O ano passado ficará para a história como um ano especialmente sangrento: oito atentados terroristas de grande escala, cada um com mais de uma centena de mortos. Seis dos oito atentados mais mortíferos ceifaram a vida de cerca de 1500 pessoas na Síria, Líbia, Afeganistão, Egipto e Somália – planeados, financiados e executados pelos talibãs, pelo Estado Islâmico (EI) ou pela Al-Qaeda. Segundo o Institute for Economics and Peace, em 2015, estas organizações foram responsáveis por cerca de 74% das vítimas mortais do terrorismo mundial.
Segundo a base de dados do Global Terrorism Database, da Universidade de Maryland, dos EUA, que reúne um vasto conjunto de informações sobre o peso que as organizações terroristas têm na indústria da morte, os actos terroristas não têm abrandado. Em 2016, por exemplo, foram registados 13 488 atentados terroristas.
Dentre os que foram atribuídos a organizações específicas, mais de metade foram levados a cabo pelo EI, pelos talibãs ou pela Al-Qaeda e as suas múltiplas ramificações em todo o mundo. Não será por acaso que as organizações terroristas mais assassinas são também as mais ricas.
“Existe uma relação muito clara entre estes dois factores”, refere Amos Gilad, major-general na reserva, presidente do Institute for Policy and Strategy e antigo alto responsável do Gabinete de Segurança Política do Ministério da Defesa israelita, numa entrevista à FORBES Israel. “A componente financeira das organizações terroristas é fundamental, na medida em que os atentados terroristas estão para elas como o combustível para um carro”, acrescenta.
Indústria da morte
Uma organização terrorista precisa de dinheiro para funcionar, à imagem de qualquer outra organização. Dinheiro para financiar operações, pagar salários aos operacionais, gerir campos de treino, comprar armas, explosivos, meios de transporte e equipamento. Ora, isto custa muito dinheiro e os recursos necessários ao financiamento diferem de organização para organização. Por exemplo, organizações como o Hezbollah, o Hamas ou, mais recentemente, o EI precisam de muito mais dinheiro do que uma organização terrorista dita “regular”.
Sustentam sistemas sociais, religiosos, políticos e económicos, e, como tal, têm necessidades de financiamento bastante elevadas para manter as populações sob a sua autoridade ou influência. Além dos salários dos operacionais activos e membros das facções militares e políticas, os dirigentes têm também de canalizar elevadas verbas para a construção e manutenção de habitações, escolas, hospitais e organizações de apoio social – incluindo, nalguns casos, a gestão e manutenção de entidades governamentais, como um banco central ou instituições e sistemas judiciais, transporte e segurança interna.
Apesar das despesas elevadas, os vastos recursos financeiros das organizações terroristas mais poderosas asseguram-lhes importantes vantagens, que exploram para aumentar a sua força e influência. Exemplo disso é a forma como certos grupos terroristas usam o dinheiro disponível, mantendo o seu poder militar e recrutando novos elementos.
O Estado Islâmico não só gratificou os seus operacionais generosamente como usou os seus vastos recursos de financiamento para expandir e recrutar novos operacionais.
De acordo com um relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas, publicado no início de 2017, o EI não só gratificou os seus operacionais generosamente como usou os seus vastos recursos de financiamento para expandir e recrutar novos operacionais. O EI, até muito recentemente a organização terrorista mais rica do mundo, pagava o dobro do salário médio de outras organizações terroristas.
Um combatente da Al-Shabaab ganha um salário médio de cerca de 24 euros, ao passo que um operacional do EI ganha mais 33%, isto é, cerca de 32 euros. Já um operacional que tenha família pode receber até três vezes mais, ou seja, cerca de 65 euros.
Estes valores são anteriores à crise financeira que afectou o EI, na sequência da qual a organização foi obrigada a cortar e a atrasar o pagamento dos seus operacionais, que, perante as dificuldades, se viram obrigados, em muitos casos, a procurar um “segundo emprego” para equilibrar as finanças.
Assim como conquistou amplo apoio e reconhecimento global nos tempos de bonança, também poderá vir a perder muitos dos seus apoiantes em diferentes países muçulmanos devido aos actuais problemas financeiros.
