As vezes com riso aberto, outras tornando a voz mais áspera, pelo meio com ironia, Luís Mira Amaral fala sem o constrangimento permitido pela idade e ausência de ambições políticas – a não ser que o convidassem para ministro das Finanças ou vice-primeiro-ministro.
Apaixonado por automóveis e corridas, não levanta o pé na vida profissional, mantém-se activo em associações empresariais e fundou uma capital de risco, Busy Angels, para start-ups portuguesas, como a Lymphact, o seu primeiro “exit”. Da vida profissional orgulha-se da passagem pela EdP – Energias de Portugal como engenheiro na década de 1970 – apesar de ter sido administrador da eléctrica durante meio ano, quando estava na Caixa Geral de Depósitos (entre 2002 e 2004).
Na entrada de 2019, traça um cenário de preocupação económica e desencanto, contesta as rendas da EdP – sem esconder o desdém pela “dupla Catroga e Mexia” –, mas aponta caminhos para que Portugal não se torne uma ilha. Invista-se já em novas linhas ferroviárias para mercadorias, e não na remodelação das “do tempo do Eça de Queirós”, insta um dos políticos mais frontais da Democracia.
Como antevê 2019 na frente económica?
Todo o longo período de crescimento económico e bonança que tivemos, com baixas taxa de juro, baixos riscos na sequência da digestão da crise económica e financeira de 2007/2008, seguido da reacção dos governos dos bancos centrais que permitiu que essa crise não se tornasse numa gravíssima depressão, está a esgotar-se rapidamente. Vamos ter um ano 2019 muito complicado.
Porquê?
Vejo grandes riscos. As taxas de juro vão subir, pode haver reavaliação abrupta dos prémios de risco, reforçando essa subida. Podemos ter, em consequência, recrudescimento das tensões dos mercados da dívida soberana, com desaceleração da actividade económica. Esta época de bonança, que este Governo aproveitou de forma espectacular sem ter feito nada de estrutural… numa visão cínica, diria que se é para gerir as vacas magras, vamos ver o que vale António Costa, que já geriu as vacas gordas.
Os pilares do crescimento vão ceder?
A economia está presa por quatro arames que se estão a esgotar: juros baixos, petróleo baixo (esse aspecto é o mais optimista, acho que não vai subir muito), crescimento económico europeu e turismo. O período áureo começa a estar esgotado.
O BCE diz que vai manter os juros até 2020. Aí há alguma tranquilidade. Em 2019 ainda temos [Mario] Draghi. Quem sucederá é crucial para saber o que se passará a partir de 2020. O nível de despesa pública, apesar do défice estar praticamente zero, não foi cortada, foi apenas deprimida e cativada, mandada para baixo da mesa de forma artificial.
Já se percebeu que estas cativações estão a tornar insustentáveis alguns serviços públicos como é evidente na saúde e nos caminhos-de-ferro. Este método não é sustentável para o resto da vida. Se os juros aumentam, a receita vai-se abaixo, as cativações não podem manter-se neste ritmo, o défice pode disparar para 3 ou 4%. Aí, como temos uma despesa pública muito elevada, os mercados podem assustar-se novamente – espero que não com o dramatismo da outra vez.
Vamos enfrentar um período de desafios como o da última crise?
Uma nova crise financeira internacional é questão de tempo, pelas razões que apontei. Se é tão grave como a outra, ou quando acontecerá, ninguém sabe. Faço uma afirmação que talvez choque: acho que o país vai estar pior do que em 2011.
Porquê?
Só há um factor positivo, por mérito dos empresários e pelo programa da troika: as exportações atingiram 45% do PIB, em 2011 eram de 27%. Mas a dívida pública ainda é extremamente elevada: 121% do PIB. Cresceu em valores absolutos, embora tenha diminuído em termos do PIB, que cresceu um bocadinho mais.
Mas não estamos melhores agora face a antes da crise?
Isto está pior do que estava. A despesa pública em termos absolutos aumentou, temos um Estado mais rígido com mais despesa pública incompressível, muito mais poder dos sindicatos – que têm um poder que se calhar não tinham em 2011. No sector privado, o que a “geringonça” está a tentar fazer, de reverter leis laborais, a lei das rendas, aqueles poucos elementos estruturais que o governo de Passos Coelho fez, tudo isto está a tornar a economia mais rígida e menos flexível.
