As coisas parecem estar a correr bem na Fixeads. A empresa gestora de portais como o Olx, Standvirtual e Imovirtual registou uma facturação superior a 11 milhões de euros – com uma grande subida homóloga – e lucros de 1 milhão de euros em 2015.
Adquirida por uma multinacional do sector dos media, a Naspers, num processo que começou em 2012, esta antiga start-up revela também uma enorme liquidez: só em tesouraria carrega mais de 2,3 milhões de euros. Mas não só.
Apresenta um rácio de solvabilidade de 579% e um nível de autonomia financeira de 85%, o que a coloca como um caso raro de sustentabilidade do sector empresarial nacional. Um feito alcançado por via de um modelo delineado pelos fundadores, Miguel Mascarenhas e Miguel Monteiro, que procuraram construir uma empresa que crescesse organicamente sem necessidade de recorrer a capital alheio.
Depois da compra pela Naspers, Monteiro assumiu em 2014 o cargo de presidente executivo da Fixeads, substituindo no cargo o mastermind do negócio desde a sua génese: Mascarenhas. Hoje, este último é “apenas” director-chefe do departamento tecnológico (ou em inglês chief technology officer) da casa-mãe, cargo que ocupa desde 2014.
Passaram de empreendedores a trabalhadores por conta de outrem. À FORBES, na sede da Fixeads em Lisboa, nem um nem outro se vêem como meros assalariados. “Uma coisa é ser proprietário da empresa, outra é ser director, e ainda outra é ser empregado. Eu, como fundador, sou tudo ao mesmo tempo”, diz Mascarenhas.
Para este empreendedor, que já tinha negócios na adolescência, parar é morrer. “Não gosto de estabilidade”, diz. Para os dois Miguéis, vender a totalidade da empresa não foi traumático.
Já tinham tido a experiência da entrada no capital de um primeiro grupo de investidores holandeses, em 2008, que acabou por diluir a participação de ambos. A Naspers veio a seguir, anos mais tarde, com a compra da totalidade da Fixeads. A gestão continuou a ser feita como dantes, asseguram.
A filosofia empresarial da Naspers permite esta manutenção do statu quo nas empresas que adquire. Monteiro refere que o nível de empreendedorismo que os donos da empresa lhe conferem é pouco comum em situações semelhantes. “Tem a ver com a génese da Naspers de procurar empresas, comprá-las e absorvê-las, deixando-as manter a sua cultura”, diz.
Para o presidente executivo da empresa nacional, “o que custa mais, como fundador, e passar a pertencer a um grupo, é ver que tudo aquilo em que trabalhaste se está a desfazer. E isso acontece quando se tem de mudar toda a realidade, toda a comunicação, toda a forma de trabalhar. Isso não aconteceu na Fixeads.”
Se tivessem sido adquiridos por conglomerados maiores e mais rígidos culturalmente como a Sonae ou a PT, entidades com as quais concorreram (e ainda concorrem), os dois empreendedores não têm dúvidas de que “haveria muito mais intervenção na gestão. Não sei se isso é positivo ou negativo, mas face aos resultados que eles estão a ter no mesmo negócio, é provavelmente negativo”, defende Monteiro.
Da cave para as Avenidas Novas
Em 2002, a bolha das empresas tecnológicas já tinha rebentado e deixado atrás de si um rasto de empresas falhadas na área da internet.
“Até era mal visto dizer que se trabalhava nessa área”, diz Mascarenhas. Tanto ele como Monteiro estavam, à época, a estudar Gestão na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
Mascarenhas, bem antes da universidade, já andava a fazer negócios. Na Escola Alemã de Lisboa, o co-fundador da Fixeads estava envolvido em projectos na área dos classificados digitais.
Exemplo disso, participou na equipa que fundou o Miau.pt, antiga página de leilões on-line vendida à Sonaecom e que estava presente na edição on-line do jornal de classificados Ocasião.
Oportunidades que lhe apareceram no caminho graças ao seu à-vontade tanto na área tecnológica como na língua alemã, já que por detrás destes dois projectos estava uma empresa teutónica, a Quoka Verlag. Foi assim que teve contacto próximo com o mercado dos classificados. Em 2004, o Ocasião acabaria vendido à Controlinveste.
Já na universidade, Mascarenhas e Monteiro reuniram-se para um trabalho de grupo. O desafio era criar um plano de marketing para o lançamento de um novo produto. Foi esse o primeiro projecto que fizeram juntos e que acabaram por implementar: a empresa Fixe.com, que acabou por albergar o projecto Standvirtual, hoje um dos portais mais relevantes de classificados no sector automóvel.
