“Subsidiação do serviço de trotinetes vai ser inevitável”

Depois de uma fase de crescimento acelerado e de entrada de operadores, o negócio de partilha de trotinetes parece ter estabilizado. É esse o retrato que faz?Sem dúvida, neste momento, estamos a verificar uma consolidação no setor. E isso é visível nas empresas que ficaram no mercado nacional. As quais, se antes tinham como estratégia…
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O CEO da Whoosh em Portugal entende que o serviço de trotinetes terá de ser subsidiado, “tal como os restantes transportes públicos”. À FORBES, João Pereira dos Reis desenvolve o seu ponto de vista.
Negócios
João Pereira dos Reis, CEO da Whoosh em Portugal

Depois de uma fase de crescimento acelerado e de entrada de operadores, o negócio de partilha de trotinetes parece ter estabilizado. É esse o retrato que faz?
Sem dúvida, neste momento, estamos a verificar uma consolidação no setor. E isso é visível nas empresas que ficaram no mercado nacional. As quais, se antes tinham como estratégia a expansão e a distribuição massiva de trotinetes, agora demonstram um maior cuidado na seleção dos mercados. E fazem-no com o intuito de perceber onde realmente se encaixa melhor a micromobilidade. 

Também se sente uma melhoria do serviço. E verifica-se que também as cidades se prepararam para criar melhores condições para a implementação da micromobilidade. É que, se hoje as empresas estão mais seletivas, é também necessário que as cidades compitam entre elas, com o objetivo de atrair as operadoras a participar no futuro das cidades, numa perspetiva de mobilidade e criação de opções aos meios tradicionais de transporte.

Todos devem estar cientes da necessidade de olhar para a micromobilidade e para os seus operadores como parceiros, no sentido de criar alternativas, essencialmente, ao automóvel. Como tal, é expectável que se apresentem melhores condições no futuro para o parqueamento de trotinetes e para a circulação de trotinetes, nomeadamente, através do aumento de ciclovias. Dessa forma, haverá um aumento da procura. Mas que só se verificará através de diálogo contínuo entre aqueles que desejam alcançar o desígnio de cidades mais sustentáveis, onde circular seja mais fácil e acessível a todos.

Lisboa tem cinco empresas a atuar. Espera que apareçam ainda mais operadores?
A capital chegou a ter 9 operadores no mercado. Mas esta diminuição acaba por ser o retrato daquilo que foi há pouco mencionado, da natural maturação do mercado. Por razões ligadas, porventura, à pandemia, à enorme competitividade, à própria sobrevivência das empresas, acabámos por chegar ao formato que temos hoje, com 5 empresas no setor.

É também um facto que as grandes organizações, aquelas com maior consolidação no seu negócio, que escolheram não participar em Lisboa, dificilmente mudarão a sua estratégia. Este é um mercado muito competitivo, muito concorrido, já com estruturas bastante estabilizadas, operam há algum tempo e conhecem bem as suas idiossincrasias. Dessa forma, torna-se difícil a entrada de novas empresas.

Mas difícil não é impossível. Pelo que, ainda assim, há margem para que que, nas atuais condições, apareçam novas empresas.

Juntamente com os outros operadores em Lisboa, a Whoosh assinou um acordo com a Câmara Municipal para diminuir o número de trotinetes em circulação – cada operador pode ter até 1.500 trotinetes em circulação no outono/inverno e até 1.750 na primavera/verão. Como veem a medida e qual o impacto que terá na vossa frota e nos planos que tinham de reforço do número de veículos disponíveis?
A Whoosh é, talvez, a única empresa que está a cumprir o compromisso assumido quanto às frotas a circular em Lisboa. Algo que fazemos desde imediatamente a seguir à assinatura do Memorando. Nesse sentido, vemos também com bons olhos que a Câmara Municipal de Lisboa queira dar aos operadores a oportunidade de rever em conjunto o Regulamento. O qual, relembro levou em consideração, para além da diminuição das frotas que se encontram à disposição dos lisboetas, também a definição espaços de estacionamento obrigatório e a redução do limite de velocidade.

E, verdade seja dita, a dimensão de algumas frotas que não era a mais adequada para a dimensão da cidade.

Mas também sabemos, neste momento, e em relação à adesão à micromobilidade, que se verifica um crescimento no número de utilizadores. E, por isso, é fundamental haver um diálogo contínuo entre os operadores e a Câmara, no sentido de avaliarmos de 6 em 6 meses se o número estipulado está adequado ou se necessita de alterações. E é previsível que o aumento da procura obrigue a uma revisão desse número.

O vosso plano de crescimento passa por chegar a outras cidades portuguesas? Quais e quando?
Em relação à entrada noutras cidades, e porque Portugal é um mercado fortemente concorrencial, preferimos não o abordar. Embora, possamos anunciar que a Whoosh irá expandir, muito em breve, a sua área operacional. A nossa perspetiva é consolidarmo-nos na Área Metropolitana de Lisboa. É objetivo da nossa marca assumir-se como um operador preocupado e focado em ser um parceiro, também dos transportes públicos. Dessa forma, a nossa estratégia passa por uma expansão na Área Metropolitana de Lisboa. E estamos a aferir quais as condições para tal, ainda este ano.

Que investimento representa essa expansão?
O investimento será pouco significativo. Nós tínhamos uma frota, antes do acordo, na ordem das 2.500 trotinetes. Com a diminuição da mesma em Lisboa, teremos a possibilidade de a alocar e redistribuir, depois de fazermos a normal manutenção.

Quando for concretizado será por isso um tipo de investimento muito controlado. Não é por acaso que temos o nosso centro de serviços em Alfragide, uma opção devidamente pensada e maturada, exatamente para permitir a utilização do mesmo espaço logístico numa perspetiva mais lata do ponto de vista territorial.

