Quando era pequena quais eram os seus sonhos a nível profissional?
Em criança, sonhava ser médica pediatra, talvez por gostar imenso de crianças e entender aquela profissão como a que fazia a diferença na sua vida, pois permitia transformar dores em sorrisos. Mais tarde na adolescência, e ainda interessada em disciplinas mais relacionadas com as ciências, apaixonei-me pela genética (estávamos longe da clonagem da Dolly). Continua a fascinar-me o facto de o património genético conter tantas semelhanças e tantas diferenças no ADN de cada um, e pela matemática, muito inspirada por uma professora que tinha o dom de transportar a Matemática para a vida real, simplificando o que era complexo, e isso era muito inspirador.
Em termos de escolha do percurso académico seguiu esses sonhos ou mudou de rumo?
Comecei a trabalhar muito cedo, tinha completado 19 anos. Naquela época, a ideia era fazer um part-time para juntar algum dinheiro para ir de férias de verão com os amigos. O objetivo era fazer o inter-rail pela europa, que não chegou a acontecer nesse ano, dado o interesse que manifestei nessa primeira experiência de trabalho. Esse momento foi decisivo para a escolha da área de formação académica e optei pelo curso de Gestão de Empresas por ser transversal; interessava-me por temas diferentes, desde as áreas mais financeiras até às humanidades, o que viria a revelar-se escolha acertada, dado que apreciei bastante a sua dinâmica e o seu conteúdo programático que, pela sua abrangência, fez toda a diferença no meu percurso profissional.
Ao longo da sua carreira teve de vencer mais desafios pelo facto de ser mulher?
Ao longo do meu percurso tive de vencer muitos desafios e o facto de ser a “mais jovem da sala” durante quase uma década, representou um maior desafio do que ser mulher; era mesmo um tema de gerações. Tive a sorte (costumo dizer que a sorte dá muito trabalho) de ter “crescido” numa organização que aprendeu há muito tempo, a escutar as suas pessoas, independentemente do género, raça ou geração, para o qual dei o meu contributo.
Como conseguiu fazer ouvir a sua voz?
A forma que encontrei de fazer ouvir a minha voz foi essencialmente pela construção de argumentos e narrativas de sustentação, preparação dos temas, envolvimento das pessoas que podiam acrescentar valor na discussão das minhas ideias, respondendo aos desafios com o foco na descoberta das melhores soluções. Fomentava parcerias, debatia ideias com honestidade intelectual, era fiel às minhas convicções, não debatia egos e comunicava assertivamente a minha opinião. Uma vez tomada a decisão era para avançar, implementava as soluções com determinação e resiliência até à sua conclusão. Sempre fui uma team player, com iniciativa e proatividade, mas também com sentido de humor porque acredito que o caminho tem que ser alegre e divertido. Trabalhar dá muito trabalho.
Ao longo do seu percurso profissional teve de vencer mais constrangimentos pelo facto de ser de origem africana?
O preconceito, que é o juízo pré-concebido, existe nas suas múltiplas facetas, senti mais esse preconceito com a cor da pele na escola primária; os tempos eram outros e as crianças podem ser muito cruéis. No ambiente académico e profissional, fui sempre tratada com respeito e em igualdade de circunstâncias, pelo que o preconceito não se traduziu em prejuízo e os estereótipos foram oportunidade de desconstrução. Embora reconheça que o preconceito existe, mas não tem qualquer sentido discriminar pela raça, religião, deficiência ou por outra qualquer razão. É pura ignorância. Em boa verdade, sou uma cidadã do mundo, com influências de Cabo Verde, Angola, Portugal, Áustria e Itália, mas é em Portugal que me sinto em casa. Diria que sou um “melting pot”, que me permite interpretar o mundo através de lentes diferentes, e isso sim, é um verdadeiro trunfo.
Tem estado ligada, sobretudo, ao setor da energia. Quais os desafios que teve de vencer neste segmento de atividade?
O setor energético é um setor cuja cadeia de valor é de enorme complexidade, negócio com partes reguladas e com múltiplos players, onde o cliente pode assumir diferentes papéis: o de consumidor e o de produtor de energia. A energia é um bem essencial que tem de ser entregue com qualidade e em segurança. Dada a sua complexidade, nem sempre é bem compreendido pelo cliente final e esse é um desafio: compreender para explicar. Este é também um setor onde a engenharia e a sua tecnicidade assumem linguagem muito própria, sendo que a inovação é uma constante. É um setor tradicionalmente masculino e, felizmente nos últimos anos, as empresas deste setor têm vindo a fazer o seu caminho com convicção, colocando os temas da diversidade e da inclusão nas suas agendas estratégicas. É ainda um setor em permanente transformação, onde as energias renováveis, a eficiência energética e a mobilidade elétrica são alavancas da transição energética, assumindo particular relevância para garantir a sustentabilidade do nosso planeta, e responder à escassez dos recursos naturais, ao aquecimento global e às alterações climáticas. Este contexto, exige uma grande preparação técnica, capacidade de interpretação do contexto estratégico do negócio e capacidade de antecipação de soluções para responder aos desafios, de forma integrada e coordenada, que impactam todas as áreas das organizações deste setor a nível mundial.
Enquanto gestora, quais as ferramentas de gestão que adota?
Como gestora aposto nas pessoas e nas suas competências, pois são elas que entregam os resultados. A competência é exponencial e resulta da multiplicação do conhecimento pela experiência – o conhecimento aplicado na prática constrói a experiência e cresce com ela, numa espiral virtuosa. As competências técnicas todos podemos aprender, as comportamentais demoram mais a desenvolver porque obrigam à aceitação de que podemos melhorar e à consequente adoção de novos padrões. Contudo, acredito que são essas que nos distinguem verdadeiramente enquanto profissionais. Assim, aposto na definição de estratégia com qualidade na ambição e comunicação com clareza dessa estratégia para todos os níveis da organização, as pessoas têm que perceber a ligação entre o que fazem e o objetivo estratégico definido. À semelhança da consolidação de resultados, preocupo-me em reunir as competências adequadas para a agenda definida. Se consolidamos resultados, também consolidamos competências. Exerço uma liderança de proximidade e valorizo a empatia na relação com o outro, a autenticidade (forças e vulnerabilidades) e coragem para assumir riscos, com uma atitude responsável e positiva.
Entrevista completa na Forbes África Lusófona