Tony Gonçalves nasceu em Portugal, mas aos quatro anos rumou com os pais para os Estados Unidos onde tem feito o percurso na área da consultoria e no mundo do streaming. Entretanto o luso-americano concretizou um sonho de longa data ao fundar o The Evrose Group, empresa de consultoria em estratégia de crescimento e transformação, que tem a missão de encontrar oportunidades de negócios nos EUA para marcas nacionais especializadas nas artes emergentes, media e setores de tecnologia. Antes de criar o The Evrose Group foi executivo na WarnerMedia e liderou o lançamento do HBO Max. Recentemente, em Portugal, foi o produtor do Festival Tribeca que se realizou em Lisboa no passado mês de novembro e que já tem o regresso agendado para este ano. Em entrevista à Forbes Portugal não esquece como o facto de ser imigrante moldou o percurso e refere que ao longo da carreira a aposta tem sido de encontrar soluções para situações complexas.
Como foi o seu percurso desde a WarnerMedia até à fundação da The Evrose Group?
A minha carreira teve sempre como foco encontrar soluções: entrar em situações complexas e encontrar soluções. Comecei a entregar jornais com 12 anos por 20 dólares por semana e acabei a liderar equipas de elevada dimensão e a gerir um negócio de receitas de 20 mil milhões. Ser imigrante e acompanhar os sacrifícios dos meus pais incutiu-me uma ética de trabalho bastante sólida. A WarnerMedia foi quase um culminar desse percurso, quase poético. Tive a oportunidade de ser o tipo de líder que sempre admirei, a resolver problemas e a criar condições para o sucesso da equipa. Mas havia uma vontade de fazer mais, de devolver de forma mais direta. A The Evrose Group nasce desse impulso. Trata-se de aplicar essa mentalidade de “resolver” e a experiência global para apoiar empresas em Portugal, ligando a minha história pessoal a um propósito profissional.
Liderou o lançamento da HBO Max, um dos maiores serviços de streaming do mundo. Quais foram os maiores desafios e aprendizagens dessa experiência?
Liderar o lançamento da HBO Max foi um dos maiores e mais gratificantes desafios da minha carreira. Foi um privilégio guiar aquela equipa num momento tão exigente. Lançámos a plataforma no início da pandemia, com tudo o que isso implica. O streaming é uma combinação complexa de conteúdo e tecnologia – e ambos foram afetados. Estávamos com um delay face à concorrência e não havia margem para esperar. Os atrasos na produção limitaram a nossa oferta, e as equipas tecnológicas tiveram de inventar novas formas de testar e garantir qualidade remotamente, em escala. Foi o sentido de missão da equipa que nos permitiu ultrapassar estes desafios e entregar o produto a milhões de pessoas. No dia do lançamento, honestamente, nem sabia o que fazer comigo. A equipa tinha tudo sob controlo. Missão cumprida.
O que diferencia um grande líder num setor em constante transformação como os media e a tecnologia?
Independentemente do setor, ou de estarmos a passar por tempos bons ou mais complexos, acredito que um bom líder tem de comunicar de forma clara, aberta e consistente. As pessoas querem estar informadas – isso faz com que se sintam valorizadas e parte da equipa. Em momentos de transformação, querem fazer parte da solução. Em tempos de sucesso, querem ser reconhecidas. Partilhar o “o quê”, o “porquê” e o “como” das decisões é fundamental. Não ter todas as respostas é perfeitamente normal – o que não pode acontecer é fingir que se sabe tudo. Isso mina a confiança. Para mim, a autenticidade é essencial. E comunicar com consistência e abertura é a chave para guiar equipas em tempos de incerteza. Não é fácil, mas quando acontece, é mesmo especial.
O que motivou a criação da The Evrose Group e qual é a sua missão?
O que me motivou foi a procura por um propósito na minha vida profissional. Depois de 25 anos como executivo, ser empreendedor, mentor e voltar a ligar-me às minhas origens passou a ser essencial. Um mentor disse-me uma vez: “na carreira, primeiro aprendemos, depois ganhamos, e por fim ensinamos”. Quando li The Second Mountain do David Brooks, senti que era o momento certo para construir algo com mais significado. Foi nesse momento que nasceu a The Evrose Group – um projeto que reúne profissão, propósito e paixão. Estamos sempre em desenvolvimento e construção e assim espero que continue por muito tempo.
