Há um partido político que defende a atribuição de uma prestação vitalícia pelo Estado a todos os cidadãos. Independentemente da origem social, rendimentos passados e presentes, património diverso ou inexistente, quer trabalhem ou não, o PAN defende que todos os cidadãos portugueses aufiram, sem perguntas, um rendimento fixo até morrer. E para esse efeito, o partido que conseguiu representação na Assembleia da República nas legislativas de Outubro de 2015, apresentará um projecto de resolução até ao início de Abril, que recomendará ao governo a criação de um estudo-piloto para perceber se o Rendimento Básico Incondicional (RBI) pode vir a ser ou não uma realidade no nosso país.
Dar incondicionalmente a todos uma determinada verba mensal, de forma a garantir condições de vivência mínima às pessoas, é uma proposta que pode parecer radical. André Silva, deputado do PAN, em entrevista à FORBES, defende-a: “Muitas vezes entende-se que o nosso rendimento tem que vir do trabalho”. E não tem? Não necessariamente: quando o trabalho falta, por uma razão ou por outra, o Estado garante uma rede de salvação com diversas prestações sociais. Mas “esta intervenção é
a posteriori e é tarde para o desenvolvimento correcto do ser humano. Se esse rendimento for disponibilizado antes, mais possibilidades se podem abrir”, acrescenta. Contra o subemprego, o desemprego estrutural – de pessoas com poucas hipóteses de voltar do mercado de trabalho – ou as excessivas cargas horárias.
Apesar de ainda existir um debate em relação aos moldes de financiamento em Portugal, os modelos em cima da mesa são múltiplos. A FORBES desafiou os representantes do PAN a imaginar as condições de implementação do RBI no país a curto prazo – isto é, no espaço de um ano. O valor ideal, após a implementação inicial, apontado pelo PAN, rondaria os 450 euros, segundo o representante do partido, sendo que crianças e adolescentes receberiam metade. Tomando como referência o actual Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que serve de base de cálculo para as prestações sociais portuguesas, que orça os 419,22 euros, tentámos ter uma ideia aproximada de quanto o Estado português gastaria com esta nova prestação. Fazendo contas sumárias, há 10,6 milhões de residentes em Portugal, dos quais 10 milhões têm nacionalidade portuguesa, segundo o último censo realizado à população, em 2011, pelo Instituto Nacional de Estatística. Destes, perto de 7,95 milhões eram maiores de idade à época. Tendo em conta o IAS, o Estado gastaria nas 14 prestações anuais do RBI – partindo do princípio que incluirá subsídios de férias e de Natal – cerca de 47 mil milhões de euros. Como as crianças e adolescentes receberiam metade, acresce perto de 5,9 mil milhões de euros à despesa do Estado, totalizando 53 mil milhões de euros, quase 90% da receita fiscal e contributiva do Estado em 2015 e 30% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015. A contrapartida deste pagamento passa pela eliminação das restantes prestações, como seja o Rendimento Social de Inserção (RSI), o subsídio de desemprego, as pensões. “Idealmente, todas as prestações sociais”, diz André Silva. De acordo com o deputado do PAN, o RBI seria assim financiado pela eliminação de todos os outros subsídios, mas não só. Passaria também por um maior combate à economia paralela e pelo reforço do comportamento responsável dos cidadãos, “que passariam a ter uma maior consciência da importância de colaborar com o Fisco”, defende André Silva. Contudo, o desafio é grande.
Pedro Teixeira é um dos economistas que estuda eventuais formas de financiamento do RBI. No trabalho académico “Sobre o financiamento de um RBI em Portugal”,
o economista projecta a forma como o Estado português iria recolher os recursos necessários para financiar um RBI de 200 euros. À FORBES, comenta por e-mail que “é fácil de ver que um RBI estabelecido para um valor próximo do IAS representará um custo agregado de financiamento muito elevado. Os instrumentos a escolher têm de dar perspectivas realistas de poder arrecadar elevados montantes. É por isso natural que os primeiros candidatos sejam a reformulação de impostos como o IRS, o IVA ou o IRC”. Pedro Teixeira propõe um modelo de financiamento: a “integração do rendimento básico nas prestações da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações; a revisão das isenções e deduções à colecta, juntamente com a recomposição das taxas marginais e dos escalões do IRS – de forma a desonerar os escalões intermédios –; e a diversificação do financiamento através da adopção de outros impostos ou outras fontes de financiamento”, como impostos ao consumo.