Mascarenhas revela que a ideia desta plataforma nasceu quando reparou que muitos colegas iam, nas pausas do trabalho, a sites alemães da área como o Mobile.de ou o Autoscout24. Era uma questão de tempo até haver uma página semelhante em Portugal, reflectiu. “Por que não o criamos nós?”, pensaram.
Em 2004, o Standvirtual abriu as portas e entrou de rompante na internet, ao lado de concorrentes de peso como o Auto Sapo e o Autoportal. O segredo para ultrapassá-los, segundo Mascarenhas, esteve na qualidade dos conteúdos. “Conseguimos sempre diferenciar-nos pela qualidade dos anúncios, pelo detalhe nas características dos automóveis e por termo-nos adaptado ao mercado português”.
Na plataforma, obrigaram os anunciantes a incluir o preço dos automóveis – sem truques como o “sob consulta” -, rejeitavam anúncios com fotografias que não correspondiam às descrições e ainda optimizaram o site de forma a que o carregamento fosse mais célere. Eram tempos que implicavam, como em qualquer start-up, noites sem dormir e longas jornadas de trabalho – época que recordam “com saudade”, diz Monteiro, apesar de terem chegado a estar instalados num consultório médico e numa cave.
A estrutura era leve, o que facilitava o controlo dos custos. Uma vantagem face a projectos do sector com “modelos de negócio que não eram sustentáveis”, diz Mascarenhas.
Sobre a sustentabilidade dos negócios, os fundadores deste império dos classificados em Portugal têm algo a dizer. “Há uma diferença decisiva entre o desenvolvimento da Fixeads enquanto start-up e os modelos das start-ups que vemos em Portugal, em que o objectivo é ir atrás do investimento. O nosso objectivo sempre foi aplicar modelos de gestão de forma a que a empresa fosse sustentável desde o princípio. Crescer o máximo possível para aumentar os recursos, e depois aumentar o investimento por si próprio”, resume Monteiro.
Hoje, tanto em área como número de colaboradores cresceram consideravelmente: nos dois pisos do escritório da Avenida Duque d’Ávila, na capital, estão 180 colaboradores.
A compra pela empresa grande
A entrada da Naspers no capital da Fixeads ocorreu em 2012. Mas os dois sócios já tinham tido uma experiência anterior com fundos estrangeiros. Em 2008, investidores de origem holandesa – cuja identidade os dois fundadores não quiseram revelar – entraram no capital da empresa. Nos primeiros dois anos, aplicaram perto de 1 milhão de euros, diz Mascarenhas. Uma injecção de capital que permitiu uma maior profissionalização da empresa. “Nunca andámos activamente à procura de investimento para crescer. Nem apresentações, nem pitches”, acrescenta.
Desde essa altura diluíram-se as posições de ambos na estrutura accionista da empresa. A sul-africana Naspers começou a ficar de olho na Fixeads quando, em 2009, a portuguesa lançou a plataforma Coisas, semelhante ao Olx.
Passado um ano, essa página “estava a rivalizar, taco a taco, com dois grandes players: o CustoJusto e o Olx”, este já presente em Portugal e gerido directamente pela Naspers. “Se formos ver as referências de investimento que eles, na altura, faziam na televisão, eram de vários milhões”, diz Monteiro. Mesmo sem o elemento publicitário, a Fixeads “conseguia lutar de igual para igual.”
Nessa altura, era uma empresa com uma equipa com perto de 50 pessoas “completamente ‘treinadas’ em classificados, que compreendiam o mercado automóvel, de classificados horizontais, e a plataforma de leilões”, descreve Mascarenhas. “Quem conseguisse a Fixeads, ganharia o mercado”, reconhece.
Em 2012, o conglomerado de media sul-africano aborda os dois sócios. Foi, no fundo, um casamento mais ou menos previsto pelos dois empreendedores. “Seria interessante para a empresa fazer parte de algo maior”, assume Mascarenhas – que se escusou a revelar o investimento da Naspers na compra.
Entretanto, a Fixeads continua atenta ao mercado português. Em 2015, tentou adquirir as marcas do concorrente CustoJusto.pt, propriedade da empresa norueguesa de media Schibsted. Contudo, a Autoridade da Concorrência chumbou a transacção após protestos da Cofina, grande player de classificados em plataformas como o Correio da Manhã. Não contestaram. “Podíamos ter discutido a definição de mercado e ter conseguido levar aquilo avante, mas achámos que não tínhamos assim tanto interesse nas marcas”, revela Monteiro.
Para os próximos anos, a estratégia da empresa é somente uma: continuar a crescer. De preferência ao ritmo dos últimos quatro anos, período em que a Fixeads conseguiu duplicar a facturação a cada 2,4 anos, que culminou num volume de negócios recorde de 11,4 milhões de euros no final do ano passado.