Juan Nordlinger trocou a Argentina por Portugal em 2022, na mesma altura em que abandonou a carreira de medicina e se dedicou exclusivamente à sua maior paixão: a pintura. Para 2025 está já a preparar uma grande exposição individual na Reitoria da Universidade do Porto, entre julho e outubro, com um objetivo muito claro: o de criar algo que mude o olhar, o sentir, a vivência das pessoas – que as emocione.
Com origens alemãs e austríacas, o artista plástico começou por integrar, em 1995, o Centro de Extensão Cultural Ernesto de la Carcova (Universidade de Belas Artes de Buenos Aires), frequentando posteriormente vários workshops com artistas de referência como Marcia Schwartz, Pablo Suarez, Juan Doppo, Jorge Pirozzi, entre outros tantos, até criar o seu próprio atelier em Buenos Aires.
Como expressionista, na força e na energia da pincelada, Nordlinger considera que “a mancha se expressa sem se importar se falamos de abstração ou de figurativo. Para mim, a pintura é sempre abstrata, pois o que cria a diferenciação é a carga e a intensidade energética sobre a tela. A isso acresce a importância da luz e então tudo se transforma numa cumplicidade maravilhosa, que faz com que voltemos uma e outra vez ao atelier”, refere.
Dedicado à arte há mais de 30 anos, Juan Nordlinger apresenta trabalhos de desenho, pintura, gravura e litografia, e até cerâmica, numa relação direta com o pincel, enquanto extensão do olhar, recorrendo a acrílicos aguarelados como fundos silenciosos que dialogam com a obra, mas é no carvão que encontra maior cumplicidade e expressão.
Entre os artistas argentinos que lhe servem de referência destacam-se Gorriarena, Marcia Schwartz, Leon Ferrari, Pablo Suarez, Jorge Pirozzi, Quinquela Martin, Le Parc, Juan Doffo, Catalina Chervin ou Sivori, como mestres que inspiram os objetos – como sofás ou cadeiras – que Juan Nordlinger convoca numa alusão ao indivíduo, à espera e à passagem do tempo. Num registo intimista, a pintura de Juan Nordlinger usa elementos sensíveis, que mobilizam para tempos presentes ou passados, como silenciosos testemunhos do que se foi.
Quando, em 2022, decidiu cruzar o Atlântico para se instalar em Portugal, mais concretamente em Vila Nova de Gaia, o odontólogo especializado em reabilitação oral rompeu com a atividade profissional no seu país, mantendo apenas uma forte ligação artística à Argentina, onde continua a expor em museus e galerias, sendo reconhecido como uma referência do expressionismo.
Conversa com Juan Nordlinger, já a seguir:
O que o motivou a abandonar a carreira de médico e dedicar-se inteiramente à pintura? Como foi este processo de transição, até porque, financeiramente, imagino que tenha ficado a perder com a mudança?
Que gosto poder fazer quase uma exposição antológica da minha vida, como auto escrever me uma história. Um autorretrato que me dá gosto compartilhar.
Primeiro, tenho que confessar que a paixão é o que me orienta; não posso conceber nada nesta vida sem estar apaixonado.
Ora, devo dizer-lhes que tenho duas paixões, a arte e a odontologia.
Assim, no meu atelier fazia pintura, e no meu consultório escultura, já que a minha especialização era reabilitação oral, tendo construído uma carreira com elevado reconhecimento nacional e internacional. Portanto, foi para mim natural que ambas as atividades convergissem, entrelaçadas, na minha vida. A música também, mas isso é outra história.
Fiz uma grande e larga trajetória da minha vida em Buenos Aires, Argentina, onde nasci, me criei e tive os meus filhos, netos e amigos. Onde estava o meu consultório e o meu atelier.
A pandemia e o pós-pandemia permitiram-me pensar sobre a minha vida futura. Ficou claro que alguma coisa não encaixava bem no meu estado de conforto. Sentia que o status quo não me permitia crescer nas minhas aspirações, que devia voltar a motivar-me. Ou seja, que tinha que inventar e perseguir um novo projeto para poder estar bem comigo mesmo.
Também devo aclarar que a República Argentina está em modo de crise desde há muito tempo. No meio deste caos nacional perguntei-me, por que não? Sentia-me e sabia-me livre para fazer qualquer coisa que pudesse motivar-me novamente.
Nunca o dinheiro foi o meu norte; para mim é uma consequência ou devolução do trabalho constante; obviamente que deixar a odontologia impactou financeiramente a minha vida. Mas, como disse, sentia-me e sabia-me livre para avançar para esta aventura.
Então decidi a mudança. E fechei o meu ateliê e o meu consultório odontológico aos 72 anos para começar uma nova vida.
Por que é que escolheu Portugal, e mais especificamente Vila Nova de Gaia, para continuar a sua jornada artística? De que forma esta mudança de país influenciou a sua obra?
Com renovados sonhos cruzei o Atlântico, para um país, Portugal, que me abria os braços calidamente para me fazer sentir como em casa, no que foi, sem dúvida, uma calorosa receção. Escolhi Portugal porque já tinha estado aqui três vezes, com a sensação real de estar num lugar amável e pouco pretensioso. Não me enganei; estou feliz de me ter estabelecido no que eu já considero a minha segunda pátria e confesso que desde esse momento me pude dedicar inteiramente à arte, à pintura. Tenho um atelier em Santo Ovídio, Vila Nova de Gaia. É em Vila Nova de Gaia que habito.
