Manish Chandra, de 51 anos, ex-engenheiro de Silicon Valley e actual presidente-executivo de uma app de moda, veste uma camisa Tommy Bahama e um cinto Louis Vuitton, e calça uns ténis Adidas NMD.
Comprou tudo na Poshmark, a aplicação de social shopping por si fundada juntamente com Tracy Sun, agora responsável pela expansão para novos mercados, por Gautam Golwala, director do departamento de tecnologia, e por Chetan Pungaliya, director de sistemas. “O meu primeiro emprego foi na Intel, onde criava bases de dados para semicondutores. Hoje em dia ajudo homens e mulheres a vender sapatos”, diz Chandra.
A empresa nasceu há sete anos com o objectivo de ajudar as mulheres a ganhar algum dinheiro extra com peças de roupa que já não usavam – uma espécie de eBay de artigos de vestuário usados. Actualmente é muito mais que isso.
Também vende artigos novos, tem uma rede de retalhistas associados e designers de moda que comercializam as suas próprias criações.
A Poshmark criou um nicho de mercado semelhante a uma montra de loja num smartphone, em vez da experiência “busca-e-compra” ao estilo Amazon. As pessoas seguem os guarda-vestidos virtuais de terceiros – regra geral um mix de peças de roupa usadas e artigos de marca comprados por atacado – e partilham as peças que acham interessantes.
É uma rede social de 40 milhões de pessoas que combina os amigos dos utilizadores com os influenciadores do momento, em tudo semelhante ao Instagram e Pinterest. A diferença é que tudo aquilo que se vê está à venda. Destes 40 milhões de utilizadores, cerca de 5 milhões, ou 12,5%, também são vendedores na app.
A Poshmark, com sede na Califórnia, nos EUA, não tem stock, os utilizadores vendem directamente uns aos outros. A aplicação gerou um conjunto de empreendedores de pequena escala, qual Etsy e eBay, que, por sua vez, construíram negócios em torno das vendas na Poshmark, quer como revendedores profissionais, quer como modistas com as suas próprias linhas de roupa.
Em troca, a Poshmark recebe uma comissão de 20% em cada vendas. Estima-se que, em 2018, tenha gerado receitas superiores a 120 milhões de euros.
Actualmente emprega mais de 300 funcionários e tenciona reforçar-se com mais 100, mas ainda não dá lucro, na medida em que tem apostado na sua expansão para novas categorias (como moda masculina e maquilhagem) e mercados internacionais (o Canadá será o primeiro país a testar).
A Poshmark reuniu cerca de 140 milhões de euros em capital de risco numa recente ronda de investimento que avaliou a empresa em 500 milhões de euros.
A empresa representa apenas uma fracção do mercado de comércio electrónico norte-americano, avaliado em mais de 525 mil milhões de euros. Mas a procura de roupa com desconto é enorme. Fora da rede, nove em cada dez compradores usam lojas de desconto
e 75% procuram ofertas específicas de roupa, segundo dados da National Retail Federation. Como o retalho online tem crescido a um ritmo de 3,5 mil milhões de euros por trimestre, Chandra está convencido de que acertou em cheio ao apostar na criação de uma rede de social shopping.
Lei da oferta e da procura
A primeira start-up criada por Chandra, a Kaboodle, ganhou forma em 2005. Foi também a primeira vez que tentou combinar no mesmo negócio as vertentes social e o consumo, tendo por base a decoração de interiores.
A Kaboodle funcionava como um marcador de sites da Internet, onde as pessoas viam artigos que queriam comprar e que podiam partilhar com os amigos. O sucesso da Kaboodle foi moderado e, em 2007, Chandra optou por vender o negócio à Hearst por um valor próximo dos 26 milhões de euros. O social shopping teria de esperar pela adopção em massa das redes sociais para vingar de facto.
Seguiu-se a Poshmark, que tinha por base a convicção máxima da cultura pop: as pessoas são apresentadas a uma nova moda por pessoas e não por marcas. “Com 51 anos, estou mais sintonizado com a cultura pop do que a maior parte das pessoas poderia pensar. Sei de memória a letra da música de Drake, mas não faço ideia do que está a dar na área do software de gestão”, diz Chandra.
