante o inverno todo, com um dia dedicado à prova com a World Surf League (WSL), o inverno passou a estar muito mais cheio. Há que perceber que o inverno era um inverno vazio, agora o inverno mais cheio, mas não cheio em termos de continuidade como os três meses de verão, ainda que um bom dia de ondas gigantes seja capaz de bater os recordes do melhor dia de verão.
Consegue identificar o momento em que a Nazaré se tornou uma marca global?
Eu sou altamente suspeito porque o meu projeto político uma das estratégias que tinha era precisamente dar uma dimensão global à Nazaré, porque o turismo foi, é e continuará a ser seguramente nas próximas décadas a principal indústria da Nazaré. Mais do que apontar uma data, apontar aquilo que era o plano e aquilo que são os momentos que levaram a que há seis, sete anos começássemos a ter essa dimensão global. Quando cheguei à Câmara havia um projeto de ondas gigantes, que havia feito o convite ao Garrett McNamara, e reforço isto, a Câmara Municipal anterior a mim havia convidado o Garrett McNamara para através de um projeto de ondas gigantes, de um fenómeno único no mundo, poder acrescentar uma dimensão de promoção adicional à Nazaré. O Garrett veio a primeira vez em 2010, bate o recorde em 2011, quando bate o recorde estão ele e mais três surfistas na água, uns a conduzir jet skis e outros a surfar. Logo a partir do mesmo momento foi delineada uma estratégia.
Que estratégia era essa?
Primeiro abrir a Praia do Norte a mais surfistas, dar condições a mais surfistas para que eles pudessem vir procurar a onda das suas vidas, e ao mesmo tempo iniciar uma campanha de promoção pelas redes sociais, pelas plataformas de comunicação, usando muito o digital. Dou-lhe este exemplo, o município hoje consegue transmitir um dia de ondas gigantes através das redes sociais porque tem os meios humanos e materiais para o fazer, os vídeos de promoção que o município apresenta são feitos pela equipa de comunicação da Câmara. Essa é a palavra-chave, é a comunicação que fez com que tenhamos vindo a construir esta linha de sucesso. Nessa estratégia, além de abrirmos a Praia do Norte a mais surfistas, a Câmara apoia em termos do dispositivo que põe na praia para qualquer percalço que eles possam ter e que precisem de evacuação. Mas também apoia em termos de comunicação, o maior banco de imagens da Praia do Norte é da Câmara da Nazaré. Nesta estratégia havia um ponto essencial que era trazer um evento da WSL para a Nazaré. A chegada da WSL à Nazaré, numa luta que foi iniciada mesmo antes de eu tomar posse em 2013, deu naturalmente uma alavancagem brutal a este fenómeno. A ideia sempre foi apostar na comunicação através dos parceiros, e a WSL é uma plataforma de comunicação gigantesca. E há um momento neste caminho todo que é claramente a cereja no topo do bolo, que é o dia em que o Turismo de Portugal escolhe a onda gigante da Nazaré, e neste caso particular o segundo recorde mundial da Nazaré do Rodrigo Koxa, e promove Portugal nos ecrãs da Times Square, em Nova Iorque. Esse é um momento absolutamente pulverizador, bombástico, porque não só aquilo é uma área de grande comunicação onde muita gente passa, mas é também uma área de vasta atenção de muitas cadeias noticiosas de todo o mundo.
Que nacionalidades mais e menos visitam a Nazaré?
O continente que menos nos visita por razões óbvias é África, mas também temos cá gente de muitos países de África. O Médio Oriente visita-nos muito, a Ásia visita-nos muito, a Europa visita-nos muito mais, Estados Unidos, Canadá, Brasil. Brasil é um continente dentro de um continente. Austrália, Nova Zelândia. Todos os continentes nos visitam.
A comunidade do surf mudou-se para a Nazaré ou passam só pequenas temporadas?
Temos de tudo. Temos surfistas residentes o ano inteiro aqui, os dois atuais recordistas masculino e feminino vivem na Nazaré, o alemão Sebastian Steudtner e a brasileira Maya Gabeira. Vivem na Nazaré, têm cá as suas casas, os seus projetos de negócio. Há mais alguns, mas a maior parte deles andará cá e lá. Passam uma parte muito relevante da época de ondas gigantes aqui, mas depois andam pelo mundo fora a perseguir também outras ondas. Do ponto de vista dos pioneiros, dos primeiros que cá andaram, particularmente o Andrew Cotton passa longas temporadas para lá da época de ondas gigantes, para lá do inverno, aqui na Nazaré. Até porque também tem sabido gerar cursos e ações suas, de certa forma demonstrando qual é a vida de um surfista de ondas gigantes e trazendo gente a vir explorar a Praia do Norte em época de ondas mais pequenas.
