Ao final da tarde de uma quarta-feira, enquanto a maioria se preparava para os últimos dias da semana, o teatro preparava-se para o início. Com Sonho de Uma Noite de Verão, encenada por Diogo Infante, Soraia Tavares apresenta-se ao público de quarta-feira a domingo. Mas este é o projeto que fecha um ano em que a artista se deu a conhecer um pouco mais todos os dias e em todas as vertentes que a completam.
“Sinto que tudo está a fazer muito mais sentido neste ano e por isso agarro os projetos de outra forma. Não sei se tem que ver com a idade, maturidade, mas este ano para mim foi acima, de alguma forma, dos outros projetos”, diz a artista à Forbes.
Conhece o Teatro da Trindade, local onde decorreu esta entrevista, como a sua própria casa. De todas as vertentes que abraça entre a música e a representação, talvez seja o teatro uma das que mais facilmente lhe são associadas pelo público. Principalmente depois de Chicago. Mas, para falarmos sobre os principais projetos deste ano, temos de ir à música e ao cinema.
A Culpa É da Lua foi publicado neste ano, mas o projeto nasceu durante a pandemia. O primeiro álbum da artista foi uma das suas maiores conquistas em 2023, mas a verdade é que nem estava nos seus planos lançá-lo. “Foi chegar a um grande objetivo que eu achei que nem era capaz, portanto nem sequer estava nos meus objetivos”, diz.
A primeira canção que escreveu é a que dá nome ao álbum, ainda que não a tenha escrito a pensar no produto final. As 10 músicas passam pelo neo soul, o afro e o afro pop, com inspiração em artistas como Beyoncé, Alicia Keys, Cesária Évora, Dino d’Santiago e Burna Boy. A mãe de Soraia, a quem dedica uma das músicas, foi também uma grande inspiração na escrita e em tudo o que canta em crioulo. “Esta minha versão crioula vem muito dela”, admite.
“Este álbum passa um bocadinho pelas minhas raízes. Começa mais neo soul porque era o que eu ouvia no meu dia a dia, depois passo por querer cantar também em crioulo por causa de projetos que eu tive neste processo que me fizeram ir mais às minhas raízes e perceber um bocadinho mais de onde é que eu venho. Introduzi o crioulo e também introduzi o afro na musicalidade, porque era aquilo que eu gostava de dançar. Se é o que vou fazer daqui para a frente? Não sei. Agora, sim, mas estou também à procura da minha identidade enquanto cantora”, afirma Soraia.
Questionada sobre se o álbum também seria o projeto que o público destacaria, Soraia não hesitou em mencionar um outro. É aqui que entra o cinema, particularmente as dobragens que a artista faz há bastante tempo. Se em inglês é Halle Bailey quem dá vida a Ariel em A Pequena Sereia, em português é Soraia Tavares quem lhe dá voz.
“Faço dobragens há uns oito anos, e o meu objetivo sempre foi fazer filmes da Disney, aqueles icónicos”, confessa. Foi a primeira a fazer o casting, e, ainda que o processo tenha decorrido durante mais algum tempo, não seria preciso ir mais longe para encontrar Ariel. Era Soraia.
Se o regresso de um clássico da Disney já daria que falar, este foi ainda mais discutido. A escolha de Halle Bailey, uma atriz negra, para o papel de Ariel dividiu opiniões, mas acima de tudo colocou o mundo a falar sobre um tema muito importante para Soraia: A representatividade. “Eu gosto de falar e comunicar sobre projetos que tenham os mesmos valores que eu. Pensando que eles têm essa intenção de chegar a mais crianças e chegar àquela criança que não se sente representada, aí, sim, o projeto torna-se maior, e eu fico mais orgulhosa por fazer parte dele”, diz.
O resultado de tudo isto foi claro nas crianças, onde está a base para que as coisas possam mudar no futuro. Tanto as crianças que se viram representadas como aquelas que se identificaram com aquela princesa independentemente da cor da pele. “Acho que dá logo a entender que isto vem fazer com que todos se sintam vistos na tela e no mundo. Tudo começa desde pequenos, e acho que os media têm um grande poder na sociedade para que as pessoas se sintam mais livres, e o filme tem que ver com isso”, afirma.
Artista dos sete ofícios
Apesar de saber que a sua carreira passa pela música e pela representação, nem sempre foi fácil para Soraia conseguir definir o seu lugar no meio artístico. Hoje sabe que é isso mesmo: artista.
“No início achava sempre que mostrar ao mundo que cantava, de alguma forma, poderia prejudicar o meu percurso enquanto atriz, porque depois só me viam como cantora, então só me chamavam para projetos quando tinha de cantar. E vice-versa, depois quando tinha de cantar sentia que era a atriz do grupo. Cada vez mais gosto de me identificar como artista, e não como atriz ou como cantora, porque acho que levo as duas coisas de um lado para o outro. Se como cantora, quando faço um concerto, trago a minha experiência que já tenho de palco, enquanto atriz, acho que levo também o meu lado criativo, mais aprofundado depois de começar a escrever”, conta.
E por enquanto recusa-se a abdicar de uma das áreas. Ainda assim, tem a consciência de que isso a obriga a optar por projetos e, em determinadas alturas, apostar mais numa área do que na outra. No próximo ano, por exemplo, planeia dar mais atenção à música e ao álbum que lançou. Mas foi com as duas áreas que se tornou uma artista mais segura, principalmente ao longo deste ano, e é assim que quer continuar.
“O que eu quero sempre, e acho que já tenho isso, é ser reconhecida pelo meu trabalho e pela minha arte. E quero sempre que as pessoas olhem para mim como uma artista e que gostem, sei que não posso agradar a todos, mas quero que digam: Não me identifico muito, mas grande artista”, conclui.
(Artigo publicado na edição de dezembro/janeiro da Forbes Portugal)