Menos dinheiro, menos vítimas
Para se perceber a ligação óbvia entre a capacidade financeira e operacional, importa olhar para os seguintes dados estatísticos: na última década, a organização terrorista Boko Haram matou cerca de 20 mil pessoas. Cerca de um terço, mais de 7 mil pessoas, foram mortas num único ano, 2014.
Desde então até agora, a actividade terrorista deste grupo registou uma descida acentuada na sequência de problemas financeiros. Paralelamente, o número de vítimas também diminuiu. Segundo dados da Global Terrorism Database, em 2016 o número de atentados terroristas bem-sucedidos levados a cabo pelo grupo terrorista nigeriano rondou os 56%, e o número de vítimas mortais caiu para cerca de 80%. Não admira.
No relatório apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, dá-se conta da forte pressão financeira a que o Boko Haram tem estado sujeito: os combatentes da organização passaram a viver no limiar da fome na sequência do não pagamento de salários, e muitos rebelaram-se ou desertaram das suas fileiras.
À actividade criminosa soma-se outra actividade, na qual avultadas somas de dinheiro mudam de mãos entre entidades financiadoras e organizações terroristas, e que envolve associações, organizações de caridade, empresas, instituições financeiras, empresários e, inclusive, governos. “Por trás de qualquer organização terrorista bem-sucedida está um sistema financeiro e, em muitos casos, um governo, um Estado. Nesta região, o Irão é o principal financiador de organizações terroristas”, afirmou o major-general Herzi Halevi, responsável da unidade de Inteligência das IDF (Forças de Defesa Israelitas), por ocasião de uma conferência.
Outros países, em particular os do Golfo Pérsico, tiveram um papel relevante nos últimos anos, visto constituírem um importante pilar no financiamento do terrorismo na região – quer indirectamente, ao fecharem os olhos a transgressões financeiras de organizações privadas no seu território, quer pagando resgates para a libertação de reféns civis. Por vezes, como aconteceu em 2017, os fluxos de financiamento cruzam-se e a fronteira entre ajudas financeiras de certos países e o dinheiro de resgates deixa de ser clara.
Para obter a libertação de 26 elementos da família real do Qatar, raptados no Iraque por uma milícia xiita local apoiada pelo Irão, o emirado foi “obrigado” a pagar um resgate fictício, que, segundo o Financial Times, ascendia a milhares de milhões de euros.
Este resgate sem precedentes, que permitiu financiar algumas das organizações terroristas mais mortíferas na Síria e no Iraque (e no próprio Irão), foi considerado por muitos como apoio directo ao terrorismo pelo Qatar e resultou na imposição de um boicote por parte da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egipto e Bahrain.
Financiamento digital (e anónimo)
Além dos meios de financiamento “tradicionais”, sejam eles legais ou criminosos, as organizações terroristas estão constantemente a aperfeiçoar formas de obter e transferir capital das mais diversas fontes de financiamento, recorrendo a todos os meios tecnológicos ao seu dispor.
Segundo uma notícia do The Wall Street Journal, o FBI denunciou recentemente uma rede internacional gerida pelo EI que usava contas falsas no eBay e Paypal para transferir fundos para operacionais nos EUA. E há já algum tempo que o Google e o YouTube se tornaram nas plataformas preferidas das organizações terroristas para divulgarem vídeos de propaganda, cuja popularidade não só lhes garante maior visibilidade e novas audiências, como avultados royalties da publicidade.
As moedas virtuais também fazem parte da estratégia, como é o caso do sistema de transferência de dinheiro criado pelo Estado Islâmico.
As moedas virtuais também fazem parte da sua estratégia, como é o caso do sistema de transferência de dinheiro criado pelo EI, que usa criptomoedas como a Bitcoin para evitar as transferências bancárias tradicionais e respectivos riscos.
Segundo Joseph Fitsanakis, especialista em inteligência e segurança nacional da Universidade Coastal Carolina, EUA, “hoje em dia, graças às criptomoedas e à Darknet, as organizações terroristas podem fazer dinheiro e transferir fundos de formas criativas, como vender música pirateada, filmes, jogos on-line, contrafacções, marcas e medicamentos falsos, bilhetes para espectáculos e eventos desportivos, usando criptomoedas, essencialmente através da Darknet.”