Quando se é jovem e se começa a trabalhar por conta própria, é urgente mostrar trabalho, ter novas ideias. A arquitectura não é excepção. Começa-se com projectos pequenos até que se dá, para muitos, um salto significativo que marca uma carreira. Neste caso foi um salto que marcou quatro carreiras diferentes pertencentes ao mesmo atelier.
Fábio Neves, Ivone Gonçalves, Luís Ricardo e Ricardo Paulino fundaram a Forstudio Architects, um colectivo de jovens arquitectos que, depois de terem realizado projectos mais discretos, conseguiram agarrar um que foi o mais importante do percurso de todos até agora: a criação de uma estrutura que iria representar o Estado português na 26.ª edição da Feira Internacional do Livro de Bogotá, capital da Colômbia, que decorreu em 2013. Um detalhe importante: Portugal era o convidado de honra de um certame frequentado por dezenas de milhares de pessoas diariamente.
O percurso dos quatro arquitectos começou a cruzar-se na Academia. Ivone, Fábio e Ricardo conheceram-se na Universidade Lusíada de Lisboa, no curso de Arquitectura. Quando terminaram, em 2008, resolveram apostar numa experiência fora do país. Ricardo foi para Madrid estagiar no atelier Ensamble Studio, ao passo que Ivone e Fábio rumaram a Barcelona, para trabalharem no atelier RCR Arquitectes com uma bolsa de estágio Leonardo DaVinci, atribuída pela União Europeia.
No atelier da cidade catalã conheceram Luís, que vinha da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. “Em Barcelona o trabalho era muito, muito intenso”, recorda Ivone. “Entrávamos às 7h30 e depois ficávamos o dia todo a trabalhar”.
Aí, as afinidades electivas começaram a manifestar-se. “Passávamos muito tempo juntos e começámos a ganhar afinidade com o Luís”, diz. Daí até decidirem trabalhar todos juntos foi um pulo.
Apesar de estarem todos em organizações muito maiores, sempre mantiveram, como qualquer artista, os seus projectos pessoais. “Tínhamos a vontade de participar em concursos, algo que sempre existiu, desde os tempos da universidade”, salienta Fábio. Foram conhecendo-se melhor através da convivência diária. Viajaram para ver arquitectura que só conheciam das aulas da universidade. “Percebemos que tínhamos os mesmos gostos e certas afinidades,” diz. “Isso acabou por consolidar bastante a nossa filosofia de projecto. As referências são bastante parecidas”, complementa Luís. Em 2011, nascia oficialmente a Forstudio.
Currículo brilhante
Desde cedo que a Forstudio deu nas vistas. Ainda antes da aventura dos concursos, os quatro arquitectos recolheram várias medalhas. Por exemplo, graças ao projecto Landcork, um projecto de estruturas modulares feitas de madeira e cortiça, o colectivo de jovens arquitectos foi finalista do Prémio Indústrias Criativas, promovido pela Unicer e pela Fundação de Serralves, e do Prémio de Criatividade “Arrisca C”, da Universidade de Coimbra, em 2012. Em 2013, foram ainda vencedores do Prémio de Criatividade do Tecnopólo de Sines.
Entretanto, foram fazendo também pequenos projectos, como um restaurante na Fuzeta, no Algarve, terra de Ivone, ou o espaço da chef Marlene Vieira no Mercado da Ribeira, em Lisboa.
No currículo, a Forstudio guarda com particular carinho um dos primeiros concursos a que concorreram. Foi a concepção de um jardim temporário em Bilbao, em Espanha. Foi-lhes atribuído um orçamento para a construção do espaço, que tiveram de montar com as próprias mãos durante 15 dias com a colaboração de outros arquitectos.
Apresentaram também projectos para um museu na cidade espanhola de Leganés, para uma instalação nas Ilhas Canárias e para uma biblioteca em Grândola. Apesar de não terem sido seleccionados, ficaram na shortlist de cada concurso, diz Ricardo. Todo este capital de reconhecimento foi essencial para poderem chegar a Bogotá, o projecto mais emblemático já realizado por estes jovens arquitectos.
A primeira de muitas conquistas
No final do ano de 2012, Ricardo voa para a Colômbia para ver o espaço onde a Feira Internacional do Livro de Bogotá iria realizar-se no ano seguinte. A equipa já estava a pensar no projecto. Não havia tempo a perder. Ao início, ficaram “apreensivos” com os três meses que tinham para o processo de concepção e montagem, conta Ivone, mas “quando começámos a trabalhar, começaram a fluir as ideias”. Na verdade, não dava muito tempo para reflectir, assumem.
O desafio de criar o pavilhão português na capital colombiana foi parar às mãos da Forstudio através de um convite da Booktailors, uma consultora especializada no meio editorial e responsável pela organização do pavilhão. Num curto espaço de tempo – receberam o convite no final de Novembro e a feira iria realizar-se em Maio – tiveram de conceber e implementar um projecto que envolveria uma área total de 2000 metros quadrados. O tema seria o “Mar” e o orçamento muito reduzido. Eram os anos da crise.
