Os videojogos há muito que deixaram de ser um mundo reservado a geeks e aos mais novos. É uma indústria gigantesca.
Uma das séries de videojogos mais famosas do mundo, “Call of Duty”, desde que foi lançada em 2003, conta já com 13 títulos associados, acumula mais de 175 milhões de cópias vendidas e receitas superiores a 1000 milhões de euros pelos quatro cantos do globo. É uma máquina de fazer dinheiro. E não é caso único.
A indústria dos videojogos é vibrante no mundo inteiro. É um autêntico filão: o mercado global dos jogos está avaliado em 93,3 mil milhões de euros, de acordo com dados relativos a Junho de 2016 da consultora Newzoo, especializada em jogos. Mas esse nem é o feito mais extraordinário.
O que mais salta à atenção é o forte ritmo de crescimento que esta indústria está a atravessar: segundo os especialistas da Newzoo, o valor global do mercado de videojogos pode ascender aos 111 mil milhões de euros até 2019, um valor equivalente ao produto interno bruto da Hungria.
Portugal não passa ao lado desta realidade. O mercado de videojogos já conta com algumas empresas nacionais. Mas está a anos luz do que sucede nos EUA ou no Japão, por exemplo, pois ainda estão a ser dados os primeiros passos para a criação de uma indústria nacional sólida.
Sérgio Varanda é português, director de produto da casa-mãe, e foi ele quem teve a temeridade de trazer a Miniclip para Portugal.
O “Atlas do Sector dos Videojogos em Portugal”, o primeiro estudo sobre o sector feito por cá, da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos e publicado em 2016, estima que o volume de negócios das 154 empresas de jogos registadas em Portugal esteja entre os 6 milhões e os 12 milhões de euros.
Números que, mesmo assim, pecarão por defeito, já que o valor preciso é difícil de calcular, asseguram os autores do estudo que tirou uma “fotografia” ao sector entre Setembro de 2015 e Julho de 2016. No meio de uma indústria ainda a despertar para o mundo, há uma empresa nacional que se destaca e que, inclusive, tem galgado fronteiras com enorme sucesso.
A Miniclip é a maior empresa de jogos registada em Portugal e um “peso-pesado” mundial na área dos jogos mobile. A empresa, sediada na Suíça, e co-detida pela chinesa Tencent, tem no Taguspark, em Oeiras, uma subsidiária que já emprega cerca de 130 pessoas.
Sérgio Varanda é português, director de produto da casa-mãe, e foi ele quem teve a temeridade de trazer a Miniclip para Portugal.
“O negócio está a correr bem”, resume Sérgio à FORBES, numa peculiar sala de reuniões na sede da empresa, sentado num dos lados de uma mesa de pingue-pongue que faz as vezes de uma mesa normal. O ambiente da Miniclip é todo assim: cheio de desenhos de personagens dos jogos nas paredes, um ambiente jovial e meio nerd, e com uma vista desafogada que chega até ao rio.
No ano em que foi estabelecida, em 2010, a equipa tinha apenas quatro pessoas “recrutadas em fóruns da Internet”, lembra Sérgio. No fim desse ano já eram 12. E, em 2017, a subsidiária alcançou mais de uma centena de funcionários.
A facturação, essa, ultrapassou os 7 milhões de euros em 2015, segundo o mais recente relatório de contas. É um peso-pesado no sector dos jogos em Portugal. Um crescimento amparado nas condições que o nosso país oferece para este tipo de empresas, com destaque para a mão-de-obra barata e qualificada.
À procura de um sonho
A Miniclip é um exemplo que inspira quem quer fazer dos jogos um negócio e, no nosso país, é um caso que se destaca claramente dos restantes. Segundo o “Atlas do Sector dos Videojogos em Portugal”, o sector dos jogos por cá é composto essencialmente por developers independentes e empresas muito pequenas, com grande mortalidade.
Dois terços das empresas inquiridas tinham três ou menos anos de actividade. E, excluindo a Miniclip, as que operam no sector têm em média 4 funcionários a tempo inteiro.
