A classificação de Coimbra como património mundial há dez anos, aliada à atratividade do país enquanto destino, fizeram aumentar quase todos os indicadores do turismo na cidade, mas a média de pernoitas permanece quase inalterada.
A 22 de junho de 2013, Universidade de Coimbra, Alta e Rua da Sofia foram declaradas património mundial pela UNESCO, num momento que coincidiu com a afirmação de Portugal como destino turístico.
Ao longo dos últimos dez anos, Coimbra acompanhou esse ritmo e colheu frutos desse crescimento, com a Universidade de Coimbra a passar dos 250 mil visitantes em 2013 para 501 mil em 2017 (melhor ano até agora), estando ainda a recuperar dos efeitos da pandemia (conseguiu mais cerca de 30 mil visitantes entre janeiro e maio deste ano face a 2022), disse à agência Lusa fonte oficial da instituição.
Das capitais de distrito da região Centro, só Aveiro tem mais registos de alojamento local (667) do que Coimbra, que, mesmo assim lidera na capacidade desses mesmos alojamentos (4.519 pessoas), de acordo com o portal da Turismo de Portugal consultado pela Lusa.
Entre 2013 e 2023, Coimbra passou de 18 alojamentos locais para 592, com o número a subir de forma constante, mesmo durante a pandemia.
Em 2019, chegou a ter uma proporção de hóspedes estrangeiros de 61,3% (mais 12 pontos percentuais face a 2013) e os proveitos económicos registados pelos alojamentos turísticos mais do que duplicou entre 2013 e 2019, passando de 15 milhões de euros para 32 milhões de euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística.
No entanto, se há dado que permanece praticamente igual é a média de noites passadas na cidade, passando de 1,5 em 2013 para 1,6 em 2021 (último ano com dados disponíveis).
Para o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, a classificação como património mundial impulsionou o crescimento do turismo na cidade, mas admite que a cidade também beneficiou da “moda em que Portugal se tornou na área do turismo”.
“A cidade beneficia do turismo, mas faltam programas adicionais para manter os turistas durante mais noites em Coimbra. Coimbra e a região precisam de programas que retenham turistas mais tempo”, vincou, aclarando que o executivo está a trabalhar na interação com os operadores turísticos.
Já o presidente da delegação de Coimbra da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), José Madeira, apesar de considerar que a classificação deu “reconhecimento internacional” à cidade e permitiu manter Coimbra como “competitiva face a outros destinos nacionais”, falta “muito trabalho”.
“Não há um plano estratégico para a promoção turística da cidade. A grande maioria dos turistas que cá chega não sabe que Coimbra é património mundial, mas sai sempre daqui encantado. O problema é que mesmo que na receção se mostre que Coimbra vale mais do que uma noite, o turista já tem hotel marcado para o dia seguinte em Lisboa ou no Porto”, vincou.
Nesse sentido, José Madeira considera que o trabalho mais importante tem de ser feito “longe de casa”, de promoção do destino nos principais mercados.
Para além disso, o presidente da delegação regional da AHRESP sugere que se repense o tipo de turismo que a cidade quer, onde ainda há uma forte presença de grupos de turistas, que apenas passam umas horas na cidade.
“Eles vêm, sujam a cidade, entopem a Universidade, não pagam taxa turística, não dormem e muitas vezes nem comem na cidade. Esses grupos são uma gota de água na economia da cidade e deveriam ser os primeiros a pagar a taxa turística”, defendeu.
Apesar disso, José Madeira reconhece os vários benefícios vividos nos últimos dez anos.
A taxa de ocupação aumentou, assim como o número de quartos disponíveis e os efeitos da sazonalidade já não se notam de forma vincada como se faziam notar há dez anos, constatou.
“Coimbra tem uma história fantástica, mas tem de fazê-la chegar a casa das pessoas, antes de elas decidirem quanto tempo ficam”, disse.
Rua da Sofia continua o “patinho feio” do património classificado de Coimbra
A Rua da Sofia integra a zona de Coimbra classificada como património mundial desde junho de 2013, mas dez anos depois mantém-se como uma espécie de “patinho feio”, onde pouco parece ter mudado.
“Vive uma menina recatada/ Ao fundo da avenida numa rua/ De dia de gente está cercada/ De noite às escuras seminua”, canta Aguinalda Amaro, que abriu o café Sofia há 11 anos e que por lá passa 12 a 14 horas por dia.
A letra que Aguinalda canta é resgatada da marcha feita para o espetáculo “Sofia, Meu Amor”, da rede Artéria, que foi apresentado há cinco anos, com a canção a perguntar, a dada altura: “Sofia, onde está a tua alegria?”.
A marcha resume o que Aguinalda Amaro pensa sobre estes últimos dez anos, depois de a Rua da Sofia, ter sido classificada, juntamente com a Universidade de Coimbra e Alta, como património mundial.
Naquela rua criada no século XVI à imagem da Sorbone, em Paris, onde foram erguidos setes colégios e as suas igrejas, “nada mudou” nos últimos dez anos, resume a “gerente, proprietária, cozinheira e animadora social” do café Sofia.