Segundo o Banco de Portugal, 1300 empresas fazem 42% da facturação do total das empresas em Portugal. Não lhe parece desequilibrado?
Muito. A estrutura empresarial é excessivamente atomizada e pulverizada, poucas grandes empresas e uma nuvem muito grande de empresas de muito pequena dimensão. Condiciona o aumento da produtividade da economia portuguesa.
É possível fazer concentração?
No PEDIP [Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa] desenhei um sistema de incentivos à concentração empresarial. O resultado foi praticamente zero. O português prefere 100% de uma empresa que vale quase zero do que ter 20% de uma coisa que vale muito.
Já que fala do seu tempo no Governo, porque não se fez então um investimento na ferrovia e se permitiu encerrar linhas como as do Corgo?
As decisões são datadas e têm de ser vistas num contexto! Eu até estou à vontade, não era primeiro-ministro nem ministro das Obras Públicas. Não se esqueça que tínhamos uma rede de estradas miserável antes de entrar na CEE. Era vital apostar no plano rodoviário.
O Ferreira do Amaral inaugurou as auto-estradas, mas quem montou o plano rodoviário foi o engenheiro Oliveira Martins, e quem o começou a executar foi o engenheiro Falcão e Cunha. Na altura era inevitável, não havia auto-estrada entre Lisboa e Porto!
O problema não foi o dessas auto-estradas, foi o excesso que veio a partir do Governo de Guterres, que chegou ao exagero. O problema do país é que excedeu-se na rede rodoviária e esqueceu totalmente a ferroviária. Os políticos portugueses são os grandes culpados, isto é só demagogia, incompetência técnica e a lógica do politicamente correcto.
Desagrada-lhe o “politicamente correcto”?
Veja esta história das energias renováveis: a rede já não consegue absorver mais renováveis, ainda querem fazer mais. Só falam da descarbonização para meter mais no sistema eléctrico. A descarbonização por excelência que tem de ser feita é nos transportes de médio/longo curso, e tem muito a ver com mercadorias, em que era vital passar do modo de transporte de rodovia, condenado na Europa por razões ambientais, energéticas e por saturação das auto-estradas europeias, para modos de transporte marítimo de curta distância e com rede ferroviária decente que ligue à Europa. Mas aí não fazem nenhum. O ISP é muito simpático para as contas públicas.
Transportes
Já era no seu tempo, quando foi à televisão justificar o agravamento do ISP com o orçamento. Hoje só muda a justificação, com a descarbonização.
A descarbonização tem as costas largas. Isso é uma treta, desculpe. É o discurso do politicamente correcto só para nos sacar mais impostos. O que estes senhores querem fazer, e que já vem do Governo de Passos Coelho, é pegar em linhas do tempo do Eça de Queirós, como a Linha da Beira Alta e fazer remendos.
Se tem traçados antigos, pendentes incompatíveis com os modernos comboios de 750 metros de mercadorias, acredita que transforma linhas como a da Beira Alta numa linha decente para mercadorias? É o que a IP [Infra-Estruturas de Portugal] nos anda a contar. Não se transforma. É uma questão de não querer fazer nada, não ter ambições, ter visão míope, de curto prazo. É só cosmética.
É bastante crítico, mas no seu tempo nada se fez nada pela alta velocidade, que até estava no programa de Governo, e gastou-se fortunas na Linha do Norte.
Está a dar-me um excelente argumento. Já viu na Linha do Norte que com remendos numa linha antiga não se resolve o problema, gasta-se um balúrdio. O TGV foi vítima de um combate ideológico. Foi assinado com os espanhóis por Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite, o que ela escamoteou no debate com Sócrates.
Nessa altura até já seriam quatro linhas. No Governo de Santana Lopes e do doutor Mexia havia TGV para cada apeadeiro naqueles magníficos powerpoints do doutor Mexia, que é um excelente gestor de powerpoints, como a gente sabe… é um elogio que lhe faço. Vem o Governo Sócrates, com o país já à beira da falência, mete o TGV no pacote dos grandes investimentos públicos, como se os investimentos públicos megalómanos viessem salvar a economia portuguesa. Veio Passos Coelho, por combate ideológico, “ah, já que o Sócrates queria um TGV, acabamos com isto tudo”.
E qual a sua posição, designadamente na reconfiguração das linhas para comboios de bitola europeia ou mista?
