A Agência Espacial Europeia (ESA) lança no sábado, a partir dos Estados Unidos, o telescópio Euclid, que vai explorar o lado invisível do Universo com “mão” visível de cientistas, engenheiros e empresas portuguesas.
A descolagem do foguetão Falcon 9, da empresa SpaceX, que transportará o telescópio espacial está prevista para as 16:11 (hora de Lisboa) da base da agência espacial norte-americana (NASA) em Cabo Canaveral.
Caso falhe esta primeira tentativa de lançamento há uma segunda oportunidade no domingo.
A missão Euclid é a primeira missão espacial concebida para tentar compreender o que está, efetivamente, a acelerar a expansão do Universo e que, segundo as teorias cosmológicas, se deve à energia escura, uma misteriosa força que se opõe à atração gravitacional.
Juntas, a energia escura e a matéria escura (matéria invisível, que não emite nem absorve luz) compõem 95% do Universo, que continua por desvendar.
Objetivo da missão
O telescópio Euclid – assim chamado em homenagem ao matemático da Grécia antiga Euclides, considerado o “pai” da Geometria – vai procurar “fazer luz” sobre o Universo invisível observando durante seis anos milhares de milhões de galáxias, permitindo obter em 15 dias imagens de uma área “varrida” pelo telescópio espacial Hubble em 30 anos.
Na realidade, a missão vai permitir medir a geometria do Universo e ajudar a esclarecer do que é feito na sua totalidade através da observação do desvio da trajetória da luz provocado pela matéria escura nas galáxias e aglomerações de galáxias, parte do mundo visível, que totaliza apenas 5% da composição do Universo.
Ao mapear as posições das galáxias no espaço a três dimensões, possibilitando estudar como estão agregadas, o telescópio irá dar informações sobre as propriedades da energia escura, numa “viagem no tempo” até aos últimos dez mil milhões de anos de formação do Universo (a sua idade estimada é de 13,8 mil milhões de anos).
Equipado com dois instrumentos, que permitirão obter imagens de galáxias distantes com um detalhe sem precedentes e ajudar a medir com precisão as distâncias a que estão dezenas de milhões de galáxias, o Euclid será colocado a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, num ponto estável, sem interferência da luz do planeta, da Lua e do Sol, onde chegará um mês depois de ter sido lançado.
A primeira divulgação de imagens deverá ocorrer em novembro de 2023, embora algumas imagens pontuais possam ser divulgadas antes.
Espera-se a primeira divulgação de imagens em novembro e os primeiros dados científicos em dezembro de 2024, segundo o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
A missão da ESA custou cerca de 1,4 mil milhões de euros e contou com a colaboração da NASA num dos instrumentos, no local da descolagem, no financiamento do trabalho de equipas científicas e na criação de um centro de processamento de dados nos Estados Unidos.
O lançamento do telescópio chegou a estar previsto para 2020 e posteriormente para 2022, da base da ESA, na Guiana Francesa, num foguetão russo Soyuz.
Contudo, em 2022, a ESA cortou relações com a Rússia quando o país invadiu a Ucrânia, em fevereiro.
Portugal em destaque: de que forma?
Portugal é um dos Estados-membros da ESA diretamente envolvidos na missão, com o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) a liderar uma das componentes científicas cruciais, a do planeamento do rastreio do céu, e seis empresas – FHP, Altran, GMV, Active Space, Deimos e Edisoft – a fabricarem diversos componentes do telescópio, como proteções térmicas e sistema de testes de controlo em órbita.
Segundo a agência espacial portuguesa PT Space, que integra o comité de direção da missão, Portugal arrecadou mais de 4,5 milhões de euros em contratos celebrados entre empresas e a ESA.
O telescópio espacial europeu Euclid vai fazer durante seis anos de missão cerca de 50 mil observações de galáxias, um trabalho que teve no seu planeamento o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).
O IA lidera a participação portuguesa na missão da Agência Espacial Europeia (ESA) que lançará no sábado, dos Estados Unidos, se tudo correr conforme o previsto, o telescópio que irá explorar o lado escuro e desconhecido do Universo.
Pela primeira vez, Portugal ocupa um lugar de destaque numa missão espacial da ESA, agência da qual é Estado-membro desde 2000.
Um dos portugueses ligado ao projeto Euclid é Ismael Tereno, investigador na área das lentes gravitacionais e elemento do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É membro do Grupo de Coordenação do Consórcio Euclid e lidera a equipa de apoio às operações dos rastreios, que continuará a produzir o planeamento completo de todas as cerca de 50 000 observações que serão efetuadas pelo telescópio nos seis anos de duração da missão.
Ismael Tereno apresenta neste vídeo a missão Euclid e como é que a comunidade científica portuguesa contribuiu com o planeamento completo de todas as cerca de 50 000 observações que serão efetuadas pelo telescópio durante os seis anos da missão.
A colaboração de Portugal no Euclid começou em 2012 quando o país assinou um acordo multilateral com a ESA e restantes representantes de um consórcio formado para desenvolver, construir e explorar o telescópio espacial.
