Olhar para o percurso de qualquer jogadora de futebol coloca a modalidade em perspetiva, o que faz com que dificilmente se consiga fugir às comparações com o lado masculino. Apesar de ser algo que não pode ser ignorado, ou não estivéssemos a falar de uma questão de igualdade de género, necessária em qualquer área de atividade, olhar para o futebol feminino hoje em dia é olhar para um fenómeno por si só.
Segundo um estudo conduzido pela Nielsen Sports e PepsiCo, prevê-se que a base global de fãs do futebol feminino cresça 38%, passando de 500 milhões para mais de 800 milhões até 2030. 60% dos adeptos serão do género feminino até 2030, criando um dos poucos desportos em que as mulheres representam a maioria do público. 47% dos adeptos estão entre os que ganham mais dinheiro a nível global e 50% têm entre 25 e 44 anos, um grupo demográfico comercial de excelência.
E é por isso que esta é uma história apenas sobre o futebol feminino. Sobre uma das jogadoras que leva Portugal aos grandes palcos da modalidade dentro e fora de campo.
Na última entrevista da Forbes com Tatiana Pinto, a jogadora vestia as cores do Brighton, clube de uma das melhores ligas femininas do mundo. Mas entre essa época e a que terminou na primavera passada, muita coisa mudou.
“Na altura, ir para Inglaterra era uma coisa que eu realmente queria que tivesse acontecido e consegui esse meu objetivo. A minha passagem pelo Brighton a nível desportivo foi fantástica. Apesar de, como equipa, termos ficado em lugares um pouco mais abaixo, foi um ano de muita aprendizagem, tive a oportunidade de enfrentar equipas muito boas, muito competitivas, com jogadoras acima da média. Inglaterra está no meu top 2 das ligas mais competitivas e poder experienciar isso em primeira mão era realmente uma coisa que eu queria muito”, conta Tatiana.
27 jogos e cinco golos depois, num dos momentos em que a vida troca todas as voltas e nos confronta com a finitude do tempo, a jogadora portuguesa decidiu contrariar opiniões e voltar, sim, ao lugar onde já tinha sido feliz. Em agosto do ano passado, foi apresentada no Metropolitano, casa do Atlético de Madrid, em frente a 30 mil pessoas. Foi o seu regresso a Espanha.
“Foi um ano em que perdi uma grande amiga minha com cancro e isso fez-me repensar o que é que pesava mais na minha vida, o que é que eu valorizava mais, e sinceramente cheguei à conclusão de que prefiro estar onde me sinto feliz e onde tenho as pessoas que eu gosto e que trabalham comigo mais perto. Não é segredo para ninguém que eu já tinha trocado contactos com o Atlético em outros anos. Quando terminou o campeonato no Brighton e houve esta oportunidade, não pensei duas vezes. Primeiro porque voltar a Espanha, para mim, significava encontrar de novo a felicidade, o prazer em jogar e voltar a ter este lado fora das quatro linhas que eu não tive em Inglaterra. Foi mesmo uma decisão muito fácil, sabia que era por aí que ia voltar a sorrir de novo”, conta.
A sua primeira época em Madrid terminou com um terceiro lugar para o Atlético, atrás de Real Madrid e Barcelona. “Não começámos da melhor forma, tivemos uma fase de adaptação, tínhamos jogadoras muito novas, a equipa precisava de se conhecer, de criar ligações, de cimentar as ideias novas do treinador. Isso demora tempo. Apesar de tudo, foi uma época positiva, porque atingimos os objetivos propostos pela equipa, que era o apuramento para a Champions League. E conseguimos também a final da Copa de la Reina, não é uma competição fácil e nós conseguimos chegar à final”, diz.
Duas realidades
O salto para Espanha levou-a ao país das atuais campeãs do mundo, onde jogam alguns dos maiores nomes da modalidade e a mais uma liga profissional. O crescimento da carreira de Tatiana continua, assim, a acompanhar a evolução da modalidade. “O futebol feminino a nível global está em ascensão já há alguns anos. Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, França, são ligas que têm ido um bocadinho mais à frente do que o resto das outras ligas, mas claramente há aqui um avanço gigante. Acho que o futebol feminino é um fenómeno em crescimento a passos largos e quem não se juntar vai ficar para trás, sem dúvida”, diz Tatiana.
E estará Portugal a acompanhar ou a ficar para trás? “Eu acho que Portugal está numa fase um pouco estagnada”, afirma a jogadora.
Por cá a liga BPI continua a não ser uma liga profissional. Problemas que já necessitavam de uma resolução urgente há vários anos continuam uma realidade, como é o caso da falta de condições de alguns campos e balneários. Além de que são poucos os clubes onde o forte investimento é visível, o que compromete a competitividade da liga: no final da última época, oito pontos separavam o primeiro e o segundo classificados e 20 pontos separavam o primeiro e o terceiro.
“Vemos obviamente o Benfica com uma capacidade de investimento muito grande, a dominar completamente a liga. Salvo este ano que o Torreense ganhou a taça, normalmente sabemos que aqui em Portugal a luta é a solo ou com o Sporting. Fico triste em perceber que as coisas não estão a avançar muito, gostava muito que a liga se tornasse profissional. Acho que há poucas equipas a investir de verdade. Acho que estamos nesse ponto e tenho alguma pena porque sei que temos potencial e qualidade”, diz.
A marca Tatiana Pinto
Ao mesmo tempo que existem estas dificuldades naquela que é a realidade da liga, foi-se tornando impossível questionar o talento e a qualidade do jogo da jogadora portuguesa, que neste momento tem lugar em qualquer liga do mundo. “A jogadora portuguesa tem cada vez mais valor, chega mais bem preparada, as suas condições físicas já são acima da média”, defende Tatiana. O que faz com que comece, também, a não passar despercebida a quem não quer ficar para trás nisto que é o crescimento do futebol feminino: as marcas.