Como é que a empresa identifica oportunidades de crescimento para marcas nacionais no mercado norte-americano?
É uma boa pergunta porque sugere que há uma fórmula. Mas não há. O nosso processo é seletivo – só avançamos com clientes quando acreditamos que podemos realmente acrescentar valor. A nossa maior vantagem está na experiência e na rede que construímos. E, na prática, tudo começa por colocarmo-nos no lugar do cliente. Ouvimos o pitch, procedemos a uma análise rápida ao mercado e benchmarking, e só depois decidimos se podemos mesmo fazer a diferença. Resumindo: transformarmo-nos no cliente.
Pode partilhar um caso de sucesso de uma marca nacional que tenha conseguido expandir-se nos EUA com o apoio da The Evrose Group?
Há dois exemplos que destaco. O primeiro é a Automaise, uma empresa portuguesa de inteligência artificial especializada em customer care. Está fora do nosso setor tradicional, mas testámos e demonstrámos como é possível gerar impacto para além dos media e do entretenimento. Foi estabelecida uma relação de parceria estratégica nos EUA e conseguimos que participassem em vários RFIs – apoiando, na prática, a construir a sua estratégia de entrada no mercado. O segundo exemplo é o nosso podcast – The Heart and Hustle of Portugal. Começou como um teste para avaliar a capacidade do Expresso de chegar a uma audiência anglófona. Em janeiro de 2025, foi o sexto podcast mais ouvido em Portugal. Um ótimo sinal do que é possível quando se combina narrativa autêntica com distribuição estratégica.
A The Evrose Group tem um foco especial nas artes emergentes. Como vê o crescimento deste setor nos EUA e em Portugal?
É uma pergunta recorrente quando falamos sobre streaming, mas vai muito além disso. Estamos a viver uma mudança enorme na forma como as pessoas consomem media. Os meios tradicionais estão em queda – há menos pessoas a ir ao cinema, realizam-se menos filmes. A televisão linear está a desaparecer. Cada vez mais pessoas consomem vídeos curtos no TikTok. O YouTube já é a app mais usada em televisores conectados. Hollywood fez greve para se proteger da Inteligência Artificial (IA), enquanto o ChatGPT tem centenas de milhões de utilizadores. Tudo isto pode parecer uma ameaça. Mas quem olhar para este panorama como uma oportunidade, vai sair a ganhar. Quando estava na DIRECTV, o meu foco era identificar disrupções. O problema nunca foi vê-las a chegar – foi adaptarmo-nos com a rapidez suficiente. O leque de formatos não para de crescer: áudio, conteúdo ao vivo, imersivo, com IA, pensado para redes sociais… A lista continua. Em Portugal ou nos EUA, estas mudanças são reais. E ignorá-las não é uma opção. É por isso que acredito que os criadores emergentes têm agora uma verdadeira oportunidade. As barreiras estão a cair, a distribuição está a mudar e os artistas têm agora uma linha direta com o seu público.
Que tendências tecnológicas estão a moldar o futuro do entretenimento e do consumo de media?
A banda larga mudou completamente o jogo no entretenimento e abriu caminho para o streaming, que acabou por ser um enorme disruptor na distribuição de vídeo. Acredito que a inteligência artificial terá um impacto tão grande – ou até maior – no processo de criação de conteúdo. Estamos a caminhar para um mundo de conteúdo quase infinito, onde qualquer pessoa pode criar porque as ferramentas vão ser incrivelmente poderosas. Mas acredito também que isso vai dar origem a novos tipos de criadores, desafiar o que entendemos por criatividade e, de certa forma, dar uma nova vida aos produtores independentes. Também vejo muito potencial no entretenimento físico e imersivo – como o Sphere em Las Vegas. À medida que o digital se torna omnipresente, experiências físicas, partilhadas e sensoriais vão ganhar ainda mais relevância e impacto.
Com a crescente fragmentação do mercado de streaming, quais são os próximos desafios para as plataformas de conteúdo?
