Bárbara Barroso, fundadora do Money Lab e especialista em finanças pessoais, defende que a iliteracia financeira é ainda muito elevada no país – aliás, segundo o BCE ocupamos a última posição do ranking da literacia financeira na Zona Euro -, e que muito está ainda para fazer. Afirma que esta falta de conhecimento atinge todas as faixas etárias e todos os géneros de igual forma, e que a literacia financeira é fundamental para acautelar a idade da reforma, quando, em alguns casos, se perdem mais de 50% dos rendimentos.
Bárbara Barroso estará presente amanhã, dia 11 de março, num painel sobre Literacia Financeira no Women Aging Summit, a decorrer entre hoje e domingo, na Central Tejo, em Lisboa. Trata-se do primeiro evento organizado em Portugal inteiramente dedicado ao envelhecimento feminino e que abordará temas como o idadismo, a saúde mental e física, a menopausa, a sexualidade, a beleza e a literacia financeira, entre outros temas.
Que lacunas sentia na sociedade quando decidiu avançar com o projeto MoneyLab? Qual é, no fundo, a sua missão?
O MoneyLab é um laboratório de literacia e educação financeira independente que nasceu com o objetivo de capacitar as pessoas, através de conhecimento e ferramentas, a tomarem melhores decisões sobre a sua vida financeira. Eu já me dedicava à área das finanças pessoais há pelo menos uma década quando decidi fundar o MoneyLab exatamente porque sentia que não havia, em Portugal, nenhuma entidade verdadeiramente independente que estivesse focada em explicar às pessoas temas relacionados com dinheiro de forma descomplicada. Sentia que havia muito desconhecimento sobre os temas relacionados com as finanças pessoais e que todos temos de lidar. Eu abracei a literacia e a educação financeira como missão de vida e sou uma apaixonada por esta área.
Porque considerou tão relevante avançar com essa missão?
Conhecimento é poder. Ter mais informação permite às pessoas fazerem melhores escolhas para a sua vida. Parecia-me extremamente injusto que, tendo nós que lidar com dinheiro, a assimetria de conhecimento entre, por exemplo, um cliente e um banco fosse tão grande. O objetivo não é tornar as pessoas todas em analistas financeiros, mas pelo menos que consigam entender a linguagem financeira quando alguém lhes tenta vender um produto financeiro, que consigam negociar com uma instituição financeira sem serem enganados. Foi entender que a educação financeira empodera que me fez abraçar fervorosamente esta missão.
Que projetos tem ainda para concretizar nesta área? Qual é no fundo a sua maior ambição?
São tantos projetos que penso ser difícil haver tempo útil para tudo. A maior ambição é retirar Portugal da cauda da Europa em termos de literacia financeira e que a educação financeira passe a ser uma disciplina nas escolas.
Que evolução sente no mercado desde essa fase de arranque? Ou seja, existe mais informação, mas existirá mais literacia financeira?
Claramente que existe muito mais informação atualmente, mas de facto não é por isso que a iliteracia financeira deixou de existir. Aliás, o que acaba por acontecer é que se torna por vezes difícil assimilar tanta informação, e também distinguir o que é correto e informação credível, de muita informação incorreta.
Onde se sentem ainda as maiores lacunas? Em que idades, por exemplo, a iliteracia é maior?
A iliteracia financeira é transversal a todas as idades. São exatamente 18 anos dedicados a esta área que me permitem dizer que sejam jovens, crianças ou adultos, a falta de conhecimento nestes temas é enorme em todas as faixas etárias.
As mulheres sempre geriram as contas da casa… Estão mais ou menos preparadas em termos de informação financeira?
Apesar de haver mais informação a compreensão da mesma continua a não ser muita. Ou seja, a iliteracia financeira continua a ser elevada em ambos os géneros. No entanto, é importante destacar que a disparidade salarial em alguns trabalhos acaba também por ser um dos principais fatores a contribuírem para uma diferenciação na forma como homens e mulheres lidam com o dinheiro. Segundo dados do Eurostat, as mulheres na União Europeia continuam a ganhar menos do que os homens por empregos iguais, sendo a disparidade salarial média entre homens e mulheres na UE de 13%. Ou seja, por cada euro que um homem ganha, uma mulher ganha 0,87 euros.
As mulheres estão também cada vez mais independentes financeiramente, e para isso é importante estarem bem informadas…
Um estudo realizado recentemente pela Mastercard sobre as “Mulheres e Finanças” indica que apesar de as mulheres portuguesas estarem atualmente numa melhor situação, no que toca à independência financeira, do que as de gerações anteriores, 22% ainda consideram que não têm independência financeira. Isto é, ainda dependem de alguém financeiramente. E mais de metade destas (62%) duvida que seja possível inverter a situação no futuro. Isto demonstra claramente a urgência que existe em falarmos deste tema.
Como se relaciona o envelhecimento com esta área da vida? Qual a verdadeira importância de uma boa literacia financeira para preparar os anos de reforma?
Existem dois pontos essenciais relativamente a este tema. O primeiro é a esperança média de vida que tem vindo a aumentar e, no caso das mulheres é superior à dos homens. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no triénio 2018-2020 a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 77,67 anos para os homens e em 83,37 anos para as mulheres. Ou seja, se as mulheres vivem mais tempo têm de acautelar durante mais anos a sua reforma. O outro ponto é que quando olhamos para os dados da Comissão Europeia verificarmos que a expectativa é de que quem tenha, por exemplo, 40 anos chegue à idade de reforma e tenha apenas direito a 44% do seu último salário. Isto significa uma grande perda de poder de compra na idade da reforma. De um dia para o outro é como se desaparecessem 56% do rendimento mensal. E estes são os números projetados ao dia de hoje, porque na realidade podem ser piores. O que temos então de fazer é começar a poupar e investir o quanto antes para garantir o nosso complemento de reforma. O que fazemos no MoneyLab é exatamente capacitar as pessoas para saberem o que fazer em situações como esta e outras. Ou seja, dar-lhes ferramentas e estratégias para a sua vida financeira.
De que forma, como país, deveríamos promover maior literacia financeira? Começar pelas escolas, promover a educação financeira em família, tornar os termos financeiros mais acessíveis à população?
Sou uma defensora acérrima há vários anos de uma disciplina de educação financeira nas escolas. No MoneyLab já fizemos, inclusivamente, um piloto que correu muito bem, e também já tivemos um programa de educação financeira para jovens e crianças que foi um sucesso. É importante que todas as crianças tenham acesso à educação financeira desde tenra idade. Temos de entender que os jovens de hoje são os cidadãos de amanhã e quanto melhor munidos chegarem à idade adulta, melhor.
Como se compara Portugal com outros países da Europa neste aspeto? Há ainda um longo caminho a percorrer?
Infelizmente compara mal. De acordo com um estudo do Banco Central Europeu (BCE), Portugal ficou na última posição do ranking de literacia financeira dos países da Zona Euro. Isto demonstra o longo caminho que existe a fazer. O que posso dizer é que da parte do MoneyLab todos poderão continuar a contar com o nosso empenho para contribuirmos para mais e melhor educação financeira em Portugal.