Escolhi instalar-me no Grande Porto porque na Maia tenho um irmão de alma, Rui Costa, que também com sua inesgotável e inestimável ajuda e carinho facilitou muito que eu me instalasse aqui.
Instalei-me, como aqui se diz, de armas e bagagens em Vila Nova de Gaia, num apartamento que muito gosto e partilho com a minha mulher portuguesa Joana Pinto de Vasconcelos, meu grande amor, a quem agradeço muito o fazer-me feliz em Portugal.
Assim, na realidade, a escolha de Vila Nova de Gaia foi ditada pelo coração.
Mas estou imensamente satisfeito com esta escolha pelo impacto que tem na minha jornada artística. Porque à medida que vou conhecendo este país e suas terras, começando pelos recantos de Vila Nova de Gaia e do Porto, estes encantos vão-se impregnando nas minhas retinas, nos sentidos, por efeito de observação constante. Paulatinamente, vão influenciando (as ruas, cidades e paisagens), vão provocando uma mudança na minha pintura. Mantenho o meu estilo, mas agora com algumas variações. Veja. Neste momento, na Bienal Internacional de Artes em Madeira, que decorre em Paredes, fui convidado para expor uma obra, patente na Casa da Cultura. A obra exposta chama-se “Minha Terra” e é uma rua igual às que há por aqui e que adoro. Veja se isso não é uma influência do sítio que habito.
Gosta de pintura abstrata. Entre os artistas que menciona como inspiração, estão nomes como Gorriarena e Marcia Schwartz. Como é que estas influências se manifestam na sua pintura?
Em relação à minha pintura, eu diria que é figurativa, expressionista e intimista. Também trabalho em obras abstratas.
A pintura é mancha e, como mancha, é abstração; não creio nas diferenças entre figuração e abstração. Em verdade, sinto que ainda que se transite para a figuração não há forma de escapar da abstração. De todas as maneiras, seja uma ou outra, o importante é o que transmite, o que emerge estampado numa tela. A pintura é diálogo entre o artista e a tela, e a tela diálogo com o espectador. A emoção como resultado.
Os meus grandes mestres são muitos e variados. Marcia Shwartz, Carlos Gorriarena, Pablo Suárez, Jorge Pirozzi, Juan Doffo e tantos outros mais, como os clássicos pintores afamados internacionais. Todos eles se manifestam nas minhas pinturas. Às vezes sinto que sou os mil pedaços daqueles dons instalados silenciosa e magicamente através da sua energia sobre a tela que estou pintando. São luz e energia. Faria então sentido falar de Édouard Vuillard, Pierre Bonnard, Chaïm Soutine, Gustav Klimt, Joaquín Sorolla. Todos eles são simplesmente eternos nortes que sempre convivem comigo, uma lista que poderia ser interminável.
O que gosta mais de criar: desenho, pintura, gravura, litografia ou cerâmica?
Na minha carreira artística dediquei-me também muito à história da arte geral e contemporânea, gravura sobre chapa, gravura sobre pedra que é a litografia, livros de arte, aguarela, cerâmica. Também esboço muito; é estranho pintar diretamente sobre a tela sem ter realizado vários e variados desenhos e esboços prévios. Adoro cada uma destas expressões artísticas.
Embora agora viva em Portugal, mantém uma forte ligação artística com a Argentina. A realidade dos dois países reflete-se de forma diferente na sua arte?
Desde Portugal, ainda mantenho com a Argentina uma forte ligação artística. Desde logo, como já disse, pelos mestres que já identifiquei, que me formaram, que estudei, com quem falo amiúde sobre arte. Também mantenho um contacto fluído com as galerias, espaços expositivos, museus, incluindo espaços onde já expus diferentes categorias de arte, como pintura, monocópia, gravado litográfico, livro de artista. Estou a referir-me a bem conhecidas galerias privadas argentinas, ao Centro Cultural Borges, ao Museu de Artes Plásticas Eduardo Sivori, e ao Museu Benito Quinquela Martin, onde tive exposições individuais e coletivas. E onde também participei em concursos prestigiados, nacionais e municipais.
Mas, neste momento, as minhas energias artísticas estão em Portugal, sítio onde adoro viver e crescer artisticamente.
O que é que o inspira mais em Portugal?
Devo dizer que a arte é arte na Argentina, em Portugal. Que a arte, de acordo com o sítio onde se vive, como o disse, sofre modificações por influência do habitat.
Poderia ser um flâneur, que, segundo parece, foi um termo inventado por Charles Baudelaire para designar alguém que gosta e pratica a observação não comum, a de recantos escondidos dos demais, caminhando sem pressas. Monet, Degas e Renoir eram-no, por exemplo. Assim, eu vou andando por Portugal, usando a fotografia como aliado, para encontrar essas coisas na vida urbana em geral.
A sua exposição na Reitoria da Universidade do Porto, em 2025, será um marco importante na sua presença em Portugal. Pode antecipar o que podemos esperar dessa mostra?
Nos meses de julho até meados de outubro de 2025 tenho a honra de apresentar uma exposição individual na Reitoria da Universidade do Porto. Um privilégio para expor o que sou e trato de transmitir à alma do espectador. Essa magnífica sensação de estar exposto à observação e a mim mesmo; também já comentei isso do diálogo interminável. Espero expor a minha paixão pela pintura com distintas inspirações intimistas, e transmitir uma só coisa, que é a verdadeiramente importante: transmitir o que realizo para nidificar no coração de cada um dos espectadores. Conseguir isso é um privilégio.