Tinha pouco mais de 20 anos quando fundou a sua primeira empresa em Paris, depois de ter emigrado na década de 60 para França. António Gonçalves, 77 anos, fundador e CEO do grupo Libertas é hoje um empresário que se dedica sobretudo ao desenvolvimento imobiliário em várias zonas do país, e que criou, há cerca de 10 anos, o StayUpon Hospitality Group, área de negócio exclusivamente dedicada à hotelaria e ao turismo. Consigo trabalham neste negócio, ainda totalmente nas mãos da família, os dois filhos, nascidos em França, Cécile Gonçalves e Pascal Gonçalves. Tendo começado, em Portugal, pelo imobiliário, está atualmente bastante diversificado, tendo atividade em fundos imobiliários e investimentos em áreas como o turismo, a agricultura biológica e as energias renováveis.
Cécile é administradora e responsável pela área de turismo, uma das apostas atuais para o crescimento do grupo Libertas, que está a investir fortemente em novas unidades hoteleiras, sobretudo em zonas ainda pouco exploradas a nível turístico, nos arredores da Grande Lisboa, como Alcochete e Seixal. Gerido por uma equipa maioritariamente feminina – são 19 as mulheres em áreas de chefia, pois a diversidade é um pilares base do grupo -, o StayUpon planeia investir cerca de 40 milhões em apartamentos turísticos nos próximos dois anos. Conheça a seguir a história da família e dos seus investimentos imobiliários.
O fundador do grupo Libertas
António Gonçalves partiu de armas e bagagens rumo a França, deixando para trás a sua terra natal, Pombal, na zona centro do país. Como sabia que dificilmente regressaria – não tinha interesse em ir para a guerra e o país, em ditadura, não era apetecível para empreendedores – decidiu instalar-se de uma forma permanente. “O meu pai conheceu lá a minha mãe, casaram e nós os dois já nascemos em França. Os meus pais não fizeram propriamente vida de emigrantes. Nascemos sem a nostalgia da vida em Portugal e bem integrados”, relembra Cécile Gonçalves. António Gonçalves fundou em Paris um pequeno negócio de têxteis em pele, que cresceu, chegando até a ter lojas próprias. Ambos os filhos estudaram gestão de empresas, pois herdaram do pai o bichinho do empreendedorismo, e viajaram muito pelo mundo. O regresso da família a Portugal aconteceu aos poucos: Pascal, aos 25 anos, decidiu vir trabalhar para o país de origem familiar, trazendo o negócio do vestuário de pele para Pombal, onde instalaram uma unidade.
O investimento no negócio imobiliário aconteceu há 30 anos quando o empresário adquiriu a um banco sueco uma empresa falida que era detentora de prédios na Avenida da Liberdade – daí o nome Libertas. De início o fundador e a esposa mantiveram-se em França, embora os filhos já estivessem fora, mas quando o peso dos negócios imobiliários ultrapassou o da indústria de peles – no qual tinha sócios – António Gonçalves regressa a Portugal, para se instalar de vez. Cécile também veio para Portugal com 25 anos, mas aos 30 regressou aos negócios em França, anos depois foi para o Brasil, e, entretanto, está em Portugal há cinco anos. Pelo caminho, o empreendedor e os sócios venderam a fábrica de vestuário de pele a um empresário francês que trabalhava com clientes na alta-costura, concentrando todo o seu investimento na área imobiliária.
Inicialmente o grupo Libertas começou por ser loteador, ou seja, vendia lotes viabilizados aos construtores, mas com a chegada da crise, em 2008, o mundo imobiliário mudou, e desapareceram alguns construtores, seus clientes. Apesar de já terem alguma construção própria, esta era ainda marginal, mas foi nesta altura que resolveram apostar neste segmento, inicialmente em regime de sub-empreitadas, passando depois a comercializar, indo até ao final da cadeia. Atualmente o grupo está verticalizado e integra a parte da arquitetura, da construção e da promoção, quer fazendo projetos de raiz, quer reabilitando antigos imóveis. “Somos um dos maiores promotores a nível nacional e temos um ritmo de entrega que ronda os 200 apartamentos por ano, às vezes até 350 ou 400, depende muito dos anos, porque este é um setor muito cíclico”, revela a administradora.
A área imobiliária tem a sua sede em Lisboa, e desenvolve maioritariamente projetos em toda a área metropolitana, passando pelo Seixal, Alcochete, Setúbal, e tem vários projetos no Algarve, em Faro, Albufeira e Ferragudo. “Neste momento, já temos uma vertente internacional. A maior parte dos nossos clientes são portugueses, mas, sobretudo devido à crise de 2008, fomos construindo novos mercados internacionais”, afirma Cécile Gonçalves. Com escritórios em França – o grupo tem muitos clientes franceses – está também a apostar no mercado norte-americano, estando ainda presente no Brasil e na Suécia.
A empresa prevê um investimento de 40 milhões de euros na abertura de novas unidades StayUpon nos próximos dois anos. A faturação deste ano atingirá já os 16,5 milhões de euros.
