Depois da forte chuva e até da neve que tinham assolado os campos alentejanos no arranque de 2009, passados uns meses sentiram-se novas tempestades que destruíram novamente as plantações. Trovoadas que duravam mais de 20 minutos.
Abundantes chuvadas em períodos de tempo muito concentrados. E o remate final para somar milhares de euros de prejuízo: queda de granizo. Um cenário que se repetiu nos dois anos seguintes e que, apesar de volvidos quase dez anos, Luís Mesquita Dias, presidente-executivo da Vitacress, recorda como se fosse hoje. “A agricultura é uma actividade extraordinariamente complexa. Ninguém imagina. E quando eu vim para cá também não imaginava”, desabafa o gestor numa conversa com a FORBES.
Nesses anos, por várias vezes, a empresa chegou a perder entre meio milhão a um milhão de euros em dois ou três dias. Nos 280 hectares que detém em Odemira, a Vitacress produz desde alface, espinafre, agrião, rúcula ou tomate – todos em formato baby (folhas jovens), à excepção da alface iceberg.
Produtos que estão dependentes de factores aleatórios, como condições meteorológicas e insectos, e exigem uma atenção redobrada, devido à sua fragilidade por serem folhas baby e ao seu carácter perecível. Riscos que fazem parte do negócio e que Luís tem vindo a aprender a lidar e a mitigar desde que assumiu os comandos da empresa em 2009 – após o grupo portuense RAR ter comprado a Vitacress ao inglês Malcom Isaac um ano antes.
“A agricultura é uma actividade extraordinariamente complexa. Ninguém imagina. E quando eu vim para cá também não imaginava”, desabafa Luís Mesquita Dias à FORBES.
No seio da estratégia de gestão de Luís está uma forte preocupação de moldar toda a operação para amenizar os danos causados por intempéries. Um passo que toda a indústria tem vindo a dar aos poucos, mas que nem sempre é fácil ou acessível para todos.
“No mundo ideal, a medida mais eficaz seria podermos ter tudo em estufas”. O problema? “Tinham que ser muito boas e caras”, explica Luís, detalhando que as estufas que compraram nos primeiros anos custaram entre 120 mil e 130 mil euros por hectare e não resistiram à força das tempestades.
Uma das soluções que encontrou foi investir em estufas mais resistentes, mas também mais caras chegando aos 200 mil euros por hectare. Hoje, têm 17 hectares cobertos. A ideia é ir expandido, mas nunca à totalidade dos terrenos. “Quando se tem 280 hectares não seria economicamente viável”, justifica.
Um investimento ainda mais complicado para uma empresa com prejuízos, como aconteceu de 2009 a 2016, e quando os seguros não integram a lista das soluções. “É muito difícil conseguir seguros a um preço razoável para este tipo de agricultura. São muito limitados os que se podem aplicar a esta área dos hortícolas”, lamenta.
Mas tendo em conta que é uma via que permite outro tipo de tranquilidade, continuam em contactos com seguradoras. Apesar deste obstáculo, e depois do arranque difícil da operação em mãos portuguesas, o fado da empresa tem sido outro.
“Temos tido sorte com o clima. Se calhar para compensar o azar que tivemos nesses primeiros anos”, atira, ao mesmo tempo que esboçava um sorriso.
Semear ideias
A imprevisibilidade do clima não foi o único problema com que Luís se deparou quando chegou à Vitacress, depois de ter trabalhado 30 anos na Unilever, que pertencia à Jerónimo Martins.
Um ano depois de ser adquirida pelo Grupo RAR, a empresa somava 1,5 milhões a 2 milhões negativos de EBITDA (resultados antes de impostos, juros e amortizações). Um resultado que se deveu à “reorganização administrativa da Vitacress, com critérios diferentes de alocação de custos”, explica à FORBES fonte oficial da empresa de João Nuno Macedo Dias.
A somar ao desafio financeiro, o gestor enfrentou também com a inexistência de informação de controlo de gestão básica. “Não havia contas de cultura, não havia contabilidade analítica ou de gestão detalhada para se perceber o que era ou não lucrativo”, diz.
Um quadro que resultava de, até à data, a gestão da empresa ser feita pelos escritórios em Inglaterra, uma vez que a operação portuguesa tinha como fim principal dentro do grupo Vitacress o fornecimento de matérias-primas para o Reino Unido, sobretudo durante o Inverno.
Ou seja, não havia uma equipa própria de gestão para planificar o negócio em terras lusas. Após fazer um exaustivo raio-x à operação nacional e de se ter mentalizado dos riscos inerentes à actividade, Luís pôs mãos à obra e elaborou um plano para tirar a empresa do vermelho.
