Entre a série Jornalistas, em 1999, e a Vikings: Valhalla, em 2024, passou uma montanha-russa de 25 anos na vida de Sónia Balacó. Mas entre os altos e baixos, sempre duas constantes: o amor pela representação e a impossibilidade de a limitarem a qualquer que fosse a ideia pré-concebida. Entre os vários sucessos, Sónia viveu dois anos que descreve como “duríssimos”. Porquê? Porque a artista sabia que podia – e queria – fazer mais. “Sempre vi os momentos em que não estava a ter trabalho como oportunidades para desenvolver projetos”, diz a atriz à Forbes. Numa altura em que se sentia “insatisfeita criativamente”, enquanto atriz, recorreu a outra das suas artes e colocou as palavras no papel com o objetivo de, finalmente, as publicar. A escrita já fazia parte da vida de Sónia, mas o primeiro livro, Constelação, só em 2015 foi publicado.
O facto de querer estar presente em várias áreas levou a muitas opiniões desenquadradas do que era a sua realidade. Por exemplo: se agora se dedica à poesia, então deixou de ser atriz. “Foram dois anos em que eu me dediquei muito à escrita. Mas a reação do meu meio de trabalho foi muito desapontante, devo confessar. Acho que também tem que ver com o facto de abrir os caminhos, não é? Porque as pessoas só estão a reagir àquilo que é o status quo. Tu estás a dizer ‘mas outra coisa é possível’, e o meio está a dizer ‘ninguém fez, isso não é possível’. E quando dizem que eu não consigo ou não posso uma coisa, eu vou lá mostrar que posso e consigo”, garante.
Escolher apenas uma das áreas não era opção. “Seria um absurdo, era deixar de ser quem eu sou”, afirma. “Eu sou esta pessoa que tem estes impulsos artísticos e que faz várias coisas. Não tenho de me adaptar ao meio, se o meio é outra coisa, acho que tenho de descobrir onde é o meu sítio. Quando te dizem que não podes, não tens o direito de ser assim ou não gosto de como és, não és tu que tens de mudar. Tens de sair desse sítio e ir em busca das tuas pessoas, dos sítios que te veem, que reconhecem o teu valor”, defende.
Artista completa
Natural de Peniche, Sónia deu os primeiros passos no meio artístico na moda, ciente de que não iria lá ficar. Este foi o caminho que encontrou para chegar aos seus objetivos. “Foi um abrir de olhos também a nível intelectual, sendo que Peniche, para mim, era um beco sem saída, um sítio sem oferta cultural, em que vivia a minha paixão pelas práticas artísticas de uma forma muito solitária. Foi um abrir de espaço, na vida e na mente, de que eu precisava”, conta Sónia.
Logo no primeiro ano deu o salto para o exterior. Foi apresentada ao fotógrafo Mario Testino num casting que a convidou para uma sessão fotográfica que foi capa da L’Uomo Vogue. “Eu tinha 15 anos, foi uma coisa incrível, acho que na altura nem tinha assim tanta consciência do tamanho”, diz. O travão na carreira internacional chegou tão rápido quanto o sucesso. Ao mesmo tempo que fez a audição para a série Jornalistas, conseguiu o primeiro trabalho como atriz. Entre ir para Milão para uma carreira internacional na moda ou ser atriz, a paixão pela segunda falou mais alto.
Quando dá o salto para a representação, sente pela primeira vez os rótulos que as indústrias colocam. Mais uma vez, veio o pensamento: Se é modelo, só pode ser modelo. “Eu sei que me sento numa reunião e que tenho de provar nos primeiros cinco minutos que mereço estar ali, porque acham que sou uma tonta que está aqui porque é modelo. E isso foi uma coisa que eu também tive de desbastar em mim, de que não tenho de provar nada”, garante.