O sector dos videojogos em Portugal teve uma idade da inocência na década de 2000. Uma associação,
a Aproje – Associação de Produtores de Jogos Electrónicos, tentou fundar um cluster de videojogos na cidade de Portalegre, um projecto que com segurança se pode classificar como megalómano.
Corria o ano de 2006 e um artigo do jornal Público desse ano, intitulado de “Hollywood dos jogos electrónicos deverá nascer perto de Portalegre”, dava conta de um projecto que incluía a construção de “uma Game City”, com empresas ligadas à indústria dos videojogos, condomínios, hotéis, um parque de jogos e diversões e um aeródromo”.
O projecto falhou rotundamente, com o encerramento da Aproje e a liquidação final da Gameinvest – a sociedade que agregava uma miríade de pequenos estúdios – em 2015.
Rui Prada e Pedro Santos, professores do Instituto Superior Técnico, acompanham há vários anos o sector dos videojogos em Portugal e têm contacto constante com diversos interlocutores – até mesmo com gigantes internacionais. “Há empresas grandes que têm falado com o Técnico, como a Ubisoft e a Electronic Arts. Eles estão de olho, de vez em quando vêm ver o que se passa em Portugal”, assegura Rui, responsável pela especialização em Jogos do Mestrado de Engenharia Informática e de Computadores.
Pedro, co-coordenador da especialização, destaca as vantagens que o país oferece a estas empresas. “A Miniclip cresceu por cá porque o ambiente é propício. Os custos da mão-de-obra são muito mais baratos do que nos outros países. A qualidade dos engenheiros, em comparação, é boa. Eles foram crescendo naturalmente cá. Na altura, tinham vários estúdios e começaram a fechá-los e a transferi-los para Portugal [juntamente com os melhores engenheiros]. Portugal tem bons profissionais e um nível de segurança simpático. É um país seguro para investir”, diz Pedro.
Concorrência mundial
Cristiana Serra é líder da equipa da subsidiária portuguesa da Marmalade, um estúdio sediado em Londres que resolveu apostar no nosso país para o desenvolvimento de jogos.
É um estúdio de peso com clientes de peso, como a Hasbro, responsável por jogos de tabuleiro como o Monopólio ou Cluedo.
Cristiana reconhece que a vertente salarial é muito relevante para as empresas estrangeiras que se estabeleceram em Portugal, como a Marmalade ou a Miniclip. Os quadros são substancialmente mais baratos: segundo o Glassdoor, site que agrega informação sobre o mercado laboral no mundo, o salário médio anual de um engenheiro informático na Alemanha é de 54 mil euros.
No Reino Unido é de 43 mil euros, em Espanha alcança os 31 mil euros, e em Portugal, contrata-se um engenheiro informático por 25 mil euros anuais. Isto sem contar com os custos de manutenção de um escritório em Portugal, muito inferiores face a estes mesmos países.
Em Portugal os apoios resumem-se às áreas tradicionais: teatro, cinema. Os videojogos pagam imposto, mas pouco recebem em troca.
Apesar das vantagens financeiras competitivas de Portugal, Rui considera que o grande salto ainda não foi dado devido a duas grandes lacunas: ausência de mão-de-obra em quantidade com experiência em jogos e instabilidade fiscal. “Aí perdemos para a Irlanda e a Holanda”, lamenta.
“A indústria tem de se mobilizar”, diz, para conseguirem incentivos, como os que existem em países como no Reino Unido. Ali, sublinhado diversas vezes pelas fontes ouvidas pela FORBES, lançou-se o Video Games Tax Relief em 2014, que permite às empresas de jogos britânicos obter deduções adicionais e créditos fiscais. Medidas incluídas num pacote geral que engloba todas as indústrias criativas do país.
Em Portugal os apoios resumem-se às áreas tradicionais: teatro, cinema. Os videojogos pagam imposto, mas pouco recebem em troca, recorda Rui.
“Não tivemos apoios”, sublinha Sérgio, relembrando que o estatuto de subsidiária os põe numa situação confortável. Contudo, há sinais que dão algum optimismo a Rui: “Eu diria que estamos a fazer coisas bem. Temos pessoas que não desistiram” e que conseguiram levar avante os seus projectos.
