“Taxa Trump” é um presente para as startups europeias de IA

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou uma mudança bombástica no programa de vistos H-1B, uma via popular para as empresas de tecnologia americanas contratarem talentos de países estrangeiros, que agora passou a pressupor uma taxa de inscrição de US$ 100.000 (85.386 euros). A surpreendente ordem executiva provocou confusão e pânico, com gigantes da tecnologia…
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Contratar trabalhadores estrangeiros ficou mais caro para as empresas de tecnologia americanas. Mas isso abriu novas oportunidades de recrutamento para startups de IA fora dos EUA, designadamente europeias.
Negócios Tecnologia

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou uma mudança bombástica no programa de vistos H-1B, uma via popular para as empresas de tecnologia americanas contratarem talentos de países estrangeiros, que agora passou a pressupor uma taxa de inscrição de US$ 100.000 (85.386 euros). A surpreendente ordem executiva provocou confusão e pânico, com gigantes da tecnologia como a Microsoft e a Meta a pedirem aos funcionários que estavam a viajar para o exterior que regressassem ao país em 24 horas. Enquanto algumas empresas americanas lamentam mais um custo novo e inesperado de fazer negócios nos EUA, as empresas de tecnologia na Europa podem ser das que irão lucrar com a medida, podendo acenar com outra mensagem ao talento internacional: venham trabalhar para nós.

Políticas de imigração rigorosas e a ameaça de detenção e deportação já tornaram os EUA uma opção de trabalho muito menos atraente para talentos estrangeiros qualificados. Desta feita, as novas taxas Trump prestam-se a ser mais um benefício para startups situados em centros europeus, como Londres e Paris, que há muito enfrentam um fluxo constante de jovens talentos que partem para os EUA, onde a atração de Sillicon Valley e os altos salários têm um poder magnético. É improvável que a nova mudança na política desacelere as maiores empresas do setor, como a Alphabet e a Meta, para as quais US$ 100.000 (85.386 euros) são uma gota no oceano, mas para startups com menos recursos, as taxas podem significar ceder uma vantagem para empresas do outro lado do Atlântico (neste caso, deste lado do Atlântico), como constatou a reportagem da Forbes Internacional junto do tecido empresarial norte-americano.

“Para muitas pessoas na Europa, é como uma bênção disfarçada”, afirma Victor Riparbelli, CEO da Synthesia, com sede em Londres, que cria modelos de IA para vídeos generativos. “Acho que acabará por se tornar um fator negativo para os EUA”, indica, acrescentando que a Europa sempre pode usar mais mão de obra qualificada, especialmente quando se trata de cargos de liderança sénior, como vice-presidentes e diretores.

As novas taxas surgem num momento em que a guerra por talentos em IA atingiu novos patamares de intensidade nos últimos meses. O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, gastou milhares de milhões para reunir investigadores e engenheiros para uma nova equipa de superinteligência em IA, oferecendo salários ridiculamente altos a candidatos individuais. Enquanto isso, o presidente Trump fez da imigração um ponto central da sua administração, com o processo de visto H-1B como o seu mais recente alvo — uma tentativa de pressionar as empresas americanas a contratar mais talentos nos Estados Unidos e não fora dos EUA.

O programa de vistos H-1B, criado pelo Congresso em 1990, disponibiliza 65 mil vistos por ano para pessoas com diploma de bacharelato ou equivalente, com mais 20 mil vagas adicionais para trabalhadores com mestrado ou grau superior. Um visto popular para a indústria de tecnologia, os pedidos de H-1B aumentaram constantemente ao longo de 2025, com um aumento de 150% entre janeiro e setembro, de acordo com números da Remote, uma empresa de RH. Mas o programa tem seus detratores. Antes do anúncio da nova taxa pela Casa Branca, o secretário de Comércio Howard Lutnik chamou-o de “o visto mais abusado”.

As novas taxas podem dissuadir ainda mais os talentos europeus de deixar a região para se mudarem para os EUA, mas a perceção sobre os EUA já estava a mudar muito antes do anúncio, declara Vassili le Moigne, CEO da InTouch, empresa sediada em Praga que desenvolve ferramentas de IA para conversar com idosos. “A imagem dos EUA como El Dorado está a ser afetada”, refere Moigne, uma mudança que ocorreu nos últimos meses porque Trump pode ser visto como um “valentão” e os EUA como “hostis” devido às políticas de imigração linha dura do presidente.

