Tova Leigh é formada em Administração e Direito e trabalhou como advogada de direito do trabalho. Esta é a parte aborrecida da carreira desta britânica nascida em Israel. A parte interessante da sua carreira é que ela deixou os “calhamaços das leis” de lado e deu asas à sua espontaneidade para se tornar numa das comediantes do momento no Reino Unido, cuja tour mundial passa dentro de dias por Lisboa.
Perdeu-se uma advogada sem talento, ganhou-se uma ótima comediante.
Tova Leigh é uma espécie de “Bumba na Fofinha” inglesa cujos sketches cómicos são de tópicos do dia-a-dia sobre os quais todos pensam, mas que ninguém tem coragem para falar deles. Tova Leigh tem.
Sensação da internet, tem mais de dois milhões de seguidores e a sua série online “Mom Life Crisis”, que documenta a sua própria crise de meia-idade, tornou-se viral e um documentário na Amazon Prime Video.
A humorista do momento em Inglaterra mudou-se para Portugal e vai dar um espetáculo, em Lisboa.
Sem filtros, nem tabus, defensora das causas das mulheres e da igualdade de género, Tova Leigh tem 48 anos (49 anos em outubro) e põe todos a rir (e a pensar também) com as suas tiradas acerca do casamento, menopausa, sexo, líbido, paternidade, feminismo, maternidade e tudo o que lhe passar pela cabeça.
Vivendo entre Inglaterra e Portugal com o marido e as três filhas, “apanhámo-la” nos arredores de Lisboa para uma conversa com muitas gargalhadas em que ela falou de si, do seu percurso, do que a inspira e do que podem os espetadores portugueses esperar do seu espetáculo “Honey! I’m Losing It”, no dia 8 de outubro, às 21h, no Teatro Maria Matos.
“Podemos dizer a palavra F******?”, nesta entrevista?, perguntou-nos antes de começarmos a conversar. “À vontade!”, respondi.
Quando é que percebeu que a comédia era a sua vocação? Houve algum momento específico em que decidiu fazer a transição do Direito para as artes performativas?
Tova Leigh: Odiava praticar Direito. Estou a tentar ser o mais subtil possível ao dizer isto, mas odiava mesmo. Bem, entrei no Direito porque queria tornar o mundo um lugar melhor. E acreditava ingenuamente que conseguiria isso ao representar pessoas que precisavam de ajuda. Focava-me em Direito do Trabalho e representei muitas mulheres em diversas situações. Rapidamente percebi que o sistema legal não é perfeito e que há muitos problemas. Foi uma grande desilusão. Para não mencionar o facto de que a única coisa que realmente apreciava era atuar em tribunal. Sentia-me como a Ally McBeal, bastante dramática em tribunal, e fui repreendida por juízes que diziam: “Por que é tão dramática?” Foi então que percebi que aquele não era o ambiente certo para mim.
“A única coisa que apreciava como advogada era atuar em tribunal. Fui repreendida por juízes que diziam: ‘Por que é tão dramática?'”
E depois, decidiu mudar-se para o teatro?
Sim, comecei a fazer teatro paralelamente e percebi que adorava representar. Decidi mudar-me para Inglaterra para fazer um mestrado em artes performativas e levar isso a sério. Tinha já 30 anos, o que é considerado “idoso” para entrar numa área em que se deve começar muito jovem. Mas, ainda assim, dei o meu melhor. Atuei durante alguns anos, fiz vários espetáculos, participei no Festival Fringe de Edimburgo [Edinburgh Festival Fringe] e produzi pequenos filmes. Escrevi os meus próprios guiões, fiz as minhas produções. Mas depois tive filhos, e pronto.
E parou?
Tive uma filha e ainda conseguia fazer audições com ela ao colo. Mas depois tive gémeos, e isso foi o fim. Decidi que já não ia continuar a perseguir a representação e arranjei um emprego normal. Trabalhei num escritório durante alguns anos e foi aí que comecei a explorar o mundo online, como uma forma de expressão. Sou escritora antes de ser performer ou comediante. Adoro escrever e contar histórias. O trabalho no escritório inspirou-me, pois estava aborrecida. Criei um blogue [“My Thoughts About Stuff”] e esse blogue tornou-se viral da noite para o dia [em 2015]. O primeiro artigo que escrevi chamava-se: “I love my kids, but sometimes I wish they would f*** off” (algo como “amo os meus filhos, mas às vezes queria que eles se lixassem”). Ressoou em tantas mulheres porque era, na realidade, algo honesto e verdadeiro. E também um pouco engraçado. Porque as coisas podem ser engraçadas mais tarde. Claro, quando estamos sentados na sanita e os nossos filhos não nos deixam ter cinco minutos descansados, não tem piada. Mas depois consegue ver-se o lado da comédia disto.
“O primeiro artigo que escrevi chamava-se: ‘I love my kids, but sometimes I wish they would f*** off’. Ressoou em tantas mulheres porque era, na realidade, algo honesto e verdadeiro”.
Como é que o seu trabalho online evoluiu a partir daí?