O debate foi polarizado erradamente no TGV. As soluções têm de ser graduais. Linhas novas pode já fazer duas ou três, o Eixo Atlântico, em bitola europeia. Linhas antigas vão levar tempo a reconverter para bibitola.
E que capital há para essa revitalização?
Com o dinheiro português esqueça. Por isso é que a Europa, que tem um instrumento que é o Connecting Europe Facility, paga uma parte substancial destes investimentos. O problema é estarmos a perder os financiamentos do CEF. A linha Poceirão-Caia rejeitada no Governo de Passos Coelho tinha financiamento comunitário de 85%. O que vai acontecer na Linha da Beira Alta é que havia fundos europeus para fazer uma linha decente e vamos perder esse dinheiro. Estava negociado e acordado até 2030 que íamos ter no chamado Corredor Atlântico duas linhas de bitola europeia para a Europa, o eixo do norte Aveiro-Vilar Formoso-Salamanca-Irun, e o eixo do sul, Sines-Caia.
Ainda podemos obter esse financiamento?
No período actual já se perdeu. E receio bem que, como no futuro próximo não queremos fazer nada, vamos perder o dinheiro. Vamos ficar aqui com as nossas linhas de bitola ibérica, com soluções como já percebeu na Linha do Norte, de gastar um balúrdio e não ter uma linha decente. Vamos ficar uma ilha ferroviária. Quando daqui a 30 anos vir este mapa, acha que torna atraente o investimento industrial em Portugal?
O que impede que se avance pelo caminho que para si é o correcto?
Esta mudança europeia para a ferrovia vai originar desvios de fluxos de tráfego, e 50% do transporte de rodovia devia passar para transporte ferroviário. Sabe o que a IP faz? Faz estudos de mercado mantendo a 20, 30 anos o actual fluxo de transporte na rodovia, dizendo que a ferrovia existente é mais que suficiente.
Não estão a assumir desvios de fluxos de tráfego. Estão a fazer um erro técnico crasso. Uma infra-estrutura destas, quer rodoviária quer ferroviária, quer energética como eu fiz no gás natural, tem de ser com visão a médio/longo prazo. Não sei se a culpa é da IP ou do Governo – este erro já vem do tempo de Passos Coelho. Que juntou Refer e Estradas de Portugal.
Um disparate! O país está com a rede de auto-estradas num excesso, das mais modernas que há na Europa, e vamos ficar com uma rede ferroviária do mais antigo e obsoleto. Aquele senhor ministro do Ambiente, que desde que tomou conta da Energia não o vi dizer nada de jeito, devia preocupar-se com a descarbonização do sector dos transportes, nesta lógica. Mas só estão preocupados em meter mais renováveis na rede eléctrica, que já não aguenta mais.
Uma velha luta sua, ex-funcionário da EdP.
Eu não fui funcionário da EdP! Fui engenheiro da EdP na década de 70. Quando cheguei ao Governo já o tinha sido. Ao contrário de outros pára-quedistas que chegaram agora do Governo à administração da EdP. Quando estive na Caixa, fui 6 meses administrador da Caixa e administrador da EdP. Mas do que tenho orgulho não é dessa fase, é a dos anos 70 quando fui engenheiro da EdP. Aí é que eu conheci o sistema eléctrico português.
Energia
Tanto critica as rendas que pergunto: a EdP é um estado dentro do Estado?
É! É chamada uma empresa de regime em que o que é bom para a EdP é bom para o país. Repare que já contribuiu para a substituição de dois secretários de Estado da Energia, Henrique Gomes e Jorge Seguro Sanches.
Não sou eu que o digo. Aí, Eduardo Catroga tem uma vantagem, é transparente: uns dias antes da substituição de Seguro Sanches disse logo que os accionistas da EdP estão muito desconfortáveis com isto e o que era preciso fazer! A ERSE fez as contas e a presidente disse no parlamento que na passagem dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia] para os CMEC [Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual], em 10 anos a EdP recebeu a mais 510 milhões de euros.
Qual é a sua posição?
Nunca contestei a legalidade dos CMEC. Achava que se devia acabar com os CAE e os CMEC eram um sucedâneo natural para respeitar os compromissos de Estado dos CAE. Mas deviam ter neutralidade financeira. Estou à vontade porque não fui eu que dei os CAE à EdP, contrariamente ao que a dupla Catroga e Mexia quiseram fazer passar.