Europa vai beneficiar

Ainda assim, a Europa beneficiará dos danos que isso poderá causar nos EUA. “De certa forma, quase agradecemos a Trump”, afirma le Moigne, que é francês e foi um dos primeiros a receber o visto, chegando aos EUA em 1991 com um H-1B. “Ele está realmente a ajudar-nos a manter os nossos talentos”.

Para as startups americanas em fase inicial que não têm condições de pagar uma taxa de US$ 100.000 (85.386 euros) para contratações H-1B e normalmente dependem de incentivos como remuneração, as novas taxas significam mais problemas num cenário de talentos já competitivo. O CEO da Y Combinator, Garry Tan, disse numa publicação no LinkedIn que a taxa “prejudica as startups” e as empresas que fornecem trabalhadores de TI por contrato, num cenário de acirrada corrida pela IA. “As equipas em fase inicial não conseguem suportar esse imposto… O resultado da política atual [é um] grande presente para todos os centros tecnológicos no estrangeiro.”

Mas para startups com muito dinheiro, a nova regra provavelmente não terá muito impacto. As empresas de IA já estão a gastar muito (em alguns casos, milhões) com os melhores talentos em IA, e US$ 100.000 (85.386 euros) não farão muita diferença. Jesse Zhang, CEO da startup de atendimento ao cliente de IA Decagon, disse que a taxa “tornaria mais difícil justificar a contratação de novos funcionários com visto H1-B”, mas ele não se importa em gastar mais com os funcionários já contratados. Cerca de 10% dos funcionários da startup de IA em ascensão têm visto H1-B, e a empresa também planeia abrir um escritório em Londres para ajudar a explorar o pool de talentos do país.

A imigração sempre foi um processo desafiante e complicado para os trabalhadores de tecnologia nos EUA, graças às regulamentações bizantinas em constante mudança, aos requisitos de elegibilidade rigorosos e aos longos períodos de espera. Sob a administração Trump, as coisas tornaram-se ainda mais incertas. As taxas de recusa de vistos e os pedidos de provas adicionais para apoiar os pedidos de visto estão a aumentar, afirma a advogada de imigração Emma Zhang. “Tradicionalmente, obtínhamos aprovação imediata com as provas que apresentávamos”, disse Zhang à Forbes. “Mas agora estamos a receber o que chamamos de RFE geral [Request for Evidence, um pedido do Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos por mais informações ou documentos para decidir sobre um pedido de benefício migratório], que é a forma do governo atrasar o processo e adicionar obstáculos processuais”

Xiao Wang, CEO da Boundless Immigration, compara as novas taxas a uma “tarifa humana”, semelhante à forma como Trump impôs pesados impostos sobre bens e serviços importados de outros países. “Esta é a primeira vez que este país segue nessa direção”, constata. Na terça-feira, a administração Trump também propôs uma mudança drástica no sistema baseado em sorteio do H1-B para favorecer funcionários mais qualificados e com salários mais altos. De acordo com um novo “processo de seleção ponderada” proposto, quando a procura por vistos exceder o limite de 85.000 – o que geralmente acontece – será dada maior preferência a funcionários estrangeiros de nível sénior. Todas essas mudanças (e a incerteza que elas trazem) também podem resultar num número menor de estudantes decidindo frequentar o ensino superior nos EUA.

Em resposta, países como o Canadá e a China estão a fazer mudanças, como reduzir os seus requisitos e criar novos tipos de vistos para recrutar talentos. “Outros países vão preencher essa lacuna”, disse Wang.

Pode haver outros efeitos a jusante do facto de mais talentos permanecerem na Europa, onde os salários tendem a ser mais baixos. Para um engenheiro de nível médio, os salários europeus variam entre US$ 57.000 (48.669 euros) e US$ 75.200 (64.231 euros), enquanto os salários nos EUA variam entre US$ 110.100 (93.984 euros) e US$ 133.700 (114.249 euros), de acordo com uma pesquisa da Boundless, uma empresa de RH com sede em Dublin. Mas, com um maior leque de talentos ao longo do tempo, os salários na área da tecnologia na região podem aumentar, à medida que as empresas europeias competem entre si pelos funcionários, diz Charlotte Bax, CEO da Captur AI, uma startup sediada em Londres que usa IA para logística, como verificar se as entregas e remessas foram feitas. “É simplesmente oferta e procura”, disse ela.

Entretanto, Bax está a investir mais para atrair talentos mais jovens recém-saídos das universidades, fazendo mais recrutamento nos campus do Reino Unido. É uma iniciativa que a sua empresa começou antes do anúncio do visto H-1B. Mas agora, disse ela, “estamos a duplicar a aposta”.

Richard Nieva e Rashi Shrivastava/Forbes Internacional

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