A Feira teve lugar num pavilhão industrial, como outros tantos no mundo, sem história nem glória. “A qualidade acústica era bastante baixa. Iam estar 50 mil pessoas por dia a passar num espaço assim e tornou-se imperativo resolver esse problema”, conta Fábio. A solução veio de cima.
A chave passava por uma intervenção no tecto. Acabou por encontrar-se uma solução dentro do orçamento – isto é, não dispendiosa – com valor estético e capaz de solucionar de uma assentada os problemas de som e luz: a utilização de um tecido pendurado do tecto. Mais tarde, já com a feira a todo o vapor, Ricardo revela que foram várias as pessoas que passaram pelo pavilhão e que não deixavam de felicitá-los pelo projecto – além de aproveitarem ainda para fazer interpretações sobre os panos, que pareciam velas e faziam lembrar barcos. Muita desta simbologia “nem sequer pensámos nela”, graceja.
Dentro do tema geral “Mar”, o colectivo escolheu a ideia de “Horizonte” como eixo para a concepção geral do pavilhão.
A entidade promotora, a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, tinha uma visão mais abrangente da instalação, que iria agregar outros factores da cultura como a arquitectura, a ilustração, o cinema. Não era tarefa fácil conseguir levantar o projecto, mais ainda com a escassez de recursos com que tinham em mãos. Paulo Ferreira, director-geral da Booktailors, recorda à FORBES este tour de force conseguido pelo atelier nacional: “A Forstudio respondeu de forma brilhante ao desafio, conseguindo duas coisas extraordinárias: o pavilhão mais barato de sempre para uma participação de um país tema e ter o seu trabalho reconhecido como o melhor de todos os países que ocuparam esse espaço.
Quase sem ovos foram capazes de produzir omeletes”. Para Ricardo, foi um desafio enormíssimo. “Tínhamos um orçamento relativamente grande para gerir, embora fosse bastante mais pequeno do que o costume para aquele pavilhão em concreto. Foi um projecto que nos ajudou muito a conseguir esse capital de confiança porque correu muito bem”, considera.
O esforço e a dedicação do colectivo de arquitectos na capital colombiana acabaram por ter os seus frutos: além da distinção da revista italiana Casabella, uma referência no mundo da arquitectura, que incluiu os quatro jovens na lista dos melhores arquitectos do mundo com menos de 30 anos, a Forstudio foi ainda seleccionada, com o pavilhão português, para o Prémio FAD Internacional, em 2014, promovido pela associação espanhola Arquinfad, que distingue as melhores obras na Península Ibérica.
Construção atribulada em Bogotá
Ricardo foi quem esteve a acompanhar a obra no local. No mês em que lá esteve, perdeu dez quilos, conta, “levantado das 8h30 até à meia-noite”. Foi uma época exigente, não só pelo esforço físico, mas também pelo inevitável choque cultural.
Ricardo exemplifica este embate com uma peripécia que decorreu durante a montagem do pavilhão, que tinha de estar terminada num prazo de 15 dias. “Um dia, chegou ao pavilhão às 22h – quando estava previsto que as obras durassem até às 3h da manhã – e nada se passava”. Ricardo conta que se irritou e foi falar com o responsável da obra que lhe disse que o “coronel” tinha mandado parar tudo.
O “coronel” era nada mais do que o responsável pela vigilância do recinto e tinha mandado suspender a montagem porque os panos, que faziam parte do projecto, estavam a tapar as câmaras de vigilância. O diferendo resolveu-se com persuasão colectiva. Um pequeno momento de realismo mágico num pavilhão industrial na pior altura possível.
Contar arquitectura
O mais recente projecto do colectivo Forstudio foi para a Ordem dos Arquitectos (OA). Tratou-se da estrutura da exposição “Arquitectura em Concurso: Percurso Crítico pela Modernidade Portuguesa”, que esteve patente no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, de 29 de Março a 29 de Maio deste ano, e que pretendeu mostrar as décadas de concursos arquitectónicos e, com eles, a evolução de um país.
A proposta foi apresentada pela Forstudio anonimamente, como todas as outras, tendo sido escolhida para a segunda fase, para posteriormente ser apresentada a um júri final. “A selecção da proposta foi realizada de acordo com a qualidade, originalidade e inovação da solução e a exequibilidade técnica e viabilidade orçamental”, explica Rui Alexandre, presidente do conselho directivo regional Sul da OA. O resultado foi uma exposição alicerçada numa estrutura de peças de madeira aparafusadas entre si, que tinha como objectivo, segundo o projecto da Forstudio, fazer com que “o percurso da exposição pudesse ser feito de forma intercalada, numa visita única e completa.”