À frente do café, Aguinalda ouve os guias a contextualizarem a rua, dentro de autocarros cheios de turistas. Estão apenas de passagem. Seguem em direção à Alta, onde largam os visitantes por umas horas. Veem a Universidade, descem o Quebra Costas e retomam viagem na Portagem, depois de passarem pela Ferreira Borges, onde em 150 metros têm à escolha dez lojas de souvenirs.
“Vejo todos os dias, camionetas a passarem aqui na rua, com os guias a falarem da Sofia e tal, mas nem param”, lamenta a proprietária do café, que vê a Sofia como “o patinho feio do património” classificado em Coimbra.
Um ano depois de abrir o café, o anúncio da classificação deu-lhe esperanças de que algo pudesse mudar, mas nada se vê, vinca.
“Mas também o que é que podem mostrar?”, pergunta, reconhecendo que a maioria dos colégios estão nas mãos de privados e pouco há que se possa visitar.
Parte do Colégio da Graça, que sofreu obras de reabilitação por parte da Universidade de Coimbra e serve o Centro de Estudos Sociais e o Centro de Documentação 25 de Abril (outra parte é utilizada pela Liga dos Combatentes), o Colégio de São Tomás é a sede do Tribunal de Coimbra, e outros colégios (ou o que resta deles) têm outras ocupações, como habitação, lar de idosos e comércio.
Em 2022, a Rua da Sofia recebeu pela primeira vez o evento organizado pela Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) “Ao Encontro da Sofia”, um dia em que a rua fica encerrada ao trânsito automóvel.
Este ano, o evento repetiu-se, na esperança de a cidade se reencontrar novamente com a Sofia e mostrar o potencial de a pedonalizar.
Aguinalda participou – aliás, participa em tudo o que possa dar vida à rua –, mas mostra-se reticente quanto aos benefícios de a Sofia ser parcialmente pedonalizada.
Já o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, acredita que será a entrada em circulação do ‘metrobus’ e a posterior pedonalização parcial da Sofia a solução para a rua.
“Dedicar a Rua da Sofia aos peões e aos transportes públicos vai estimular a vida daquela rua. Está tudo a ser estudado para ser implementado após o Metro Mondego entrar em funcionamento”, vincou, acreditando que essa pedonalização parcial dará “outra centralidade” àquela via.
O autarca reconhece que a Rua da Sofia “não foi objeto da mesma atenção que a Alta”, até por a maioria dos colégios serem privados e a capacidade de intervenção das entidades públicas ser “mais limitada”.
“A Câmara tentou adquirir um dos colégios e não conseguiu. Agora, está-se a desenvolver um diálogo tranquilo com a Ordem Terceira, que ela própria está interessada em reabilitar o seu espaço [Colégio do Carmo], que é magnífico”, referiu.
A presidente da APBC, Assunção Ataíde, também acredita que a pedonalização da rua poderia torná-la “mais interessante”.
“Aquela rua sem trânsito é fantástica, mas com trânsito é impossível”, vincou, recordando que no passado havia receio em fechar a rua Ferreira Borges ao trânsito, sendo hoje uma zona muito movimentada, especialmente por turistas.
João Paulino, que preside ao núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes, é da mesma opinião e acredita que o fim do trânsito na rua poderia alterar “a sua filosofia”.
Ali, faz questão de ter sempre as portas abertas dos claustros do Colégio da Graça, a zona do edifício que a entidade ocupa.
Os claustros vão servindo para vários eventos de índole cultural, mas é visível a falta de investimento na requalificação do colégio que sofre de infiltrações e não há sequer uma contextualização para os poucos turistas que o visitam, lamenta João Paulino, que, sempre que pode, faz as vezes de guia a qualquer visitante curioso.
“Uma equipa da Direção Regional da Cultura do Centro já veio avaliar os custos da requalificação do colégio, mas nunca se avançou com qualquer projeto”, aponta, vincando que este é um dos poucos espaços que podem ser visitados na Rua da Sofia.
Se na Liga dos Combatentes, a cultura tem ajudado a dar a conhecer os claustros do colégio, Aguinalda Amaro aponta também para a arte como boia de salvamento.
“As duas coisas mais lindas que fizeram pela rua foi o concerto da Orquestra Clássica do Centro no Tribunal de Coimbra, que deixou a Sofia tão bonita, e o espetáculo ‘Sofia, meu Amor’, que nunca me vou esquecer. Foi lindo ver tanta gente na Rua da Sofia e senti, talvez pela primeira vez, amor-próprio por parte da rua”, salienta.
A proprietária do café tem mais dúvidas do que certezas sobre o que poderá resultar. Sugere teatro, revista, concertos de fado, mas também fechar a rua “de três em três meses” para se dar a conhecer à cidade, que passa sempre nela de passagem.
“Não sei, mas é preciso fazer algo, mas fazer para o povo, que a Rua da Sofia é do povo”, vinca.
“Sofia, quantas voltas eu daria/ Quantas marchas cantaria,/ P’ra te ver sorrir também?”, canta-se no refrão da marcha que ainda hoje Aguinalda guarda na memória.
Lusa