Depois vi pessoas a fazer vlogs, a falar para a câmara, e pensei: “Eu também consigo fazer isso.” Comecei a fazer vídeos e, naquela altura, o Facebook era ainda uma grande plataforma era ainda “the big thing”. Em pouco tempo, já tinha centenas de milhares de seguidores. Continuei a trabalhar no escritório até às três da tarde todos os dias, mas virei-me para o meu marido, Mike, e disse-lhe que talvez isto pudesse ser algo mais, mas não conseguia continuar a trabalhar no escritório e dedicar-me a isto ao mesmo tempo. Conversámos e vimos que poderíamos sobreviver durante três meses sem o meu salário. Se não desse certo, voltaria ao meu trabalho anterior. Numa semana, um agente americano entrou em contacto comigo e tudo começou a evoluir. Tive sorte e alguém sorriu para mim, contactou-me e começaram a dar-me trabalho e as coisas evoluíram a partir daí.
A comédia pode ser uma ferramenta para abordar temas mais delicados?
Sim, definitivamente. Acho que, ao tornar os temas mais acessíveis, especialmente se forem tabus ou carregados de estigma, as pessoas sentem-se mais à vontade para os discutir. A comédia cria uma abertura para o diálogo, sem intimidação. É sempre uma grande lição para mim perceber o quanto somos semelhantes, porque de cada vez que digo algo, penso, “Meu Deus, isto sou eu; as pessoas vão julgar-me, vão odiar-me, isto é horrível”. E depois temos todas estas pessoas a dizer: ‘Obrigado por dizeres isso. Eu sinto-me na mesma e fiquei a sentir-me melhor depois de ouvir isso’.
É uma espécie de terapia psicológica de grupo…
Sim, é isso!
“A comédia ao tornar os temas mais acessíveis, especialmente se forem tabus, as pessoas sentem-se mais à vontade para os discutir”.
Quanto à sua mudança para Portugal? O que a trouxe aqui?
Viemos de férias a Portugal há alguns anos e apaixonámo-nos pelo país. As pessoas são incríveis, a comida é maravilhosa e o clima é fantástico. Depois da COVID, muitos de nós percebemos que a vida é curta e que devemos vivê-la no momento. O meu marido perdeu um amigo muito próximo durante a COVID, não foi da COVID, mas foi durante o confinamento, e isso levou-nos a refletir sobre a vida. Decidimos que não valia a pena esperar pela reforma, quando tivermos na casa dos 60 anos, para nos mudarmos para perto do oceano. Fizemos isso logo.
E há algum comediante em Portugal que aprecie?
Ainda não conheço muitos. Fui a uma noite de comédia em inglês, aqui em Portugal, mas a maior parte dos comediantes eram portugueses. No entanto, estavam a atuar em inglês. Havia uma comediante que falou muito sobre a maternidade, mas o público era maioritariamente masculino, por isso não foi a melhor audiência para ela. Eu ri-me imenso!
Que comediantes internacionais a inspiram?
Oh, adoro a Iliza Shlesinger. Ela faz um tipo de comédia feminista, que é o meu preferido. Gosto do humor americano, gosto da ousadia. Mas o que aprecio no trabalho dela é que consegue fazer humor feminista sem ser agressivo. Também admiro a Cristina Pazsitzky e a Ali Wong.
Como vê o panorama do humor em Portugal?
Ainda estou a conhecer o cenário humorístico aqui. Fiz alguns espetáculos na Bélgica, Amesterdão, Alemanha e Suíça, e foi interessante ver como diferentes culturas reagem ao humor. Algumas experiências, como a maternidade, são universais. Aqui, em Portugal, fui abordada por algumas pessoas portuguesas na rua que me reconheceram, o que me surpreendeu.
Vive entre Londres e Lisboa. Do ponto de vista de uma comediante, como vê Portugal e os portugueses?
Vivemos cá há dois anos e temos adorado explorar diferentes regiões de Portugal. É um país lindo, absolutamente de cortar a respiração, com uma paisagem incrível e uma cultura muito rica. Tenho adorado explorar o país, desde o Vale do Douro até ao Alentejo. Mas, no que toca à vida quotidiana e política, ainda estou a habituar-me. Sei que há muitas dificuldades fora das grandes cidades, mas ainda não estou muito envolvida nesse aspeto.
“A ideia era que a mudança para Portugal apimentasse o nosso casamento, mas, na verdade, a única coisa que mudou foi o clima!”
Viver em Portugal inspira o seu material de comédia?
Sim, no meu espetáculo falo sobre a mudança para Portugal e a vida cá, mas com um foco no meu casamento. A ideia era que a mudança para Portugal apimentasse o nosso casamento, mas, na verdade, a única coisa que mudou foi o clima! Ainda não explorei muito a vida de expatriados, mas talvez seja algo que venha a fazer no futuro.
Quantos livros já escreveu?
Já escrevi três livros. O primeiro chama-se “F*cked at 40: Life Beyond Suburbia, Monogamy and Stretch Marks”, mas tem um nome um pouco desafortunado. Quando procurar pelo título, podem aparecer coisas estranhas! É melhor pesquisar pelo meu nome. Esse livro é sobre a crise de meia-idade das mulheres, algo de que não se fala muito.
