Aos 12 anos, Drew McElroy já sabia da poda. Os pais eram agentes transitários e geriam um negócio de fretes rodoviários a partir de casa, em Nova Jersey, nos EUA, fazendo a ponte entre proprietários de camiões e empresas que precisavam de transportar mercadorias.
O seu trabalho era atender o telefone. Quinze anos depois, teve uma ideia. Será que os transitários não fazem o mesmo que a Uber?
Na prática, combinam rotas e veículos, minimizando o desperdício de quilómetros percorridos e usam algoritmos para definir preços com base na oferta e na procura. “No fundo, é o caminho a seguir para mudar esta indústria e não é tão complicado assim”, explica, antes de acrescentar: “E mais ninguém pensou nisso”.
Foi uma ideia inteligente. O transporte rodoviário é um mercado avaliado em mais de 600 mil milhões de euros e movimenta 450 milhões anualmente.
O seu trabalho era atender o telefone. Quinze anos depois, teve uma ideia. Será que os transitários não fazem o mesmo que a Uber?
Em 2013, quatro anos depois dessa epifania, McElroy fundou a Transfix, um transitário online que usa algoritmos e machine learning para oferecer os melhores preços e as melhores rotas aos proprietários de camiões. Acertou no timing.
Os camionistas, na sua maioria homens de meia-idade, tinham começado a aderir ao smartphone e estavam dispostos a instalar a app Transfix.
Alguns expedidores têm as suas próprias frotas de camiões e são os seus funcionários que os conduzem, como a Walmart. Mas são excepções e não a regra. A maior parte dos camiões são propriedade de empresários e a maior fatia pertence a pequenos operadores ávidos de trabalho para cobrirem o dinheiro gasto na compra dos camiões.
A Transfix arrecadou cerca de 90 milhões de euros em despesas de transporte relativas a 2018, sendo que a maior fatia dessa receita bruta vai directamente para os proprietários dos veículos.
Construir algo novo
Desde que o transporte rodoviário de mercadorias foi desregulamentado na década de 1980, surgiram no mercado cerca de 18 mil transitários.
O maior player cotado em Bolsa, C.H. Robinson, tem uma quota inferior a 3%. O potencial da tecnologia para simplificar este trabalho explica a razão pela qual a actividade transitária online é absolutamente irresistível para os venture capitalists.
McElroy assumiu as rédeas do negócio da família quando terminou a faculdade. O pai viria a falecer em 2010, menos de um ano depois de lhe diagnosticarem um cancro. Acabou por adiar o sonho de criar uma start-up semelhante à Uber e ficou a dar apoio à mãe até esta se sentir capaz de tomar conta da empresa.
Depois, elaborou um plano de negócios de 50 páginas e rumou a São Francisco. Pediu guarida a vários amigos e por lá ficou a aprender como se constrói uma empresa de tecnologia. “Acelerei o processo e tirei um MBA no mundo real”, recorda.
“Não é difícil construir coisas. Só é preciso ter muita paciência e tempo, mas quando se tem uma visão clara do produto, as coisas fluem.”
Em 2013, um gestor Venrock apresentou-o a Salama, que fora consultor nessa empresa de capital de risco. Naquele momento trabalhava para o retalhista online Gilt e para a Cherry, uma start-up de lavagem de carros on-demand (posteriormente adquirida pela Lyft).
Na Cherry, Salama esteve envolvido na construção de um mercado de rastreamento por GPS que punha em contacto pessoas que queriam lavar o carro e pessoas interessadas em fazer o trabalho. Mas nenhuma das suas ideias vingou. “Ou eram boas ideias no espaço errado, ou eram simplesmente más ideias”, explica com um sorriso rasgado.
McElroy actualizou o seu perfil no Linkedin para director executivo da Transfix e recebeu a primeira chamada meia hora depois, quando a empresa não era mais do que uma ideia. O então chefe de logística global da Barnes & Noble, Angelo Ventrone, actual vice-presidente de logística da Uline, diz que, no final da conversa, estava disposto a ser o primeiro cliente da Transfix. “‘Queremos pôr fim à era jurássica no sector’, disse ele, ao que respondi: ‘Isso resolve um grande problema na Barnes & Noble. Quando podemos começar?”, recorda Ventrone.
A Transfix garantiu o transporte regular de livros de uma gráfica em Indianapolis para um depósito em Nova Jérsia por 1500 euros por carga várias vezes por semana, apesar de não ter nenhum software instalado. Salama ainda estava fechado em casa a escrever 10 mil linhas de código para resolver esse problema. “Não é difícil construir coisas. Só é preciso ter muita paciência e tempo, mas quando se tem uma visão clara do produto, as coisas fluem.”
Controlo absoluto
McElroy reuniu cerca de 220 mil euros junto de amigos e familiares e, em Janeiro de 2014, Salama terminou a primeira versão do produto. Para angariar clientes, McElroy percorreu uma série de pontos de paragem obrigatórios para camionistas e não falhou o encontro anual no Iowa 80 Truckstop, o “Truckers Jamboree”. Objectivo?
Convencer os camionistas a descarregar a app Transfix. Para isso, num ano ofereceu costeletas de porco e cerveja, e noutro montou um tanque para jogarem ao “dê banho ao transitário”, uma maneira bem-disposta de troçar da desconfiança da indústria em relação aos agentes transitários. Até agora, já se inscreveram 56 mil camionistas.
Historicamente, a fixação dos preços dos fretes tem sido algo complexa e opaca, o que permite aos transitários esmagar as margens dos pequenos operadores e camionistas, e lucrar com isso.
Ora, o algoritmo da Transfix define um preço sem o enviesamento humano, na medida em que reúne informação de milhares de pontos de dados, incluindo o histórico de remessas, de tempo de carga/descarga e até previsões do estado do tempo.
O rastreamento em tempo real da Transfix permite que os expedidores planeiem melhor as cargas e descargas e, pontualmente, detectem fraudes.
A empresa assume o risco de, ocasionalmente, o seu preço ficar abaixo do break-even e usa todos os novos dados sobre o custo para melhorar a sua fórmula de fixação de preços. Numa segunda fase, listam os camionistas em função das suas preferências em termos de mercadorias, localização e padrões históricos de condução.
Os transitários ganham dinheiro com a margem que retiram ao que cobram aos clientes e ao que pagam aos camionistas, que normalmente ronda os 16%. A Transfix acredita que, em última análise, pode usar a sua tecnologia para reduzir essa margem para metade.
“A melhor notícia é reduzir bastante os custos”, diz Jay Pickett, gerente de transporte da Ravago Americas, o braço norte-americano da gigante belga de plásticos, que confia na Transfix para um número cada vez maior das suas 200 mil remessas/ano. “Não creio que as grandes empresas do sector estejam preparadas para arcar com esse custo.”
O rastreamento em tempo real da Transfix permite que os expedidores planeiem melhor as cargas e descargas e, pontualmente, detectem fraudes.
Um exemplo: segundo os registos da Transfix, um camião que transportava lingotes de alumínio saíra da rota e veio a descobrir-se que estivera parado na berma da estrada, perto de um bairro com má reputação, e que o motorista ajudara ao assalto.
Mas estes são casos pontuais. Os registos e demais informações da Transfix servem, essencialmente, para os expedidores prepararem os armazéns e os trabalhadores para a chegada de um camião.