E o campeonato da época 2022/23?
A natureza surpreende-nos todos os dias. O mais provável é que o campeonato da época de ondas gigantes 2022/23 não aconteça. A certeza que temos é que o evento desta época não deixará de ser realizado, ainda que possa ser realizado noutra época, porque já tivemos uma época de ondas gigantes em que realizamos dois eventos. Provavelmente este ano vamos fazê-lo nos meses finais deste ano e faremos o de 2023/24 nos três primeiros meses de 2024.
Quais são os locais mais visitados da Nazaré?
Claramente o farol, o Forte de São Miguel Arcanjo foi aberto pela primeira vez no meu primeiro mandato na Câmara Municipal, em 2014, aberto por seis meses para testarmos o conceito, com muito menos oferta, oferta no sentido daquilo que lá está exposto, e logo nesse ano tivemos 40 mil visitantes. Nos anos seguintes, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 crescemos todos os anos, até 335 mil visitantes em 2019. 2020 e 2021 foram anos em que abriu também, mas naturalmente por força da pandemia não foram anos muito fortes. 2022 já mostrou um retorno muito grande, um retorno aos valores de pré pandemia muito relevante. E diria que ele neste momento andará à volta de 1,5 milhões de visitantes em oito anos, já que em 2014 só abrimos seis meses, e atingiu o visitante 1 milhão em novembro de 2019. Outros lugares a serem visitados: o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, o ascensor. Diria que estes são os três principais locais que são visitados, mas naturalmente a nossa marginal, a nossa praia da vila, os nossos restaurantes tradicionais e de cozinha menos tradicional são também bastante visitados. É uma vila onde se vem comer com qualidade, come-se com vários tamanhos de bolsa, conseguem aqui as refeições de oito euros, mas também conseguem refeições de 45, 50 euros por cabeça.
O boom no turismo fez também aumentar os negócios locais?
Claramente. Não só fez aumentar os negócios locais, como fez negócios que existiam funcionar o ano todo, como criou emprego mais sustentável, emprego no turismo, como criou dificuldades na atração de trabalhadores em particular para o setor do turismo. Prova de tudo isto que eu digo: há mais restaurantes novos, há mais restaurantes de outros tipos de comida que não só a tradicional. E temos negócios que funcionavam no verão e que hoje funcionam o ano todo. Posso dar um exemplo, um restaurante aqui em que o dono abria o restaurante em junho, fechava em setembro, em setembro partia para a Europa para trabalhar na restauração e atualmente tem clientela o ano todo e já não vai para o estrangeiro, trabalha na sua terra.
Como é que os locais lidam com o turismo?
[A população em geral] lida bem, lida com satisfação, lida com a perspetiva de aproveitar este boom. Um bom exemplo do sucesso e do boom turístico é o facto de que hoje a Nazaré terá à volta das 1500 licenças de alojamento local. E cresceu muito nos últimos anos, o que gerou por exemplo o aparecimento de um conjunto de novos negócios, como as lavandarias. Lidam bem, naturalmente que percebem os impactos que o turismo traz, nomeadamente a pressão nas infraestruturas, o território muito mais ocupado e o trânsito e o estacionamento ainda mais complicados. A população fica satisfeita por ver a sua terra bem-sucedida e de a ver na comunicação global, mas também naturalmente fica impactada com aquilo que são as outras consequências do turismo que atrapalham todos, Da parte da Câmara Municipal há também projetos e planos para tentar resolver cada vez mais esse fenómeno.
O verão passado foi um dos melhores na Nazaré, qual é a expetativa para este ano?
Que seja ainda melhor. O ano passado foi muito bom para o país, apesar da inflação, apesar da guerra na Ucrânia, apesar do disparar dos custos. O que é um facto é que se olharmos por exemplo para uma pandemia, não digo com dados efetivos comparativos com outros territórios turísticos, mas os dois verões de pandemia na Nazaré foram cheíssimos. É verdade que tínhamos a praia do país com maior capacidade de carga de banhistas, mas os verões de 2020 e 2021 foram verões extremamente bem-sucedidos. E acho que 2023 irá pelo mesmo caminho, apesar das dificuldades que estamos naturalmente a passar no mundo inteiro com a guerra e inflação. A necessidade de sair e de viver a vida tem sido uma razão suficiente para encher a Nazaré e para encher o país também.