Até ao lançamento do primeiro livro abraçou trabalhos na representação como Ana e os Sete, Último a Sair, O Beijo do Escorpião ou Mulheres de Abril. A escrita estava mais do que destinada no seu percurso: “Não me lembro de não escrever, é uma coisa que faço desde a infância, é uma necessidade e um sítio de conforto e de segurança para mim. Quando lancei o livro, a maior parte dos meus amigos disseram: Até que enfim”, conta.
Depois da moda, da representação e da escrita, também se dedicou à realização, outra paixão. “Realizar era uma coisa que eu queria fazer há muito tempo. Sinto que é escrever com imagem. Quando estamos a ler, temos de traduzir aquilo que está em palavras para a matéria do nosso pensamento. Nós podemos fazer isso no audiovisual, usar coisas que traduzem quase perfeitamente a matéria do nosso pensamento e comunicá-lo diretamente. Para mim, realizar é um ato poético”, diz. Este passo trouxe mais uma dose de dúvidas exteriores: “Ela agora só quer ser realizadora”, mencionando a visão com que, mais uma vez, ficaram dela.
Salto para o mundo
A mais recente conquista de Sónia Balacó foi a internacionalização da carreira como atriz. A série Vikings: Valhalla, um dos sucessos da Netflix, chegou depois de uma grande luta da atriz. “Surge porque fiz parte de um programa da Academia Portuguesa de Cinema que se chama Passaporte, criado pela Patrícia Vasconcelos, uma diretora de casting que chama todos os anos vários diretores internacionais para Lisboa. Nesse ano entrei, depois de cinco anos a tentar e a não entrar, e conheci o diretor Frank Moiselle, que é o diretor de casting da Vikings e Vikings: Valhalla. Cerca de um mês depois de o Passaporte ter terminado, ele enviou-me esta audição, fiz a audição e fiquei”, explica.
Sónia dá vida a Tamar, que entra na terceira temporada da série. “Esta personagem tem uma profundidade maravilhosa e contracena com o protagonista da série, portanto é um presente num projeto que, neste momento, é a série mais vista da Netflix a nível mundial, uma coisa que acho que nem consigo bem perceber o que é que significa, mas estou mesmo muito grata pela experiência toda”, diz.
Sónia é uma artista que sabe o que quer e não deixa que ninguém a desvie. “Esta coisa do ator que está sempre à espera que venha um telefonema que não acontece é horrorosa e mata uma pessoa. Dois anos sem o telefone tocar pode ser um horror, mas se nós tivermos essa coisa da direção, para mim é muito claro, eu sou atriz, mas eu também sou outras coisas, e as outras coisas estão sempre a acontecer”, garante.
Sobre o momento atual da área em Portugal, refere que há 10 anos, o cenário não era o mais animador. “Em Portugal há ainda essa necessidade de colocar as coisas em caixas, talvez agora menos, mas há 10 anos quase, quando eu publiquei o livro, havia muito. E havia muita pressão, e acho que é uma coisa muito dessa altura, de ser um tipo de mulher no audiovisual. Ser uma mulher bonita que faz determinadas coisas e que encaixa neste molde. O maior choque para mim nessa altura foi perceber que fazer uma coisa que tem valor podia ser prejudicial em vez de beneficiar. Havia uma glorificação, perdão, mas é o que eu sinto, da mediocridade”, diz. A boa notícia é que “as coisas mudaram muito nos últimos anos”. Na poesia, por exemplo, destaca a explosão de vozes, sobretudo no feminino. “E isto, para mim, é muito importante, não só na poesia, mas também no cinema, na televisão, o criar espaço para que mulheres possam contar a sua perspetiva e contar histórias também”, diz, realçando que é aí que está o ponto que é urgente mudar nesta área: a paridade.
Agora, que está focada em terminar a pós-produção da série Prisma que correaliza para a RTP, continua com o mesmo sonho desde que entrou no universo das artes: “Trabalhar com as pessoas que admiro, com os realizadores que admiro, na verdade. Espero que seja esse o caminho que se desenhe”, conclui .
(Artigo publicado na edição de agosto/setembro 2024 da Forbes Portugal)