Este ciclo nos media é conhecido: o crescimento traz fragmentação, a tecnologia acelera, depois vem a consolidação. No streaming, estamos novamente numa fase de consolidação, com um pequeno grupo de plataformas globais a dominar a agregação de conteúdo. Para a maioria das pessoas, são essas as plataformas onde vão procurar o próximo grande conteúdo. Isto coloca uma enorme pressão sobre os media locais. Na minha opinião, para se manterem competitivos, os operadores locais precisam de se juntar e criar produtos de escala, em língua local. É o que aconteceu com o Hulu nos EUA – os media locais, broadcasters e operadores juntaram-se para oferecer uma alternativa real à Netflix. Acho que são necessárias mais colaborações deste género se pretendermos que os media locais continuem relevantes.
Como é que a sua experiência na WarnerMedia influencia o seu papel como mentor?
Passei por cinco fusões e por várias grandes transformações. Nada disto foi fácil. Na WarnerMedia, liderei uma parte significativa do negócio durante um dos períodos mais desafiantes – a pandemia. Num mercado em contração, conseguimos ainda assim crescer 10% em receita e aumentar o engagement dos colaboradores em quase 15 pontos. Foi, sem dúvida, o trabalho mais difícil que já tive, mas também o mais gratificante. Tínhamos de nos adaptar todos os dias, redefinir o propósito todos os dias, e operar como uma equipa coesa, muitas vezes segundo a segundo. Já vivi momentos de contração e de grande crescimento, em empresas grandes e pequenas. Partilhar essas experiências com outros é um privilégio.
Quais são os principais desafios que os empreendedores enfrentam ao entrar no mercado norte-americano?
Para quem vem de fora dos EUA, entrar neste mercado é difícil. Acredito muito no poder de uma boa rede de contactos, de conselheiros experientes e no acesso a capital – mas tudo isso é difícil de conseguir quando se começa do zero, num mercado novo. Há muitas pessoas a dizerem que o maior obstáculo é o financiamento, mas eu costumo perguntar: e depois de angariar o dinheiro, o que acontece? Aí começa o trabalho a sério: construir, escalar, contratar a equipa certa, e perceber como funciona realmente o mercado. E é aí que surgem os grandes desafios.
O que considera essencial para o sucesso de um profissional ou marca no ecossistema digital e mediático dos EUA?
A indústria e o consumidor nem sempre estão alinhados – mas no fim, quem manda é o consumidor. Estar sintonizado com o cliente é tudo. E acredito que o sucesso muitas vezes se resume a bons hábitos. Chegar a horas – ou mais cedo. Estar preparado, mas sem ficar obcecado com os slides. Deixar a conversa fluir. Uma reunião curta pode ser excelente. E o follow-up tem de ser rápido. Atualmente, tomar decisões sem dados está cada vez mais fora de questão. Ser orientado por dados já não é opcional – é essencial. E isso é ainda mais evidente nos EUA.
Que setores mostram maior potencial para marcas portuguesas que queiram entrar no mercado norte-americano?
É difícil dar uma resposta totalmente imparcial, tendo em conta o meu background. Mas é possível assistir a empresas portuguesas a ter sucesso em áreas como a energia, saúde, cibersegurança e medição de audiências. Temos dez unicórnios em Portugal! Do meu ponto de vista, vejo muito potencial na tecnologia de base, especialmente em tecnologias capacitadoras e de inteligência artificial. Empresas como a Sword Health mostraram o que é possível, e outras, como a FrameDrop, estão agora a começar a descobrir novas oportunidades.
Como podem as empresas nacionais diferenciar-se num mercado tão competitivo?
Em primeiro lugar, entregar um excelente produto e não condicionar a qualidade para reduzir tempo ou dinheiro. As pessoas lembram-se de algo bem feito. Sempre acreditei que “suficientemente bom” não é suficiente. As empresas têm de estar dispostas a ir um passo mais longe no design, no desempenho e na execução. É isso que faz a diferença.
Que conselhos daria a empreendedores portugueses que queiram internacionalizar os seus negócios?
Nunca estive exatamente nos seus sapatos, mas acho que os princípios são universais. Para quem quer expandir para fora, há algumas coisas que considero fundamentais. Primeiro, construir uma boa equipa – as pessoas fazem toda a diferença. Segundo, ouvir o cliente com atenção e levar a sério o feedback. Terceiro, rodear-se de bons conselheiros locais e aproveitar ao máximo essa experiência. E por fim, estar presente no mercado. Viver a cultura, passar tempo no terreno, perceber o contexto. Não há substituto para isso.