Como no caso da Fun Punch Games, uma pequena empresa apostada em criar jogos de sucesso.
Quando a FORBES conheceu a equipa da Fun Punch Games, num pequeno escritório em Lisboa, estavam a ultimar o jogo “Strikers Edge“ para o lançamento previsto para final de Abril. Tiago Franco, Filipe Caseirito e Ricardo Flores definiram uma estratégia para conquistar nome no mercado: ganhar um prémio. “Era um carimbo de aprovação para abrir as portas lá fora”, considera Ricardo à FORBES.
O prémio acabou por chegar em 2016, mas rapidamente perceberam que para conseguirem desenvolver o jogo, os 10 mil euros do prémio da Playstation não eram suficientes.
Um mês depois, estavam em Amesterdão, capital da Holanda, na feira Casual Connect, à procura de quem quisesse financiar o projecto. Seguiram-se visitas a feiras, como a Gamescom, a maior feira do mundo do sector dos jogos, que decorre anualmente em Colónia, na Alemanha.
O esforço compensou: a melhor proposta permitiu-lhes captar um investimento de 35 mil euros para financiar o primeiro jogo da empresa. Um valor conservador. “Sabíamos que atirarmo-nos fora de pé era complicado”, diz Ricardo. Uma prudência que não existiu antes na chamada primeira vaga nacional de empresas de jogos.
Esforço das pequenas empresas
O fecho ou redimensionamento de empresas do sector dos videojogos no final dos anos 2000 – muito devido à crise económica que afectou Portugal e o mundo – fez com que os profissionais que trabalhavam nessas empresas regressassem ao mercado.
Muitos emigraram, outros criaram os seus projectos, e ainda outros foram absorvidos por empresas que acabaram por se instalar cá. A verdade é que, a partir de 2012, sublinha o “Atlas do Sector dos Videojogos em Portugal”, há uma aceleração no número de novas empresas do sector, que só voltou a abrandar em 2015. Esta é uma segunda vaga mais madura, com objectivos mais definidos.
Ivan Barroso, historiador de videojogos, explica à FORBES que nessa época “implodiu uma bolha” com o fim de empresas como a Gameinvest ou a Biodroid. “Muita gente emigrou porque já tinham as ferramentas necessárias para fazer jogos”, diz.
A partir de 2012, o número de empresas começou a crescer, criadas pelas pessoas que se conheciam da primeira vaga de empresas de videojogos. Como Cristiana da Marmalade e Ricardo da Fun Punch Games, quadros da Biodroid. “Essas pessoas entraram em novos negócios com outro tipo de ponderação”, analisa Ivan.
“Muita gente emigrou porque já tinham as ferramentas necessárias para fazer jogos”, diz Ivan Barroso, historiador de videojogos.
A experiência acumulada pela Fun Punch Games e o foco na vertente do marketing e da gestão é uma valência que falta às empresas do sector e que se revela numa das principais razões que explicam o fecho elevado destas companhias.
“A maior parte dos developers não têm know-how para gerir. Sabem fazer jogos, têm boas ideias, mas depois não as sabem vender. Quando nos decidimos juntar, sabíamos que era um negócio. Temos de fazer cedências. Assim que tivemos financiamento, pudemos largar os nossos empregos e trabalhar a full-time aqui”, considera Ricardo.
Essa capacidade de planeamento a médio, longo-prazo “falha muitas vezes nos indies”, diz. Nesse sentido, Rui Prada revela que o Instituto Superior Técnico está em conversações com universidades de gestão portuguesas para trazer esse conhecimento para os engenheiros da sua universidade.
A prudência é um activo essencial neste mercado. Que o diga Sérgio, que tirou as devidas ilações à débàcle do sector dos jogos em Portugal na década passada.
“Na Miniclip, pensamos sempre no que sabemos fazer e tentamos fazer algo que esteja ao nosso alcance. Se tentarmos fazer um jogo aqui como o ‘Clash of Clans’, provavelmente íamos demorar anos e nunca iríamos chegar a bom porto. Mas há certos jogos que nós sabemos fazer muito bem e então focamo-nos nessa área. Acho que isso foi grande parte do sucesso”.