Não aceita a “paternidade” dos CAE?
Os meus CAE não têm nada a ver com os CAE que o Governo de Guterres atribuiu à EdP. Mas a partir do momento que atribuiu e sendo o Governo de Guterres legítimo, tenho de respeitar a decisão – posso não concordar com ela –, e percebo que como querem acabar com os CAE faça sentido que os CMEC sejam sucedâneos dos CAE.
Nunca pus em causa, mesmo no Parlamento no outro dia, a legitimidade dos CMEC, o que chamei a atenção é que me pareceu que estavam muito anafados e a presidente da ERSE veio confirmar.
O que a imprensa vem dizer, que a versão dos CMEC de 2017 sai directamente da EdP, na base dos emails da investigação e que o ministro Manuel Pinho assinou vindo directamente da EdP eu pergunto: se a EdP participou nisto e praticamente fez a legislação, você acredita que a EdP tenha feito uma coisa para ser prejudicada? Se assim fosse, o doutor Manso Neto devia de ser demitido por incompetência, e não foi, toda a gente diz que é muito competente.
Como vê toda esta situação?
Quando Manuel Pinho era ministro da Economia, o verdadeiro ministro da Energia era o doutor Mexia. No Governo de Passos Coelho, quando Jorge Moreira da Silva tinha a pasta da Energia, o verdadeiro ministro da Energia era Carlos Pimenta. Isto são juízos políticos económico-financeiros. Do ponto de vista judicial, não me meto. As autoridades que investiguem.
Mas a EdP já não é estatal. Quanto muito é do Estado chinês. A EdP foi formalmente privatizada, mas continua a ser uma empresa de regímen. No Governo de Sócrates, quem era o presidente do conselho geral e de supervisão da EdP? António de Almeida do PS. Veio o Governo de Passos Coelho, ainda com o Estado como accionista, teve interferência na nomeação de Eduardo Catroga – ele não gosta de ouvir isto, mas é a realidade.
Entra novamente o Governo PS, quem substitui Eduardo Catroga? Um homem que foi ministro dos Negócios Estrangeiros do PS, Fernando Amado. A EdP é um caso bastante evidente da promiscuidade entre a classe política e os negócios. E quando se vê o inquérito parlamentar às rendas excessivas parece que a única coisa que sai de lá é que o IVA era excessivo!
Ou baixar a potência do quadro, como disse o ministro do Ambiente?
Isso é uma pequena confusão do ministro do Ambiente, que quer fazer o que o [Nicolae] Ceaușescu fazia. O ministro do Ambiente confunde poupança energética com eficiência energética. Num país decente e civilizado, devemos é ter o mesmo nível de conforto e mesma disponibilidade de energia final para nós, mas gastarmos menos na energia primária, aumentando a eficiência energética.
Como se poderia baixar as rendas?
Não sou revolucionário, mas há uma coisa que, ainda no Governo de Passos Coelho foi feito escandalosamente: estender por 10 anos a garantia a um stock de renováveis de 4 mil MW, que é uma medida revertível. Não vi ninguém reverter isso. Começo a pensar que nada se pode fazer.
Eu já desisti! Os três partidos burgueses estão capturados. O BE e o PCP vieram fazer parte da maioria que apoia o Governo, mas também ainda não conseguiram fazer coisa alguma – o deputado Jorge Costa tem alguma acção meritória. Eu não sou de esquerda nem socialista, mas a esquerda não tem o monopólio da consciência social.
Futuro
E se fosse hoje o ministro da Indústria, o que faria para trazer outra Autoeuropa?
Não garanto que conseguiria trazer. Há uma questão que os estrangeiros valorizam sempre: o valor do IRC. No Governo de Passos Coelho foi feito um acordo, e bem, entre PSD e o PS. Veio este Governo, rompeu o acordo.
Outra coisa que o exterior vê é a legislação laboral, se é mais ou menos flexível. É um sinal. Depois, os nossos impostos são elevados, mas com o regime contratual de grandes investimentos conseguimos dar benefícios fiscais e até se consegue minimizar o problema. Os custos de energia são elevados. Tudo isto custos de contexto que convinha tratar.
Ainda temos peso para combater por nova indústria, ou é melhor apontar baterias às start-ups?