O segundo livro, “You did What?”, é uma coleção de confissões que as pessoas comuns me enviavam e que eu partilhava ao vivo no Facebook e me levavam a exclamar: “You Did What?” (“Fizeste o quê?”). O terceiro livro é “A Survival Guide to Your 40s”, uma espécie de guia de sobrevivência para os quarentões, mais como um presente. E agora estou a trabalhar num novo livro sobre empoderamento feminino.
Pode falar-nos um pouco mais sobre este seu futuro livro?
Este próximo livro tem um tom mais sério e está relacionado com os retiros de empoderamento feminino que comecei a organizar no Algarve. Quis criar um espaço onde pudesse realmente passar tempo com as pessoas e ter conversas profundas, o que nem sempre é possível após os espetáculos. Os retiros de empoderamento feminino são algo muito especial, em que reunimos um grupo de mulheres, comemos boa comida e partilhamos experiências. Nos retiros, criamos um espaço e uma comunidade de apoio mútuo, e o livro irá incluir muitos dos temas que abordamos lá. Os retiros são pequenos e intensos, mas o livro que estou a escrever será mais acessível a mais pessoas. O objetivo é tornar o conteúdo acessível a mais pessoas.
“Nos retiros de empoderamento feminino que organizo, criamos um espaço e uma comunidade de apoio mútuo. Temos várias atividades e workshops focados em empoderamento e alimentação saudável”
Os retiros que organiza são apenas para mulheres?
Sim, até agora, apenas organizei retiros para mulheres. Elas vêm de todo o mundo – já tivemos pessoas dos EUA, México – e passam cinco dias e cinco noites connosco. Temos várias atividades e workshops, todos focados em empoderamento e alimentação saudável. Colocar um grupo de mulheres em círculo é mágico. Não é preciso muito mais que isso, além de boa comida.
Isso inspira novos materiais para os seus espetáculos?
Talvez. Mas, na verdade, ainda não falo muito sobre isso nos meus espetáculos. No entanto, o novo livro que estou a escrever está muito ligado à ideia de empoderamento feminino e inclui muitos dos temas que abordo nos retiros. O livro será acessível a mais pessoas, já que os retiros são pequenos e, obviamente, mais caros.
Quantos retiros fez até agora?
Fizemos três no ano passado, mas este ano só vamos organizar um. Estamos a pensar em encorajar mais mulheres portuguesas a participarem. Até agora, já tivemos algumas mulheres que vivem em Portugal, mas não eram portuguesas. Gostava muito de ter mais participantes locais.
Onde são realizados os retiros?
Já fizemos em vários sítios. Este ano, será perto de Portimão.
Como é o seu processo criativo para o conteúdo que publica nas redes sociais? Planeia os posts com antecedência?
Não sou nada organizada. Deveria ser, mas a verdade é que o meu conteúdo é muito espontâneo. Escrevo sobre o que está a acontecer na minha vida naquele momento, sobre o que me está a incomodar. Acho que, quando planeio demasiado, o conteúdo não ressoa da mesma forma com as pessoas. Há algo de autêntico no momento que se perde quando é planeado com antecedência.
“Este novo espetáculo tem atraído mais público masculino. Acho que é porque, desta vez, falo muito sobre o casamento e muitas das minhas piadas são às custas do meu marido!”
Tem muitos seguidores homens?
Cerca de 10% dos meus seguidores são homens. Eles são ótimos, e este novo espetáculo tem atraído mais público masculino do que nunca. Acho que é porque, desta vez, falo muito sobre o casamento, e muitas das minhas piadas são às custas do meu marido!
Falou do seu marido: o que é que ele faz profissionalmente?
Ele trabalha como agente de artistas e comediantes, mas não me representa a mim! Ele está no mundo da comédia há muitos anos, por isso é ótimo poder discutir ideias com ele. É uma vantagem ter alguém em casa que compreende bem este meio. O meu marido, Mike, tem um pai idoso que vive em Londres, por isso sabíamos que não queríamos ir para longe. Ele vai vê-lo de oito em oito semanas.
Que espetáculos conta fazer em Portugal no próximo ano?
Talvez faça mais espetáculos em junho, quando o meu novo livro sair. Poderá ser uma boa altura para ligar os dois projetos. Também gostaria de fazer espetáculos no Algarve, já que há uma grande comunidade de ingleses lá.
O que espera do público português para os seus espetáculos?
Espero, em primeiro lugar, que venham! Sei que muitos ingleses a residir em Portugal já compraram bilhetes, o que é fantástico. Mas gostaria de ver também muitos portugueses no público.
“É um espetáculo real e divertido. Com certeza irão encontrar algo com que se identifiquem!”
O que pode o público português esperar do seu espetáculo?
Espero que venham ao espetáculo! Falo muito sobre a minha vida, casamento, maternidade e o que significa ser mulher. É um espetáculo real e divertido, com o objetivo de criar uma ligação genuína com o público. Com certeza irão encontrar algo com que se identifiquem.