No palco do antigo ponto de encontro das elites portuguesas desprendem-se antigas memórias de récitas solenes, de óperas e operetas, de concertos de grandes compositores. Hoje, no Teatro Nacional de São Carlos, no centro de Lisboa, continuam a fazer-se espectáculos líricos e sinfónicos, num ambiente com marcas do fausto de outros tempos.
Uma pérola a ser descoberta na cidade de Lisboa. É assim que Patrick Dickie, director criativo recém-empossado, descreve o São Carlos. Talvez a ideia solene de ópera afaste muitos das portas deste teatro que data do século XVIII, mas esta é uma noção que Patrick se propõe combater.
A missão é “tornar a ópera disponível para toda a gente”, diz.
“Temos de fazer mais para tornar [o processo de ir ao Teatro] muito, muito descomplicado e fazer com que as pessoas se sintam totalmente bem-vindas”, acrescenta. Para os mais assustados com uma eventual ideia de pompa, é de se sublinhar que não, não há dress-code. Tal código não existe, diz o director criativo. Mas, afiança, Patrick, “não há forma de ignorar o facto de o Teatro estar coberto de ouro, a sua grandeza”.
O britânico assumiu o cargo de director artístico em Agosto com um mandato de três anos, depois de ter colaborado com o São Carlos na temporada anterior como consultor. Agora, com espaço para planos a longo prazo, Patrick conta que o objectivo é ter uma oferta ecléctica e estável, que não defraude ninguém. A programação da temporada reflecte esse esforço.
E, com visível entusiasmo, o director está optimista em relação ao ano lírico: “é uma temporada empolgante”.
A temporada lírica começa nos primeiros dias de Outubro com a ópera “Carmen”, de Bizet, com uma encenação diferente da abordagem clássica tradicional. Segue-se “Oedipus Rex”, uma nova produção do Teatro, que contará com três exibições em Novembro. Em Fevereiro, há “Anna Bolena”, de Donizetti. “Tristan und Isolde”, de Wagner, numa nova produção do Teatro, será apresentado em Março no Centro Cultural de Belém. Em Março e Abril, a improvável double bill das óperas “Pagliacci”, de Leoncavallo, e “Der Zwerg”, de von Zemlinsky, duas tradições diferentes justapostas, compostas com 30 anos de distância. “Peter Grimes” é, talvez, a pièce de résistance de toda a temporada lírica: a ópera do compositor britânico Benjamin Britten faz a sua estreia em Portugal, numa produção da English National Opera, entidade com a qual Patrick já colaborou.
Na temporada sinfónica, destaca-se a estreia mundial, em Abril, de “Seven Last Words From the Cross”, de James MacMillan, com o wunderkind Daniel Lozakovitj, violinista sueco nascido em 2001. Um concerto que contará com uma instalação do artista plástico Júlio Pomar e que será dirigido pela maestrina Joana Carneiro.
De braços abertos
O público do São Carlos é variado, apesar de se saber que, tanto cá como lá fora, os espectadores tradicionais são de meia-idade e mais abastados. Contudo, o Teatro está aberto a todos.
Não são raras as vezes em que os 844 lugares são totalmente preenchidos, como ficou bem espelhado pelos 42 mil espectadores que no ano passado acorreram às várias produções do São Carlos. Patrick recorda-se bem dos “ruídos de empolgamento” de um público que assistia na temporada anterior à ópera de Puccini “Madama Butterfly”: sentiu que era o tipo de público que conhecia essa ópera apenas da cultura popular “e que foi vê-la provavelmente pela primeira vez”, diz.
As produções são caras e financiadas tanto pela bilheteira como pelo Estado. Para a temporada lírica, sinfónica e para as iniciativas educacionais, a dotação orçamental atribuída ao Teatro é de cerca de 2 milhões de euros.
Cada ópera desta temporada custa, em média, 280 mil euros, segundo dados fornecidos pelo Teatro à FORBES. Tudo custos relacionados com a vasta estrutura que uma ópera implica e que limitam o número de performances possíveis dentro do orçamento.
Para trazer mais neófitos, o objectivo é fazer com que a cidade e o país ganhem o hábito de vir ao São Carlos. Um dos desejos de Patrick é conseguir programar mais produções “fora do edifício”, à semelhança do Festival ao Largo, iniciativa que começou em 2009, com concertos com entrada livre no Largo de São Carlos, que têm sido um sucesso.
E, no futuro, “haver mais mudanças para que a casa se torne mais visível em Lisboa, em Portugal e, esperamos nós, internacionalmente”, diz.
Qualquer teatro lírico ambicioso como São Carlos deverá, dentro do possível, ter alguns projectos que façam com que as pessoas viajem de longe para poderem experienciá-lo. É muito importante que o Teatro o faça, mas a “grande força” do São Carlos é “trabalhar localmente”, destaca Patrick.