Ironicamente, porém, a sua carreira começou no software de gestão. Chandra cresceu na Índia e passou os primeiros 15 anos da sua vida a mudar de casa e de Estado, uma vez que o pai era juiz e a progressão na carreira a isso o obrigava.
Mais tarde candidatou-se a uma escola de elite, o Instituto de Tecnologia Kanpur, e entrou para a última vaga de Ciências da Computação. Fez o mestrado na Universidade do Texas, em Austin, e interessou-se também pela dança folclórica mexicana.
Terminou os estudos em 1989 e ingressou na Intel, onde ficou um ano antes de rumar ao norte da Califórnia, onde desenvolveu bases de dados para diversas start-ups. Em 1995, obteve o MBA pela Universidade de Berkeley.
Um dia reencontrou Pungaliya na escola da filha. Tinham trabalhado juntos numa start-up e decidiu partilhar a ideia de Kaboodle. Recrutaram um terceiro elemento para ajudar na parte de engenharia e sistemas, cada um investiu cerca de 9 mil euros e lançaram
o negócio na garagem de Chandra – onde mais tarde iria nascer a Poshmark.
A Kaboodle levou algum tempo a descolar. Foi mais fácil “vender” a Poshmark aos investidores, pelo menos no início. “Foi diferente por causa da minha reputação e porque havia uma operação anterior a esta que dera certo”, realça.
Desde a fundação da empresa, em 2011, que Chandra queria colocar a tónica nos compradores e vendedores individuais, sejam eles mães da América profunda ou designers de moda de Los Angeles. Os ventos do mercado sopravam a seu favor.
A Poshmark foi lançada com apenas uma app para iPhone numa altura em que o smartphone começava a substituir as câmaras e os computadores. Além disso, a Grande Recessão tinha rebentado pouco tempo antes e as pessoas procuravam ideias para ganhar uns trocos extra.
Em 2012, a empresa tinha 1000 utilizadores, sendo que todos passavam muito tempo na app, abrindo-a pelo menos sete vezes por dia num total de 20 a 25 minutos. Hoje, as pessoas continuam a passar o mesmo tempo na Poshmark, só que estamos a falar em milhões de utilizadores.
O rápido crescimento do negócio quase asfixiou a empresa em 2013, depois de crescer dez vezes num ano. Agora, depois de escalar os seus servidores, o maior desafio de Chandra não são as questões técnicas, mas sim o número de compradores e vendedores para poder rivalizar com o eBay.
O futuro da Poshmark passa aliás por empreendedores que contribuíram para o seu crescimento. Suzanne Canon, de 39 anos, é um bom exemplo.
Esta empreendedora texana começou por vender roupa em segunda mão na app, em Dezembro de 2012, e depois passou a comprar artigos de vestuário para revenda.
Seguiu-se uma linha de roupa assinada com a sua sócia Tiffany Kroeger, a que chamaram Infinity Raine e cujos artigos eram comercializados através do mercado retalhista da Poshmark.
Passados seis anos, em Abril de 2018, Canon tornou-se na primeira vendedora da Poshmark a atingir a fasquia de 1 milhão de euros em vendas. A dupla abriu a primeira loja física em Gainesville, no Texas, em Maio do ano passado.
“É uma bênção que tudo tenha acontecido como aconteceu, porque, na prática só queríamos livrar-nos de algumas peças de roupa”, diz Canon.
Próximo desafio da Poshmark: ir mais além na moda masculina e infantil, tamanhos grandes e bens de luxo. Actualmente, um em cada cinco novos utilizadores é do sexo masculino.
Além disso, a empresa quer apostar em novos mercados, como a maquilhagem e a decoração de interiores. “Vemos a Poshmark como uma plataforma de social shopping que começou pela moda, mas que pode levar-nos por muitos outros caminhos”, sublinha Chandra.