A partir de 2005 o grupo Libertas iniciou então a sua diversificação de negócios, entrando no setor do turismo, da restauração, da agricultura biológica e das energias renováveis, tendo até vários parques eólicos e uma hidroelétrica no norte de Portugal. A agricultura biológica não é propriamente um negócio rentável, é mais uma paixão do fundador. “Temos vinhos na península de Setúbal, vinhos orgânicos e biológicos e certificados. Mas isso é mais um prazer do meu pai que tem gosto por essas áreas, e nós aproveitamos sobretudo as frutas e o ar do campo aos fins-de-semana”, revela a gestora.
Crescimento na área da hospitalidade
Com a estratégia de diversificação dos negócios surgiu a oportunidade da gestão de projetos de alojamento local, durante a crise de 2013, nascendo assim o StayUpon Hospitality Group. “Fizemos a reabilitação de um prédio na Baixa lisboeta, na rua de S. Julião. Tínhamos muitos clientes estrangeiros a comprar, numa ótica de investimento, e só queriam utilizar uma parte do tempo. Era o início do alojamento local, havia ainda pouco operadores, e decidimos então integrar o serviço de gestão turística dos apartamentos. Ou seja, criamos o nosso departamento de alojamento local, para preencher essa necessidade dos proprietários”, relembra Cécile.
Confessa que o negócio foi uma boa surpresa, pois não estavam à espera da rentabilidade que alcançaram com esses apartamentos, e foram reabilitando mais prédios na Baixa, na Mouraria, atingindo a dezena. Alguns eram para habitação outros para um mix de habitação e alojamento local. Estava aqui criado a génese do grupo hoteleiro StayUpon. Em 2017, o grupo abriu o Upon Lisbon Prime Residences e o seu restaurante Stay by Upon Lisbon, reforçando a sua presença na capital. “O Upon Lisbon, são apartamentos turísticos que foram desenvolvidos numa urbanização nossa, junto ao Estádio da Luz. Vendemos os apartamentos em multipropriedade, na ótica de investidores, e que nos permite gerir o prédio dentro da atividade de alojamento local”, explica a administradora. São cerca de 129 os apartamentos deste espaço. “A experiência ao nível dos hóspedes é a mesma da hotelaria, e ainda tem a vantagem de ter cozinha e estacionamento. Temos um mix de clientes de lazer e de negócios. Esta foi uma operação muito bem sucedida e que nos fez dar um salto no negócio”, diz Cécile.
A empresa já tem cerca de 485 apartamentos de alojamento local sob a sua gestão
Em 2018, dá-se a abertura do Praia do Sal Resort, em Alcochete, uma aposta em alojamento às portas de Lisboa, que funciona igualmente como um hotel de apartamentos, em multipropriedade. O ano passado foi o ano mais forte para esta área de negócio, já que foram abertas duas novas unidades: o Upon Angels, bairro dos Anjos, em Lisboa, um investimento que ascendeu a 6,9 milhões de euros, e o Upon Villa, em Alcochete. O investimento neste último atingiu os 9 milhões de euros, destinado à reabilitação do antigo Hotel Alfoz, que já era propriedade do grupo. Era um hotel de três estrelas, com 36 quartos, situado mesmo em frente ao rio e que foi requalificado, passando a quatro estrelas. Com estas duas aberturas o número de apartamentos em exploração pelo grupo StayUpon passou das 356 unidades de alojamento para as 485. “Estas novas aberturas permitem-nos passar de um volume de negócios de cerca de 10 milhões de euros, para 16,5 milhões de euros no final de 2024”, revela Cécile Gonçalves.
Novos investimentos na calha
O grupo familiar está a avançar com novos investimentos, num total de 40 milhões de euros, na área turística, previstos para os próximos dois anos. Até ao final de 2024 deverá abrir um novo hotel de apartamentos, na baía do Seixal, o Upon Bay com 102 unidades de alojamento e uma classificação de quatro estrelas. Este projeto, instalado numa antiga unidade de transformação de cortiça conta com um investimento 24 milhões de euros.
Em finais de 2025, ou princípio de 2026, deverá abrir uma nova unidade em Setúbal, mesmo à entrada da Serra da Arrábida. Para este espaço o investimento ainda é incerto, pois estão na fase do projeto, e não está totalmente fechado, mas deverá rondar os 15 milhões de euros. “A margem sul do Tejo está por descobrir, e por isso somos fãs dessa zona, temos um olhar novo para essas localizações que foram menos exploradas e por isso estão mais preservadas. O setor hoteleiro e do turismo é algo que queremos desenvolver futuramente, e estamos abertos a novas oportunidades que surjam, quer ao nível da gestão quer da compra de ativos”, afirma Cécile Gonçalves.
Casada com um italiano, e mãe de dois rapazes, de 15 e 17 anos, a gestora é apaixonada por cavalos, sobretudo o lusitano, e aproveita para montar sempre que lhe é possível, por vezes até com algum prejuízo de tempo familiar, admite. Viajar é outra das suas paixões, sendo que em outubro último foi ao Japão, viagem que a marcou pela diferença cultural. Enquanto viveu no Brasil viajou bastante pela América do Sul e admite que África será umas das próximas viagens da sua vida. A somar a isto, assume-se grande fã da leitura, sendo os seus gostos muito ecléticos, passando pela ficção científica, pelo marketing digital e até pela Inteligência Artificial.
(Texto publicado na edição de abril/maio da Forbes Portugal)