Desde então mais de 40 investigadores e alunos de mestrado e doutoramento portugueses têm estado a trabalhar na missão.
A participação portuguesa na missão Euclid é coordenada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e conta atualmente com 30 cientistas, de diferentes instituições.
António da Silva, investigador do IA e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), é o representante de Portugal na direção do consórcio do Euclid.
À Lusa, o cosmólogo justificou a importância da missão espacial com a explicação de que “foi concebida para procurar respostas a perguntas científicas simples, mas verdadeiramente enigmáticas e de implicações profundas ao nível da Física fundamental, Cosmologia e Astrofísica”.
“Até hoje não conhecemos verdadeiramente como se distribuem as galáxias no Universo nem porque nos indicam que o Universo se está a expandir aceleradamente”, afirmou.
Segundo António da Silva, várias questões se levantam.
“Que mecanismos físicos provocam esta aceleração? Qual o papel da energia escura e da gravidade nessa expansão? Estará a Teoria da Relatividade Geral de Einstein correta? E a matéria escura, o que é? Como se relaciona com os modelos de física de altas energias e partículas que procuram descrever o Universo logo após o Big Bang [teoria cosmológica sobre o desenvolvimento inicial do Universo]?”, enumerou.
Os cientistas estimam que a quase totalidade (95%) do Universo seja constituída por energia e matéria escuras, “componentes desconhecidas à luz da Física atual”, de acordo com o investigador.
Para “fazer luz” sobre o Universo escuro, o telescópio Euclid vai observar em detalhe, a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, milhares de milhões de galáxias, sobre as quais a matéria e a energia escuras geram efeitos na sua estrutura, forma, distribuição, movimento e evolução.
O telescópio irá captar a luz visível, mas também invisível ao olho humano, de galáxias e enxames de galáxias, incluindo as mais distantes, formadas nalguns casos há 10 mil milhões de anos, quando o Universo dava “os primeiros passos” (o Universo terá 13,8 mil milhões de anos).
O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço fez parte do grupo responsável pela elaboração do calendário do rastreamento do céu com as cerca de 50 mil observações do telescópio, determinando qual a região do céu que o Euclid irá observar a cada momento da missão.
Juntos, o IA e a FCUL produziram o ‘software’ que gera o cronograma das orientações do telescópio no espaço e os tempos de observação para o calendário da missão, que se estenderá até perto de 2030.
Após o lançamento do Euclid, o plano de observações será atualizado por uma equipa de apoio às operações de rastreio do céu, liderada por ambas as instituições portuguesas.
Todas as atualizações serão entregues regularmente à ESA para que o centro de operações de voo possa apontar o telescópio na direção certa do que se pretende observar no espaço profundo.
O IA coordena ainda os grupos científicos que vão usar os dados obtidos para outros objetivos sem ser propriamente os da missão espacial e participa na coordenação de estudos de física teórica, lentes gravitacionais e enxames de galáxias.
“O grande número de galáxias e espetros obtidos vai constituir um legado, incluindo populações estelares de galáxias próximas, morfologias, massas, taxas de formação estelar, entre muitos outros parâmetros que são também muito valiosos em vários domínios da Astrofísica. Tudo isso torna o Euclid uma missão única e estruturante da ciência europeia, capaz de congregar os interesses das comunidades de Cosmologia, Astrofísica e Física fundamental”, sustentou António da Silva.
Ao fazer o mapeamento tridimensional do Universo, o mais amplo e exato alguma vez feito ao longo do tempo e espaço, ao cobrir mais de um terço do céu e recuar até 10 mil milhões de anos, o telescópio “vai permitir caracterizar as propriedades dinâmicas das componentes escuras” do Universo e, com isso, abrir caminho ao desenvolvimento de “novos modelos de física de partículas e altas energias que entram nos modelos de evolução do Universo logo após o Big Bang e até ao presente”, segundo o especialista português.
- O ponto L2 está localizado a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, na direção oposta à do Sol, que permite que o satélite para manter os seus painéis solares voltados para o Sol e apontando seu telescópio para o sistema solar exterior.
Para António da Silva, tais descobertas “poderão não só vir a permitir revolucionar o entendimento” sobre a “fase crítica do Universo”, a do Big Bang, “como poderão ter implicações ao nível da Física fundamental” que é utilizada “nas mais variadas áreas do conhecimento”.
No centro de controlo da missão, na Alemanha, vai estar também um português a codirigir as operações de voo: Tiago Loureiro, engenheiro aeroespacial que há 19 anos trabalha na ESA.
João Dinis é o autor do software ECTile de planeamento da missão utilizado pelo Survey Operations Support Team, que resolve problemas complexos de otimização e orientação espacial, permitindo a implementação do plano completo de seis anos de observações com o detalhe de um segundo. Este trabalho foi reconhecido com o prémio STAR do Consórcio Euclid em 2023.
🚩 Acompanhe aqui, em live streaming, o lançamento desta missão, a partir das 16,30h, de sábado, 1 de julho:
com Lusa