Trotinetes vandalizadas é algo com que se confrontam? Que dimensão e qual o prejuízo que têm com esse fenómeno?
Os primeiros meses da nossa operação em Lisboa permitiram-nos compreender um pouco melhor como funciona a cidade. Nesse período, tivemos, de facto, um número de trotinetes vandalizadas, mas que não é significativo.

Hoje, estas situações estão perfeitamente identificadas e controladas. E a Whoosh tem uma equipa que é célere a responder a quaisquer circunstâncias que surjam.

Um aspeto que nos parece relevante, inevitável num futuro mais ou menos próximo, face ao amadurecimento do serviço de trotinetes, é a sua subsidiação, tal como existe nos restantes transportes públicos. Assim, será possível aperfeiçoar o serviço, de forma a ir ao encontro daquilo que as cidades estão realmente a necessitar, e, com isso, melhorar a experiência do utilizador. De salientar que a subsidiação, mais que o cariz financeiro, significa a legitimação deste tipo de transporte, bem como a criação de condições para que faça o seu serviço em toda a cidade, com garantias de apoio à manutenção e substituição de material, sempre que tal se justifique, face ao desgaste do mesmo no dia-a-dia.

A Whoosh entrou em Lisboa em julho de 2022. Qual é a quota de mercado que têm e que ambicionam vir a atingir?
Existem 5 empresas na cidade de Lisboa. Nós temos dados que indicam estarmos no Top 3. O que é muito positivo, pois fomos o operador a entrar mais recentemente, há menos de um ano no mercado.

Quantos postos de trabalho tem a Whoosh em Portugal?
Temos uma estrutura que varia entre as 20 e 30 pessoas. Tal resulta da sazonalidade deste trabalho, pois necessitamos de mais colaboradores nas épocas de primavera-verão, período no qual acaba por haver mais procura pelas trotinetes. E, depois, no inverno há sempre um ajuste operacional, fruto de menor utilização deste meio de transporte.

Qual o volume de negócio que conseguiram em cerca de oito meses de atividade na capital portuguesa?
Prefiro pensar no negócio numa perspetiva prática, naquilo que verifico diariamente nas ruas de Lisboa. Desde o lançamento da Whoosh, em julho de 2022, os lisboetas e visitantes da cidade assumem cada vez mais as trotinetes elétricas da marca como um dos seus meios de transporte de eleição. E, como reflexo dessa escolha, já foram percorridos bem mais de 900.000 km em trotinetes Whoosh, com uma tendência de aumento do número de viagens a rondar os 27%, um total de utilizadores a atingir um crescimento na ordem dos 63%, com custo médio por viagem de 1.81€.

Que objetivos em termos de negócio (faturação e lucro) entendem vir a alcançar em 2023 e esperam atingir em 2024?
A criação de uma nova entidade, com todos os recursos humanos envolvidos para viabilizar um negócio deste género, o constante transporte das trotinetes e a aquisição de novas para a implementação do negócio em Lisboa, implicou naturalmente um investimento significativo. Contudo, o nosso objetivo é chegar ao final de 2023 com esse investimento pago, ou seja, atingirmos o break-even point.

O estacionamento desordeiro das trotinetes continua a ser um ponto de fricção. O que pode ser feito, no vosso entender, para resolver este problema?
Para a Whoosh o estacionamento desordeiro nunca foi um tema! Desde o início que pratica e advoga o estacionamento mandatório nos pontos de parqueamento definidos pelo município. Por exemplo, no que respeita à fiscalização por parte das entidades competentes que regulam o trânsito na cidade, a nossa marca é a menos rebocada.

Aliás, fomos dos primeiros a aplaudir a decisão das entidades reguladoras da cidade de Lisboa aquando da imposição do estacionamento obrigatório a todos os operadores.

O mau uso das trotinetes também persiste. A Whoosh estava a desenvolver um software para lidar com a questão de duas pessoas, ao mesmo tempo, a circularem em cima de uma mesma trotinete. Em que consiste esse software e quando será disponibilizado?
A implementação da tecnologia que refere, e que anunciámos, já está desenvolvida e finalizada, mas ainda numa fase de testes. Contudo, posso adiantar que, na cidade de Lisboa, duas pessoas numa mesma trotinete não tem sido uma preocupação.

A Whoosh vai ter alguma unidade de desenvolvimento tecnológico em Portugal?
Neste momento não está previsto o desenvolvimento de uma unidade em Portugal. Também pelo facto da Whoosh ser uma empresa de cariz tecnológico, e em face de todo um novo perfil de colaboradores, como os nómadas digitais, um developer, por exemplo, pode trabalhar a partir de qualquer parte do mundo. Uma empresa tecnológica, na maioria dos casos, não exige uma unidade de desenvolvimento nos países onde se encontra em plena atividade no respetivo mercado. O lado operacional é sempre a fatia maior de investimento, e esse, sim, não pode ser remoto. Exige uma presença física em qualquer país onde se instale.

Caso venha a ser obrigatório o uso de capacete nos utilizadores de trotinetes, como vai a Whoosh preparar o seu modelo de negócio para acomodar isso?
Não acredito que venha a ser uma medida que avance em Portugal. É de entendimento global que o uso de capacete, aquando de deslocação de trotinete ou de bicicleta, deve ser recomendado e não obrigatório. Aliás, creio que apenas na Austrália e em Israel o seu uso é obrigatório.

Na minha opinião, terá mais impacto criar condições de segurança para o utilizador, por via da implementação de mais ciclovias e zonas de parqueamento. O futuro aponta para uma tendência quanto à redução das opções de circulação dos automóveis, e, em contrapartida, para o aumento das alternativas de circulação de trotinetes, em segurança.

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