Luís estava confiante do plano que tinha desenhado e, por isso, devido à sua persistência, acabou por os convencer a darem luz verde às novas linhas de orientação.
Começou por arrumar a casa no que toca à informação de dados financeiros e começou a investir em alternativas para mitigar os riscos de intempéries. Além disso, decidiu apostar na marca Vitacress e no mercado doméstico. No imediato, isso significou mudar quase por completo o modelo de negócios, dado que todos os produtos eram vendidos a granel para marcas de distribuição.
Aproveitando a existência de uma unidade de embalamento nos terrenos de Odemira, Luís decidiu aproveitar esta infra-estrutura para fazer duas mudanças radicais: passar a produzir produtos para o mercado português e, em vez de comercializar apenas para insígnias de distribuição alimentar, as embalagens passaram a incluir o selo Vitacress.
Luís recorda que, na altura, estas decisões não foram muito bem recebidas por parte da empresa-mãe, que ainda hoje mantém a sede no Reino Unido. “Havia dúvidas quer pela gestão em Inglaterra, quer pelo próprio accionista”, recorda. Luís estava confiante do plano que tinha desenhado e, por isso, devido à sua persistência, acabou por os convencer a darem luz verde às novas linhas de orientação.
As saladas com a marca Vitacress começaram assim a chegar às prateleiras de quase todos os supermercados em Portugal, tendo actualmente uma quota de mercado de 40%. Os prejuízos, apesar de se manterem durante vários anos (até 2015), foram-se reduzindo, culminando em 122 mil euros de lucros em 2016.
A sustentar esta recuperação esteve um volume de negócios sustentável sempre acima dos 20 milhões de euros ao longo da última década e que, segundo Luís, culminou numa facturação de 30 milhões de euros em 2017, o melhor ano de sempre da Vitacress em Portugal. Contudo, o negócio ainda não está maduro, como revelam os níveis negativos de rendibilidade económica e financeira, que também se situam abaixo da média do sector.
Depois da tempestade …
O plano desenhado por Luís foi executado à risca. E à medida que ia apresentando resultados, ia contando, cada vez mais, com o apoio do accionista que sempre deu autonomia a todas as subsidiárias, segundo o presidente-executivo da operação em Portugal. “Tenho de tirar o chapéu ao accionista que foi capaz de aceitar que aquele sonho inicial era possível e viável, e dar-nos hoje condições para o consolidar”, acrescenta.
Admite que o plano impulsionou o crescimento da Vitacress, mas sublinha que para ser justo e objectivo não pode deixar de mencionar o empurrão da mudança de hábitos de consumo.
Tendo em conta as novas preferências dos consumidores por alimentação saudável, a Vitacress também está a apostar na produção biológica. Cerca de 12 hectares já são totalmente dedicados a este tipo de agricultura e o objectivo é duplicar em três anos. Neste segmento, metade da produção é para consumo nacional e a restante vai toda para Espanha.
No geral, a exportação vale cerca de 35% sendo que Inglaterra fica com 25% do total. Um número que satisfaz Luís, até porque o foco da empresa, ao contrário da antiga estratégia, passa por Portugal. “Não temos uma obsessão pelo aumento das exportações. A preocupação, neste momento, é servir parte da empresa que está em Inglaterra, e precisa da nossa matéria-prima, e produzir o suficiente para acompanhar o crescimento que estamos a ter no mercado nacional.”
Tendo em conta as novas preferências dos consumidores por alimentação saudável, a Vitacress também está a apostar na produção biológica.
No que toca ao cumprimento da missão de servir a casa-mãe, o Brexit não assusta o gestor: “Processualmente, é evidente que vai constituir uma dificuldade burocrática adicional”, começa por dizer. Mas não antevê alterações significativas na competitividade relativa no mercado.
Até porque, como relembrou, Inglaterra vai ter de continuar a importar vegetais durante o Inverno. As saladas embaladas representam 53% do total das vendas da Vitacress, sendo o espinafre o produto mais vendido, seguindo-se o agrião de água.
O terceiro lugar do Top dos hortícolas mais vendidos é partilhado por um conjunto de produtos necessários para fazer as saladas mistas, entre os quais a alface roxa, a alface vermelha ou a batávia. Mas o portefólio da empresa não fica por aqui. Para acompanhar o aumento da procura de alimentos saudáveis, a empresa lançou ainda saladas prontas a comer, ervas aromáticas bem como cenouras baby para entrarem na área de consumo de snacks. Tudo apostas que Luís acredita que vão impulsionar o crescimento da operação da Vitacress em Portugal nos próximos anos.