A fase inicial de atracção do leste europeu já se esvaneceu. O que estamos a ver é que podemos ter capacidade de atrair investimentos estrangeiros na área industrial para Portugal e não é só no digital ou start-ups.
Veja o sucesso na indústria de componentes para automóvel e na aeronáutica com a Embraer. Veja também o sucesso que os nossos sectores tradicionais, têxteis, vestuário, confecções, calçado, madeira, mobiliário rochas ornamentais e industriais estão a ter nos mercados externos.
A referência do primeiro-ministro de que temos a mesma hora de Londres e que isso pode beneficiar-nos após o Brexit é, para si, realista?
De uma forma cínica, acho que devemos fazer isso, mas discretamente. Temos de gerir entre a solidariedade europeia e o interesse nacional. Diria que concordo com o primeiro-ministro, mas faça-se isso discretamente.
Fala-nos de problemas, possíveis soluções. Que exigências deve haver para com a sociedade civil nisto tudo?
Com 72 anos já não vou a votos. Quando os jornais anunciam projecções que mostram que Portugal vai ser um dos países mais pobres da UE em criação de riqueza, ultrapassado por todos os países do Leste no espaço de 10 a 15 anos, vê algum sobressalto cívico na sociedade portuguesa? Ouviu os partidos ou confederações empresariais com sobressalto cívico?
Não, fica tudo encantado com o défice zero e o maior crescimento do século. Quando tipos como eu alertam, como estou aqui a alertá-lo, dizem que tenho mau feitio! Ou que é pessimista …
Aos 72 anos estou muito céptico e descrente, acho que não vamos fazer nada. Esta sociedade está muito anestesiada, conformada. Não estou aqui a alertar por mim, faço-o por dever cívico. Não estou a atacar o PS, estou a atacar todos! Quando vê um país que tem 30 anos de integração europeia, recebeu triliões de euros, teve condições únicas de apoio europeu e quando damos por ela vamos ficar como um dos mais pobres países da Europa, vê algum sobressalto cívico?
Acho que estamos condenados. Está tudo anestesiado com o melhor crescimento do século. Em termos europeus é miserável. E está tudo encantado com este défice zero, que como expliquei há bocado não é sustentável.
Os políticos são reflexo da população?
Vê a sociedade civil preocupada? E já agora digo ironicamente: se eu soubesse o que se devia fazer, candidatava-me a primeiro-ministro. Não tenho nenhuma solução mágica! Dou-lhe este desabafo, esta angústia, que é sinal de alguma impotência. Há uma questão perigosa relativamente a 2011: é que entrámos na bancarrota mas não sentimos os custos totais da bancarrota, porque imediatamente entrou a troika. Se tem tido uma situação como a Islândia, onde não tiveram dinheiro para medicamentos, para alimentos ou energia, sabia o que custava a vida. Por isso estamos a cometer os mesmos erros.
E a si, que erros lhe podemos apontar?
Em política só tive um que se fosse hoje não tinha feito o que fiz, aquela primeira privatização da Petrogal com a Petrocontrol em duas fases [ver caixa]. Do ponto de vista profissional só fiz um erro crasso que foi ter ido para a Caixa Geral de Depósitos, em 2002. Fui insultado e enxovalhado quando saí de lá, que ia ter uma reforma imensa… eu estava no BPI, já tinha a reforma garantida pelo BPI, não precisava daquilo para nada. Fui para lá para ajudar o Governo, do PSD, que me pediu para os ajudar. Disseram que tinha ido por benesse política… até fui ganhar menos do que ganhava no BPI, está a ver o erro. Estou arrependido, hoje teria ficado no BPI e nunca teria ido para a Caixa. Ingenuidade política, mas fiquei vacinado e nunca mais me apanharam em cargos públicos.
Imagina-se de volta a um conselho de ministros?
Nem pensar, se nunca mais voltei… [pausa] Aliás, só voltaria para ser ministro das Finanças ou vice-primeiro-ministro com os assuntos económicos e financeiros. No Governo de Barroso fui convidado para ministro das Obras Públicas. Não aceitei. Quando foi para substituir o Isaltino [Morais], ao meio-dia estavam a convidar-me para ministro das Obras Públicas e às 3 da tarde para ministro do Ambiente. Percebi que o Carmona Rodrigues andava entre uma e outra… e mesmo para o sector público, jamais [pronunciado em francês], depois da Caixa.