Propostas no estrangeiro
A Suíça prepara-se para votar no dia 5 de Junho o RBI, num referendo impulsionado pela Initiative Grundeinkomme (Iniciativa Rendimento Básico). À FORBES, em conversa telefónica, Daniel Straub, um dos proponentes desta iniciativa, explica que, a ser aprovado, o RBI local deverá orçar os 2500 francos suíços (cerca de 2287 euros) – um valor que, apesar de parecer alto para os padrões portugueses, “terá de ser ajustado ao custo de vida. É muito caro viver na Suíça”, diz. Esta prestação seria atribuída por inteiro a todos os cidadãos com mais de 18 anos, explica Straub: “As crianças receberão um quarto desta prestação, cerca de 600 francos”, acrescenta. Os salários seriam divididos entre a parte condicional e a incondicional – isto é, o RBI substituiria parte dos salários, deixando a diferença a ser paga pelas empresas.
A Finlândia é outro país que já pôs as mãos na massa, e já definiu uma equipa para estudar a implementação do RBI no país, com o financiamento da Kela, o instituto de segurança social do país. Jurgen De Wispelaere, investigador da Universidade de Tampere, na Finlândia, faz parte da equipa que está a preparar uma experiência-piloto a arrancar em 2017. O especialista explica à FORBES que, “no geral, o rendimento básico será financiado por uma combinação de impostos, poupanças e a substituição de um número de elementos pelo rendimento básico. Mas a mistura específica de cada uma destas fontes de financiamento é uma questão a debater e o governo irá certamente ter a palavra final”.
Adeptos e detractores
Se pensa que esta é uma ideia naturalmente de esquerda, engana-se. Há quem, entre a direita, defenda esta prestação. Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, já se referiram de forma enviesada a financiar directamente os cidadãos, mas com uma proposta mais inusitada: o já célebre helicopter money. Não serão helicópteros a sobrevoar os países europeus e a largar maços de notas, mas, fora do campo da metáfora, o efeito poderia ser semelhante.
À esquerda encontram-se detractores. Um deles, a nível nacional, é o economista Francisco Louçã. Recentemente, no blogue do jornal Público, “Tudo Menos Economia”, o professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão e antigo líder do Bloco de Esquerda defendeu que tornar o RBI como referência para todas as prestações sociais acabaria por reforçar a pobreza de muitos que auferiam subsídios acima desse valor. Sublinha que a universalidade desta prestação é injusta, porque atribui a mesma verba ao rico e ao pobre. E que a sua implementação acarretaria um colossal aumento de impostos.
No canto dos defensores do RBI, estão alguns milionários. Um deles é Götz Werner, proprietário da cadeia alemã de drogarias DM. O belga Roland Duchâtelet é outro milionário, desta feita da indústria dos semi-condutores, que defende esta prestação. À FORBES, em declarações prestadas por e-mail, o também político do partido liberal Vivant declara: “Promovo [o RBI] porque é a única solução para uma economia robotizada.
Esta economia será baseada na troca de serviços. O poder de compra é o motor da economia no futuro.” E acrescenta: “A ideia de que se tem de trabalhar para ter rendimentos está ultrapassada. As máquinas e os robots fazem o trabalho agora.
A nossa mente precisa de aceitar isso.”
Relembrando que, nas sociedades ocidentais, os Estados já redistribuem legas somas junto da população em diferentes prestações sociais, Duchâtelet relembra que “a competição actual entre países para captar empregos na indústria provoca uma espiral negativa nos rendimentos do trabalho e nos rendimentos de substituição. O que explica por que é que o mundo político e o Banco Central Europeu estão num impasse.”