Tatiana é um dos casos de sucesso quando olhamos, também, para o lado comercial. Hoje, é embaixadora global da Pepsi e uma das atletas da Puma, citando apenas algumas. Um jogador é uma marca e, apesar de este lado do trabalho são ser o que a deixa mais confortável, a jogadora portuguesa sabia que não o poderia ignorar.
“Eu tenho tido uma especial preocupação em investir o meu tempo em criar conteúdos. Não gosto muito de perder tempo com essa parte, a minha função é jogar, mas não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que esta vertente comercial e de marketing não é importante para o futebol feminino. Também é uma rentabilidade extra e toda a gente sabe que o futebol feminino não se pode equiparar ao futebol masculino em termos financeiros. Portanto, todas estas oportunidades são importantes para nós”, afirma, realçando que nesta área sente que os valores que tem vindo a encontrar têm sido os justos.
E é esta vertente do trabalho que permite às jogadoras ter uma visão para o futuro que nem sempre pode existir quando se vive apenas do futebol em determinadas ligas. O aumento dos seus rendimentos permite que possam pensar em investimentos que antes não seriam uma realidade. Em particular, como vemos em ligas mais desenvolvidas como a dos Estados Unidos, o investimento no próprio desporto.
“Vê-se muito as jogadoras a investir nos clubes e em outras empresas ligadas ao desporto. Cria aqui um círculo interessante, porque tu aportas toda a tua experiência e carreira no futebol para o pós-futebol e podes investir numa coisa em que acreditas. Infelizmente em Portugal é muito complicado”, diz, realçando que, acontecendo, este seria o melhor dos cenários para a profissão, que teriam pessoas que realmente conhecem o futebol feminino a desenvolver e fazer crescer a modalidade.
Apesar de esse pós-carreira ainda não ser um pensamento constante, Tatiana tem consciência da importância de estar preparada para quando o momento chegar. “As nossas carreiras são curtas e imprevisíveis, por isso vou tomando decisões no presente com o futuro em mente”, conta. Dedica parte do seu tempo a aprender sobre o mundo dos negócios, lê bastante e já fez vários cursos e workshops sobre a área.
“Já tenho alguns investimentos no ramo imobiliário”, diz, mas quando pensa nas oportunidades que pode vir a criar no futuro, são outras áreas que lhe chamam à atenção: “gosto de café, de desporto, bem-estar e saúde. Transformar estas paixões em projetos sustentáveis pode ser uma opção”.
Por Portugal
Enquanto esse momento não chega, os seus objetivos passam inteiramente por dar o seu melhor em campo, desfrutar e manter-se ao mais alto nível. Exatamente o que está a fazer na Suíça, onde está neste momento a representar Portugal no Euro 2025.
Já habituada a marcar presença nos grandes palcos do futebol mundial, a seleção viajou para a Suíça com uma mala cheia de ambição. “Eu estou muito contente com a nossa preparação, sou sincera. Um Euro é um Euro, é uma experiência espetacular e qualquer equipa que esteja lá está pronta para ganhar. E nós não somos a exceção. Aquilo que eu levo para a Suíça é ambição. Ambição de continuar a fazer história como esta seleção nos tem habituado, ambição de mostrar a nossa melhor versão e ambição de fazer sempre o melhor por Portugal e, acima de tudo. deixar os portugueses orgulhosos”, afirma.
Tudo isto com a certeza de que um mau momento não faz deste grupo uma má equipa. Os últimos resultados não foram positivos nem correspondem àquilo a que esta seleção já habitou os adeptos, e as jogadoras são as primeiras a reconhecer isso mesmo. “Eu sei que estes últimos jogos não fomos nós. Não fomos a versão a que habituámos os portugueses e isso também nos criou alguma mossa, porque não é só a derrota que pesa, é aquilo que as derrotas trazem. Nós próprias questionamos muita coisa: O que é que se passa? O que é que eu posso fazer? Onde é que eu posso ajudar mais ou menos? Eu sei que as derrotas foram muito pesadas e posso garantir que não há ninguém que as tenha sentido mais na pele do que as jogadoras e o staff. E foi muito duro, mas nós também podemos agarrar esses resultados e criar combustível para o que aí vem”, diz.
O desafio é enorme. Na fase de grupos, Portugal tem pela frente a Espanha, a seleção campeã do mundo com quem já perdeu o primeiro jogo, a Itália, que defronta esta segunda-feira (7/07) e a Bélgica, a 11 de julho. Tatiana acredita que Portugal estará à altura: “Tenho a certeza que agora o nosso percurso no Euro vai ser completamente diferente e tentaremos ao máximo limpar aquilo que ficou para trás. Felizmente esta nossa seleção também já nos deu mais sorrisos do que derrotas ou lágrimas”, afirma Tatiana.
Um título por Portugal é, aliás, a primeira coisa em que pensa quando questionada sobre os títulos que gostaria de conquistar antes do final da carreira. “Era dos meus maiores sonhos”, garante. Mas o principal é deixar a modalidade num lugar bonito. “Gostava que o futebol feminino estivesse mais sólido e mais profissionalizado em todos os níveis. Que as jogadoras tivessem condições reais para viver do futebol, com estabilidade e respeito. E, acima de tudo, que as novas gerações crescessem a acreditar que podem sonhar alto, porque existe um caminho viável. O futebol feminino tem dado passos largos, mas ainda há muito por conquistar”, conclui.